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Comportamento

Mãe voltou a estudar e fez Pedagogia para ensinar a vida à filha "especial"

Paula Maciulevicius | 16/12/2014 06:23
Última filha é a única menina e quem a levou a voltar a estudar para poder lhe ensinar a vida. (Foto: Arquivo Pessoal)
Última filha é a única menina e quem a levou a voltar a estudar para poder lhe ensinar a vida. (Foto: Arquivo Pessoal)

Dona Marilza Queiroz Calazans tem 60 anos, mas uma vitalidade de moça. Fala rápido, descreve a vida sem qualquer tom de pesar. No decorrer da conversa a gente entende, não foi nada fácil. Mas nem por isso ela deixa o riso em segundo plano. Casada, mãe de quatro filhos. A última é a única menina e quem a levou a voltar a estudar para poder lhe ensinar a vida.

Mariana tem 29 anos, uma diferença de 8 entre ela e o irmão mais próximo. "Sempre quis uma menina, tive até um aborto entre eles, aí veio a Mariana e veio com sérios problemas, mas que para mim, não foram problemas", fala. Marilza tira o peso da palavra, faz questão de admitir as implicações, mas não encara como fardo.

Aos 8 meses de idade da filha, ela descobriu que a menina nasceu com fissura sub mucosa no palato, esteticamente Mariana não tinha o céu de boca fechadinho. O que lhe custou adquirir tamanho e outra forma que não fosse de uma menina 'mirradinha'.

"Fui descobrir quando fui para São Paulo. Esse médico que me encaminhou para operar. Ela era subnutrida e tudo que ela comia, punha para fora e a pessoa, quando não tem conhecimento, não sabe lidar. Por isso que eu falo, tem que conhecer, buscar informação". Ouvir a versão hoje me faz pensar como era lidar com todo esse turbilhão de descobertas 30 anos atrás. 

Mariana tem 29 anos, uma diferença de 8 entre ela e o irmão mais próximo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Mariana tem 29 anos, uma diferença de 8 entre ela e o irmão mais próximo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Foi uma luta grande para que a menina fizesse a cirurgia. Na bateria de exames, mãe e filha enfrentaram 40 dias de visitas médicas para descobrir outra realidade: Mariana tinha uma deficiência irreversível. "Além do palato, ela tinha uma deficiência mental moderada, o médico falou isso. E eu, naquela minha vontade de ter uma filha, não percebia que a menina não estava desenvolvendo". Quando ouço a segunda frase, me vem à cabeça uma pontinha de culpa. Marilza conta que era o marido, que passava a semana fora, que observava que a criança não seguia os mesmos passos dos outros irmãos.

A menina já era alfabetizada quando a mãe resolveu que seria ela mesma a professora da filha. Marilza voltou a estudar, três décadas depois de deixar a escola, ainda na 8ª série. "Eu voltei para fazer tudo de novo já com 42 anos. Eu resolvi estudar quando ela já estava se virando", pontua. A filha, à época, tinha completado 11 e já não exigia tanto como quando menor.

Da escola, Marilza lembra que saía correndo para pegar Mariana na porta de onde estudava. Era a segurança que a filha tinha, de que ao sair, encontraria os olhos da mãe lhe esperando. Na faculdade, Mariana ia junto com a mãe para que não ficasse sozinha em casa.

A escolha foi Pedagogia, mais para aprendizado próprio do que para lecionar. "Ela já era alfabetizada, mas muitas coisas que eu aprendi na faculdade foi bom para lidar com ela. A parte pedagógica, neurológica, disciplina", explica.

Como mãe, Marilza diz que é uma coisa, com a bagagem de professora, enxerga a vida da filha com outros olhos. "A criança tem que estar em primeiro lugar. É preciso educar com amor, mas tem que ter a disciplina. Acho que toda mãe tinha que ter Pedagogia", argumenta.

Marilza não encarou a vida como um drama. Escolheu a própria forma de ensinar à filha. (Foto: Marcelo Calazans)
Marilza não encarou a vida como um drama. Escolheu a própria forma de ensinar à filha. (Foto: Marcelo Calazans)

A mãe acredita que Mariana tem consciência de suas limitações. Hoje, com 29 anos, a idade cronológica não bate com a mental. "Acho que ela sabe pelo que ouve a respeito dela. Eu falo que ela é especial, não uso 'deficiente' e explico para as pessoas que se elas não entenderem o que Mariana diz, pode perguntar para mim".

Mariana teve limitações na fala. A voz sai um pouco fanha e ela criou um vocabulário próprio, com palavras que o convívio e o carinho diário é que ensinaram a família a interpretar.

À primeira vista, a mãe descreve que a filha é bonita, mas que se você reparar bem na fisionomia ou na conversa, é que percebe o quão especial a filha é. "Ela é muito inteligente para coisa moderna: computador, celular. Adora bicho, tanto é que temos 11 gatos em casa. Gosta de música sertaneja, adora TV. Acostumei ela livre, mas sem sair do portão para fora sozinha".

O receio é quando Marilza e nem seu diploma de Pedagogia não fizerem mais presença. Mas a mãe tem confiança de que os irmãos assumem os cuidados. E também sabe, lá no fundo, que a expectativa de vida da filha pode ser contra a natureza.

Nem Marilza e nem Mariana encaram a vida como um drama. Escolheram a própria forma de ensinar uma à outra. "Ela veio assim, mas eu não sou uma mãe que questiona por que? Acho que a minha paixão por criança é maior. A gente pode até ficar deprimido no começo, mas tem que correr atrás. Ninguém vai fazer nada, você tem que correr. A vida é assim para todo mundo", finaliza.

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