ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SÁBADO  20    CAMPO GRANDE 19º

Comportamento

Mãe entende filha pelo olhar e escreve no lugar dela o que lesão cerebral impede

Paula Maciulevicius | 07/10/2015 06:45
Fernanda não anda, não fala. Mas se comunica com o sorriso e os olhos. (Foto: Gerson Walber)
Fernanda não anda, não fala. Mas se comunica com o sorriso e os olhos. (Foto: Gerson Walber)

"Hoje completo 22 anos de vida, amo minha família, mesmo aqueles que pensam que não entendo nada só pelo fato de ser especial. Digo uma coisa: entendo tudo à minha volta, sei o que se passa. Às vezes fico triste por não poder fazer nada, mas sou amada por todos que estão ao meu redor. Deus disse pra mamãe que sou um anjo que vim pra ajudá-la, eu acho que não. Vocês, meus irmãos, que são anjos que Deus deu pra cuidar de mim. Amo vocês... Hoje é meu aniversário. Meu maior presente é fazer parte dessa família". 

O agradecimento trouxe em palavras o que Fernanda não consegue dizer, mas expressa com o olhar. Aos 22 anos, ela comemorou aniversário na última segunda-feira. E no Facebook, escrever o texto acima, foi uma forma que a mãe, Márcia, encontrou para extravasar a tristeza diante das dificuldades e transformar em gratidão, deixando no peito a alegria de ter um "anjo" em casa.

Márcia tem 46 anos. Fernanda, 22, é a caçula de quatro filhos "escadinha". A menina nasceu bem, saudável, mas aos 5 meses uma pneumonia a levou para o hospital, onde ela teve uma parada respiratória. Quando Fernanda completou 1 ano, a mãe descobriu que havia ficado sequelas: uma lesão cerebral que a deixou restrita à cadeira de rodas.

Márcia tem 46 anos. Fernanda, 22, é a caçula de quatro filhos "escadinha". (Foto: Gerson Walber)
Márcia tem 46 anos. Fernanda, 22, é a caçula de quatro filhos "escadinha". (Foto: Gerson Walber)

Fernanda não anda, não fala. Mas se comunica com o sorriso e os olhos. Tem um rosto lindo e um olhar que cativa. A mãe e os irmãos são os que mais enxergam isso, por viverem fotografando a alegria na face da menina. Ela também é capaz de reconhecer quem faz parte do convívio mesmo que não seja diário.

Conheço a menina há anos. Desde quando a mãe ainda carregava ela pra cima e pra baixo no colo. Gesto que ela ainda repete até no banho, porque não tem estrutura alguma na casa.

Ela sempre me cumprimentou sorrindo nos cultos do sábado de manhã. Mesmo quando os olhares eram de curiosidade por parte das crianças.

Fernanda sempre teve uma cadeira que a segurava desde a cabeça. Fruto de doações e vaquinhas entre conhecidos. Hoje, o instrumento que a abriga está ultrapassado. Ela cresceu, a cadeira não e há 4 anos a mãe tenta uma nova. O valor para fazer uma adaptada ao tamanho e às necessidades dela ultrapassa os R$ 5 mil.

Mas não foi do que falta que Márcia falou e sim do que sobra em casa.

"No hospital, eles falaram que ela ficou deficiente, o resto da história, você já sabe..." diz Márcia de Cássia Nóbrega Borges. A mãe criou os quatro filhos sozinha, sendo diarista. Se virava como dava levando muitas vezes a simpática garotinha de sorriso aberto para o trabalho. Hoje ela fala orgulhosa que está cursando Educação Física, no primeiro ano ainda. Com ajuda do Financiamento Estudantil, do Governo Federal e dos filhos, que cuidam Fernanda quando a mãe segue para a faculdade, no período da noite.

Na formatura da irmã Janaína. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na formatura da irmã Janaína. (Foto: Arquivo Pessoal)
No casamento da irmã. (Foto: Arquivo Pessoal)
No casamento da irmã. (Foto: Arquivo Pessoal)
Quando Fernanda completou 1 ano, a mãe descobriu que havia ficado sequelas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Quando Fernanda completou 1 ano, a mãe descobriu que havia ficado sequelas. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Como eu entendo ela? Pelo olhar, pelo carinho. Não sei explicar, mas eu entendo tudo que ela sente. Os médicos diziam que era pra ela ter um retardo, mas ela não tem. Eu sempre a tratei igual os outros, conversava igual, brigava igual. A gente que conhece, entende", explica a mãe.

Além de passar por tudo isso, Márcia conta que também recebia críticas. "O que me faz ficar de pé? Só uma pessoa: Deus e as pessoas que se envolvem, apoiam, os anjos que Ele coloca para te ajudar a a carregar um pouco... As pessoas acham que eu sou forte, mas não sou..."

O Facebook da jovem, onde Márcia postou o trecho de agradecimento de aniversário pela filha, foi criado há 1 ano, a pedido dos irmãos que queriam "marcar" a menina nas fotos. Reflexo da criação sem distinções. Eles também queriam ela nas redes sociais.

Há poucos meses, Márcia assumiu de vez a conta de Fernanda, desativou a sua e escreve e manda mensagens como se fosse a filha.

De uma hora para a outra, a mãe volta quatro anos atrás para contar de um sonho que talvez seja encarado, até hoje, como pesadelo. Vivido depois de uma noite que Fernanda passou mal e ela se deitou ao lado da filha. "Deus dizia para mim que chegou a hora dela e eu comecei a chorar pedindo para ela ficar mais um pouco, mas ele dizia que ela só foi um anjo na minha vida, que veio para me ajudar e que eu iria ficar bem... Tem quatro anos isso já".

A frase não termina, mas fica visível pelo olhar que Márcia se vê diante de um bônus de tempo para viver com seu anjo na terra.

"Você se sente sim impotente de ver sua filha assim, mas eu agradeço. Só penso que se ela falasse, se ela andasse, hoje, quem sabe, ela estaria fazendo uma faculdade. Deus sabe o que faz, eu só queria dar o melhor para a minha filha", resume Márcia.

Fernanda acompanha toda a entrevista. Se identifica com a câmera, talvez por já ser acostumada a sorrir pra ela. Tira fotos e dependendo do trecho da conversa, também baixa a cabecinha.

Questionei se o agradecimento, aquele postado no Facebook, é como a mãe acha que Fernanda vê o mundo. E a resposta, me fez chorar. "Não é como eu acho, é como ela enxerga. Às vezes eu vejo ela triste e sei que ela sente isso. O que ela é? É um anjo, ela não é um fardo. É um anjo que me inspirou a criar meus outros filhos", diz.

Extravasar a tristeza, trazendo no peito a gratidão. (Foto: Gerson Walber)
Extravasar a tristeza, trazendo no peito a gratidão. (Foto: Gerson Walber)
Nos siga no Google Notícias