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Comportamento

Longe da família, Antônio só pede novos óculos, para ler enquanto vive nas ruas

Para conseguir os livros, ele pede doações ou cata nas lixeiras da cidade

Thailla Torres | 06/11/2017 06:05
Além de um emprego, tudo que ele mais quer é um,
óculos novo. (Foto: Thailla Torres)
Além de um emprego, tudo que ele mais quer é um, óculos novo. (Foto: Thailla Torres)

Há uma semana, Antônio Pedro Rodrigues Borges, de 57 anos, quase não enxerga. Ele perdeu os óculos de grau que garantiam a leitura, o único prazer do homem que diz viver sem rumo há 50 anos.

Com roupas surradas, o cabelo sem corte e dormindo ao relento, o jeito simpático do senhor é de chamar atenção. Antônio garante que não vê a família e não volta para casa desde os 7 anos depois de ser torturado pelo padrasto.

O choro toma conta da conversa quando Antônio tenta buscar na memória o passado. Ele fala do ressentimento de não ter sido ajudado na infância. "Eu saí de casa para não sofrer, mas ninguém veio atrás de mim. No momento que eu mais precisei, minha família faltou, hoje não quero mais ver ninguém".

Ele precisa de um exame e de óculos novos. (Foto: Thailla Torres)
Ele precisa de um exame e de óculos novos. (Foto: Thailla Torres)

Os familiares são da região da Vila Carlota e Jardim Auxiliadora, mas ele não pensa em voltar. "Agora quero ficar aqui, única coisa que preciso é de um emprego", diz o morador de rua.

Durante cinco décadas, Antônio teve algumas vezes uma cama confortável em empregos temporários. "Já trabalhei de pedreiro, carpinteiro e até dirigi trator, mas há muito tempo eu não consigo um trabalho", reclama.

Há meses ele dorme em uma cabana de plástico na rua Arthur Jorge e cuida dos carros para garantir o almoço no dia seguinte. Mas não é todo dia que consegue uns trocados. "Porque nem sempre tem missa, então eu acabo indo pra outro lugar vigiar carro na cidade".

A falta de óculos vem prejudicando até suas andanças. "Eu só enxergo do olho esquerdo e o meu óculos tinha 7 graus. Agora sem eles eu vejo tudo embaçado e, pra ler, só se eu colocar o papel aqui no nariz", demonstra.

Cadernos, gibis e livros de romance estão entre os objetos que Antônio guarda na cabana. A leitura é a maneira que ele encontrou de se distrair nas ruas. Para conseguir os livros, ele pede doações ou cata nas lixeiras da cidade. "Sempre gostei de ler, gosto dos romances e dos gibis, que são os mais engraçados".

Antônio não pensa em mudar o jeito de viver. Usa as roupas que tem e vai até um córrego na região do Itanhangá lavar as peças toda semana. 

Antônio chora ao lembrar da família que deixou para trás. (Foto: Paulo Francis)
Antônio chora ao lembrar da família que deixou para trás. (Foto: Paulo Francis)

Contrariando a maioria, garante que não precisa de drogas ilícitas para enfrentar a rotina. "Nunca usei nada, e olha que na rua desde criança, não faltou gente com aquele cigarro fedido perto de mim", fala sobre a pasta base de cocaína. O problema durante a vida foi a bebida, que o fez sofrer desde a adolescência. 

Comida, geralmente não falta e Antônio acaba dividindo com outros moradores de rua. "Tem dia que alguém passa aqui e deixa até duas marmitas. Para não estragar eu levo até lá em baixo para os outros".

O personagem da Arthur Jorge, por sorte, é bem tratado pelos moradores, mas tem gente que prefere o ver bem longe dali. "As pessoas têm muito preconceito, tem gente que está na calçada e atravessa a rua pra não passar do meu lado. A noite já sofri muito com jovens que passaram me chutando como se fosse um lixo, por causa da minha aparência", conta.

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