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Comportamento

Guardado por anos, papel de carta amarelado hoje vale preço de voltar à infância

Paula Maciulevicius | 17/02/2016 06:45
A nostalgia chega ao coração quando os olhos encontram os papeis amarelados. Afinal: por que a gente guardou tudo aquilo? (Foto: Fernando Antunes)
A nostalgia chega ao coração quando os olhos encontram os papeis amarelados. Afinal: por que a gente guardou tudo aquilo? (Foto: Fernando Antunes)

Coleção guardada a sete chaves, eram nas folhas de plástico que as meninas nas décadas de 80 e 90 organizavam em pastas o maior xodó da época: o papel de carta. Intocável por anos, o apego às coleções era tão grande que a caneta só encontrava aqueles desenhos quando o destinatário era muito especial, ou o papel repetido. 

Colecionar papel de carta foi perdendo a força quando a tecnologia entrou na rotina. Tem crianças hoje que nem sabem o valor que tinha aquela pasta. A nostalgia chega ao coração quando os olhos encontram os papeis amarelados. Afinal: por que a gente guardou tudo aquilo?

Era uma delícia chegar às livrarias e ir direto nos papeis de carta. Os bloquinhos quando comprados podiam ser trocados entre amigas. Era chegar à casa de uma para pedir para ver a famosa coleção. Quem teve irmã mais velha ou prima, também herdou, quando para elas a brincadeira foi perdendo a graça.

Parte da coleção adquirida pela pedagoga Creisler para dar à filha. (Foto: Arquivo Pessoal)
Parte da coleção adquirida pela pedagoga Creisler para dar à filha. (Foto: Arquivo Pessoal)

Passados de mãe para filha, foi assim que a estudante de Fisioterapia Thais Rezende, de 23 anos, montou sua coleção. A pasta guardava os dela e da madrinha, hoje já falecida. Depois que Thais viu um anúncio de venda na internet, resolveu oferecer os seus, mas nem todos.

"Não vou me desfazer de tudo não. Ainda vou selecionar. Eu cheguei até a usar bastante, mas deixei de lado mesmo quando veio computador e internet, que a gente quase não escreve mais", conta. Até ano passado, quando encontrou a coleção, usou parte dos papeis para escrever às amigas durante um encontro da igreja. "Guardarei alguns, porque ainda terei filhos e quero que eles conheçam como é bom escrever à mão, conheçam a história de cada folha", resume.

Pela internet, o anúncio num grupo fechado varia o preço de acordo com a quantidade, 50 por R$ 50,00 ou 115 papeis por R$ 100,00. Pedagoga, Creisler Pereira Jaime, de 34 anos, comprou para a filha, de 10. Ao ver o anúncio da venda, vieram à cabeça todas as lembranças da adolescência.

A pasta foi trocada com a filha de uma amiga da mãe quando ela tinha 20 anos, por uma tartaruga. "Eram duas pastas inteirinhas, depois sumiu isso de colecionar papel de carta, ninguém falava mais... Eu tinha o grande, o médio, o pequeno e o envelope, tudo igual", se gaba.

Na caixinha de lembranças da nossa editora de Economia, Priscilla, estavam papeis intactos e cartinhas que ela recebia das amigas.
Na caixinha de lembranças da nossa editora de Economia, Priscilla, estavam papeis intactos e cartinhas que ela recebia das amigas.

A pedagoga já vinha procurando em sites de venda e nem se importava com o amarelo do papel. "Era uma epidemia. Eu não escrevia neles, jamais. Era de coleção, então a gente não usava. Tinha uma disputa entre as colegas, para ver quem tinha mais", lembra.

Para a filha, ela quer passar o que foi recordação da infância e adolescência. "São tantas coisas boas e assim, é emocionante. Ela se interessou e a gente vai comprar mais agora", conta.

Auxiliar de Recursos Humanos, Maria de Fátima de Souza, de 40 anos, teve os papeis levados por bandidos que entraram em casa ainda na juventude. Para explicar o que hoje significava o papel de carta, ela recorre ao tereré. "Sabe roda de tereré, era tipo reunião para tomar, só que a gente fazia para trocar papel de carta", descreve.

Por serem "bonitinhos", Maria de Fátima morria de dó de escrever por cima. "Quando me roubaram eu tinha 17, 18 anos e parece que tiraram um pedaço de mim. Levaram a minha infância inteira. Quando eu vi o anúncio, relembrei de tanta coisa... As amizades que a gente tinha, como a gente conversava e acreditava em esperança. Tinha outro pensamento, sabe?"

Também é para a filha que Janaína Gonçalves, de 35 anos, procura papeis de carta. A menina de 10 anos nunca viu uma coleção. "Era uma coisa infantil, bem de criança e romântica também. A gente trocava e ensinava você a ter cuidado com as coisas. A gente colocava na pastinha com todo carinho", recorda a mãe e decoradora.

A coleção será uma surpresa para a filha. "Eu fui doando os meus e me arrependo de não ter guardado para ela", desabafa. "A gente só escrevia quando era repetido. O negócio era ficar olhndo, admirando. Eu tinha o maior apego, igual caderno de poesias. Hoje em dia não tem mais isso, a modernidade tirou e trouxe computador e celular e infância era isso, colecionar papel de carta", narra Janaína.

E nós aqui do Lado B estendemos o convite aos leitores. Eu achei minha pasta no bagageiro do carro da minha mãe, que há meses procurava um destino para os meus já amarelados papeis de carta. Abri a coleção como quem abre o passado e me deparei com eles com o mesmo carinho de antes. Escrevi para uma prima que mora em São Paulo e cada um da redação foi escrevendo também. Que tal colocar a coleção para ser usada? Escreva no papel de carta, envie pelo correio e espere uma resposta. Que com certeza virá mais carregada ainda de saudade.

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Carta da nossa editora, Ângela, para a filha Alice. (Foto: Ângela Kempfer)
Carta da nossa editora, Ângela, para a filha Alice. (Foto: Ângela Kempfer)
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