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Comportamento

Sai ano, entra ano, a família cresce e a festa vira tradiçāo de quem é Guazina

Paula Maciulevicius | 05/11/2012 08:43
Parte dos 230 membros da família Guazina que vieram do interior do Estado, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, por um único motivo: manter a união da família. (Fotos: Simão Nogueira)
Parte dos 230 membros da família Guazina que vieram do interior do Estado, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, por um único motivo: manter a união da família. (Fotos: Simão Nogueira)

Um encontro de bisavós e bisnetos, dos mais velhos como dona Teté, de 93 anos, até os pequenos gêmeos Eduardo e Emanuel, de apenas 37 dias. Duas ramificações de uma família vinda do Rio Grande do Sul para Mato Grosso do Sul no início do século XX, que hoje tenta juntar toda a parentada numa foto digna de porta-retrato de família. É o resgate da cultura e das tradições, regado a receitas típicas e a dança do chupim.

Em uma chácara, pouco à frente do Autódromo da Capital, se vê de longe o movimento dos carros e uma faixa indicando “4º Encontro da Família Guazina”. Mal se adentra e já se ouve violeiro e sanfoneiro anunciando a animação dos Guazina.

O Lado B chega a tempo para um dos momentos mais esperados da festa e também o mais ensaiado. A Dança do Chupim. A música paraguaia é que dita o ritmo embalado pelas palmas. No centro, nove pares de casais, vestindo camisa branca e elas, saia longa e estampada de flores.

Humberto Carrapateira e Mari Guazina. Ela neta de João Carlos Guazina e quem junto da nova geração, não deixa as tradições caírem no esquecimento.
Humberto Carrapateira e Mari Guazina. Ela neta de João Carlos Guazina e quem junto da nova geração, não deixa as tradições caírem no esquecimento.

Num sincronizado passo, eles trocam de casais e passam rodeando de um a um até chegar ao seu par original. Dança que dona Santa Inez da Silva Guazina, 70 anos, faz questão de frisar, que dali, só ela sabia.

“Aí eu passei toda a informação para a minha neta, ela que passou para o computador e deu para cada um. Como nós dançávamos desde criança, é uma tradição familiar”, ensina. Dona Santa dança há nada mais do que 55 anos. Era a mais velha a bailar no centro do galpão e uma das responsáveis de incumbir que a ‘Caderna’ e o ‘Carancho’ não fossem esquecidos.

A dança é paraguaia e criou boa parte dos Guazina na fronteira com o Paraguai. “É com música paraguaia, para dar o ritmo de bater palma, fazer a caderna. A caderna é o que tem que saber fazer para dar certo”, completa. A expressão é para a trajetória de passar em círculo de mão em mão, por todos os pares até chegar ao seu novamente.

A hora de juntar para a foto de família é sempre um dizendo que ainda falta o outro e alguém acenando com as mãos para juntar mais e no fim das contas, são 230 Guazinas para caber na fotografia. Para a foto de família, se vê os mais velhos Guazinas e os mais novos, ainda no colo dos pais.

A mais velha matriarca Guazina presente no encontro. Nos olhos a saudade dos velhos tempos e no coração a alegria de ver toda família reunida.
A mais velha matriarca Guazina presente no encontro. Nos olhos a saudade dos velhos tempos e no coração a alegria de ver toda família reunida.

“Faz um tempo já que eu não via todo mundo assim, acho que a última vez foi ano passado. A cada festa vem gente aumentando, netos e sobrinhos e é uma maravilha ver a família toda reunida”. As palavras saem com facilidade de uma senhorinha que já tem 93 anos. Dona Jaci Alice Guazina Brum, é filha de ‘seo’ João Guazina, o patriarca da família.

Ela fica boa parte da festa sentadinha, só acompanhando e fazendo despertar um baú de recordações de um passado em que os bailes eram diferentes. Saudades de familiares que não estão mais ali, mas conseguiram passar um pouco de si para a geração de Guazinas que começam a dar os primeiros passos no Chupim.

“Eu lembro muito do passado. Eles dançando baile, vi a diferença que era de antigamente para hoje. Família grande é uma coisa que eu sempre desejei, mas não imaginava que fosse aumentar tanto assim”. Na foto, dona Teté, como é conhecida desde criança parece séria, mas cai na gargalhada na hora de responder que não sabe quantas ‘Deus te abençoe’ disse aos pequenos da família. A mais velha Guazina presente na festa nasceu em Amambai, teve nove filhos, 16 netos e seis bisnetos e vê a felicidade de ver tanta gente e a família reunida.

Alcir Guazina e Santa Inez Guazina, ele fala da paixão dos Guazinas por doce e ela fala da precisão dos passos que os Guazinas têm na dança do Chupim.
Alcir Guazina e Santa Inez Guazina, ele fala da paixão dos Guazinas por doce e ela fala da precisão dos passos que os Guazinas têm na dança do Chupim.

‘Seo’ Alcir Guazina, 80 anos, está logo atrás. O irmão de Jaci é o patriarca mais velho ali presente e um dos mais carismáticos. É casado com uma santa, literalmente. Esposo de dona Santa Inez.

Ele começa dizendo que a alegria em estar ali é muito grande, principalmente para quem chegou numa idade que passa a maior parte do tempo em casa. “E tem sempre alguém que a gente não conhece. O que eu mais gosto da festa? É o doce, tudo é gostoso. Sou apaixonado por doce, não sei explicar, é uma tradição na família Guazina”, diz aos risos.

Quando ele ficou sabendo que o de leite havia acabado, respondeu “vixe, isso é má notícia”.

