Júnior conclui Direito com TCC apresentado em língua indígena
De Amambai, acadêmico fez da conclusão do curso um momento político e pedagógico
Indígena guarani da aldeia Guapoy, em Amambai, Júnior Anderson Barbosa, de 28 anos, transformou a defesa do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) em Direito em um ato político, pedagógico e cultural. Ele apresentou todo o trabalho na língua materna, o Guarani Kaiowá, dentro da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) na última semana.
RESUMO
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Júnior Anderson Barbosa, indígena guarani de 28 anos da aldeia Guapoy, em Amambai (MS), defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso em Direito inteiramente em Guarani Kaiowá na Universidade Federal da Grande Dourados. A apresentação transformou-se em um ato de resistência e valorização cultural. O trabalho abordou a emergência climática e seus impactos nas comunidades indígenas, destacando problemas como a escassez de água nas aldeias. Recém-formado, Júnior pretende atuar na advocacia popular e continuar seus estudos acadêmicos, com planos para ingressar no mestrado.
Para Júnior, falar na própria língua não foi apenas uma escolha, mas uma forma de resistência e valorização do seu povo. Nascido e criado na aldeia, ele nunca saiu do território indígena, onde vive com a esposa.
“Defender um trabalho em Guarani, na minha língua nativa, vai muito além de uma escolha linguística. Para mim, é um marco político, pedagógico e cultural”, afirma.
O desejo de cursar Direito surgiu ainda na infância. Segundo Júnior, a motivação sempre esteve ligada à realidade vivida dentro das aldeias. “Desde pequeno eu pensava em fazer Direito ou Medicina, porque são áreas muito escassas dentro do território indígena”, explica.
No caso da Medicina, Júnior conta que a barreira da língua é algo que pesa. “Às vezes os profissionais vêm da cidade e não conseguem se comunicar com a gente. A língua atrapalha muito”, relata. Já o Direito surgiu como caminho para traduzir leis e direitos que, segundo ele, muitas vezes não chegam de forma clara aos povos indígenas.
“Tem muitos direitos que os povos indígenas não conhecem. Acham que não existem ou que estão muito longe, mas eles existem. A própria Constituição prevê isso”, comenta.
Júnior ingressou no curso de Direito em 2021, após ser aprovado pelo Enem, em um dos cursos mais concorridos da universidade. “Eu fiquei muito feliz de ter conseguido passar. Foi uma conquista muito grande para mim”, relembra.
Antes disso, ele já cursava Matemática na UFMS de Ponta Porã, onde entrou pelo vestibular tradicional. Com a pandemia, o início do curso de Direito foi impactado pelas paralisações, mas isso não diminuiu o aprendizado.
“Foi um período de muito aprendizado. Eu descobri que posso ir bem mais além do que eu pensava”, afirma. Segundo ele, cada nova disciplina era uma descoberta. “Cada carta, cada conhecimento novo para mim era uma coisa única”, avalia.
Durante a graduação, Júnior percebeu que o conhecimento jurídico não precisava ficar restrito ao português. “O Direito é muito rotulado como coisa dos brancos, só em português. E eu aprendi que posso traduzir isso para o Guarani”, conta.
Ele também destaca que a universidade mostrou que há aliados. “Aprendi que tem muitos não indígenas que defendem os povos indígenas. A gente não está sozinho”, relata.
Esse mergulho no conhecimento o levou a escolher a advocacia popular como caminho profissional.
Emergência climática como tema do TCC - O tema do TCC surgiu a partir da própria vivência no território indígena. Inicialmente, Júnior pensou em outros assuntos, mas percebeu que precisava falar do que vive diariamente. “Eu não posso falar de algo que não estou vivendo. A emergência climática faz parte da nossa realidade”, explica.
Ele relaciona o desmatamento, especialmente na Amazônia, com impactos diretos em Mato Grosso do Sul. “O que acontece lá afeta a população indígena daqui e de outros lugares também, como aconteceu no Rio Grande do Sul”, analisa.
Segundo Júnior, os efeitos recaem primeiro sobre os povos indígenas. “Quando a mãe natureza responde, ela não escolhe classe social. Mas o reflexo do desmatamento cai primeiro sobre a população indígena”, comenta.
Um dos pontos mais fortes da defesa foi a questão da água. “A Constituição diz que água é um direito básico, só por sermos humanos. Mas a gente não tem esse acesso”, denuncia.
Ele relata que, na aldeia, a água chega com muita dificuldade. “Às vezes vem uma vez a cada 15 dias, uma vez por mês”, diz. Para Júnior, a situação é contraditória. “A gente mora em cima do maior reservatório de água do planeta, o Aquífero Guarani, e mesmo assim precisa falar de falta de água. Onde está o erro?”, questiona.
A defesa do TCC aconteceu na semana passada e, desde o início, já estava definido que seria em Guarani Kaiowá. “Quando a universidade permite que eu defenda o trabalho na minha língua nativa, ela reconhece a legitimidade do pensamento indígena”, avalia.
Ele destaca que isso fortalece não apenas o estudante, mas toda a comunidade. “Isso fortalece a minha autoestima e também a autoestima da comunidade. Mostra que os saberes indígenas podem estar na universidade sem precisar de tradução constante para o português”, completa.
Recém-formado, pretende seguir na advocacia popular e continuar os estudos. “Já estou escrevendo na mesma linha da emergência climática para tentar o mestrado no ano que vem”, finaliza.
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