São pensamentos e depoimentos dos senhores que já viveram e tentam repassar a cultura da família. A Guazina veio do Rio Grande do Sul pelos irmãos Auta Guazina de Araújo e João Carlos Guazina, em uma época em que terras de um Mato Grosso só, eram repassadas a quem quisesse erguer família e alicerce.

Guazinas que vêm no encontro a comemoração da odisseia vivida pelos avós.  Gente de raíz que se fosse para nascer de novo, nascia Guazina de Araújo.
Guazinas que vêm no encontro a comemoração da odisseia vivida pelos avós. Gente de raíz que se fosse para nascer de novo, nascia Guazina de Araújo.

Filhos, netos e bisnetos se apresentam dizendo nome e da parte de quem. ‘vó Auta’ e ‘vô João’. São adultos, crianças e bebes mostrando que estão dando continuidade sim, a alegria e simplicidade pregada pelos Guazinas mais velhos.

Aos 77 anos, Getúlio Guazina Brum, é o lado gaúcho da família. “Eu venho aqui por dois motivos, pela festa e pelo meu filho e nora que moram aqui. Mas se fosse só pela festa, eu viria também”, conta. Ele saiu de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul para Campo Grande.

No Rio Grande, ele relata ser cinco municípios que abrigam Guazinas gaúchos. Do lado do Sul vieram seis pessoas para o encontro. Viagem que ele não faz questão de esconder que emociona.

“Dá essa sensação boa, ainda mais, para quem é Guazina de sangue. Porque Guazina que se preze é emotivo”.  Se a emoção toma conta do sangue dos Guazina, o Lado B pergunta então: o que é ser um Guazina?

“Eu acho e pelo que eu sei e eu não estou escondendo nada, eu não lembro de ter um Guazina envolvido com alguma coisa complicada, isso é o meu maior orgulho”, ele fala assegurando que Guazina é gente boa. “Enquanto o velho lá em cima permitir, eu estou vindo para as festas”, completa. E pela saúde que ele parecia esbanjar, ainda virão muitos encontros por aí.

Representando quem nasceu em Amambai, mas já vive na Capital há muitos anos, é a vez do Guazina Sérgio Marques Martins, 73 anos. Ele explica, logo de cara, que não assina Guazina porque é neto de Vó Auta e então tem apenas o sobrenome do avô.

Para dizer o que significa estar ali, ele viaja no tempo. “Eles vieram numa verdadeira odisseia, de carroça pela Argentina, para Mato Grosso do Sul. Voltar para cá é como renascer, porque vem pessoas que a gente não via, só ouvia falar e ainda assim existe afeição. Se reunir é reviver tudo isso”.

No colo os mais novos membros: Eduardo e Emanuel na primeira festa da família, com 37 dias de vida.
No colo os mais novos membros: Eduardo e Emanuel na primeira festa da família, com 37 dias de vida.

A última reunião da família foi em Amambai e coube a Zilma de Oliveira Silvestre, 60 anos, também Guazina, parte da organização. O trabalho valeu a pena e ela diz que onde tiver festa a família toda vai. O que ela diz é o sentimento que acredito eu ser partilhado por boa parte dos Guazinas mais experientes.

Família que prefere se encontrar na alegria e tem na bagagem mais momentos de riso do que de lágrimas, mesmo com os dias no calendário da vida passando para todo mundo.

“A única maneira de reviver, de reencontrar é num momento desses. Tem os momentos tristes e os alegres a gente prefere que seja alegre esse momento”, resume.

A festa dura dois dias. Sábado e domingo e é escolhida sempre próximo de feriados para facilitar a vinda de todos. A preparação para os encontros começam ainda no evento da edição anterior. No domingo, a família Guazina elegeu a próxima comissão para organizar o 5º Encontro e também o município sede.

“Compensa, vale a pena ver todo mundo sorrindo, feliz, dançando, se alegrando. Guazina é assim, é esse povo de gente simples, honesto, sincero e unido”, declara o presidente do 4º Encontro, Alcemar Guazina, 58 anos.

Se é Guazina é parente e aí tem motivo para se juntar à essa família.
Se é Guazina é parente e aí tem motivo para se juntar à essa família.

“Sou muito de raízes e isso é importante para toda a família. Nós temos a nossa festa. Se eu tivesse que nascer de novo, nasceria Guazina de Araújo”, ressalta com firmeza, Altezevelte Dutra de Araújo, 61 anos, do núcleo de família que mora em Dourados.

Na primeira festa de Eduardo e Emanuel, quem fala por eles é a mãe, Marines Moura batista, 33 anos. Os gêmeos e os pais viajaram 466 quilômetros de Iguatemi até Campo Grande para passar aos mais novos membros o que Marines aprendeu.

“É muito importante essa questão de família, de retornas às raízes e conservar. Eu fui criada assim e a festa é uma forma de preservar. Ano que vem, se Deus quiser, vamos estar aqui de novo”.

A matriarca dona Teté tem o maior respeito de todos e fala por filhos, netos, bisnetos e sobrinhos. “Pra falar a verdade eu me orgulho de tudo. Pela união dessa família, isso é o meu maior orgulho”.

O objetivo da festa é manter a união e os laços entre os filhos de Auta Guazina de Araújo e João Carlos Guazina. “Todo mundo vai crescendo, se distanciando e paralelo a isso, tentamos preservar as tradições, os lanches, as danças e as receitas típicas da família Guazina. A gente queria manter, unir e mostrar que temos muito orgulho de ser Guazina. Se é Guazina é nosso parente e isso é o que faz com que a gente queira manter a tradição”, finaliza Mari da Silva Guazina Carrapateira, 48 anos.

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