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Lado B

Natureza de MS inspira premiado bluesman. "A todo momento surgem melodias"

De volta ao estado, um dos mais consagrados nomes do blues contemporâneo fala sobre suas influências musicais africanas e quebra de paradigmas no gênero.

Anahi Gurgel | 21/06/2017 17:36
Com sua "escaleta" Adriano desce do palco para uma apresentação mais íntima com o público. (Foto: Gilson Rocha)
Com sua "escaleta" Adriano desce do palco para uma apresentação mais íntima com o público. (Foto: Gilson Rocha)

Durante mais uma passagem por Mato Grosso do Sul, onde veio participar da 4ª edição do Bonito Blues & Jazz Festival, o bluesman Adriano Grineberg conversou com o Campo Grande News sobre seu atual momento profissional, referências musicais, suas viagens pelo mundo em busca de novos sons e ritmos e a forma como ele percebe a "gratidão" do brasileiro à sua ancestralidade africana. De instigar a reflexão.

A entrevista com Adriano, que conquistou em abril o Prêmio Profissionais da Música 2017, como melhor artista de blues, aconteceu momentos antes da abertura do evento, na quinta-feira, 15 de junho, quando o cantor, compositor, pianista e musicoterapeuta contemplava o céu e as árvores do cerrado. Já gravou com IRA!, Wanderlea e, pasmem, Bruna Viola, escancarando toda a sua versatilidade. Confira.

CGNews - Essa não é a primeira vez que você vem ao Mato Grosso do Sul. Perguntinha clichê, mas inevitável: o cenário do blues e do jazz em um estado onde a música sertaneja e suas "variações" são tão predominantes, surpreende você?

A. Grineberg - De certa forma, não. O sertanejo é uma realidade do público no Brasil; é uma música de massa. É comum ouvir que o músico de jazz e blues tem uma tendência a rejeitar o sertanejo. Eu nunca tive isso. Acho que cada música tem seu momento e você não tem como impor o que as pessoas devem ouvir. Muitos falam que a mídia fica massificando esses gêneros mais populares, mas não é a mídia, são as pessoas que querem ouvir. Claro que fazer blues e jazz no Brasil, sem querer rotular, é mais complicado. A batalha é maior. Nós somos sonhadores e idealistas, mas colhemos frutos desse esforço.

CGNews - Esse festival de blues e jazz em Bonito é um desses frutos?

A. Grineber - Com certeza. Estar num lugar como esse, em um evento desse teor, é um presente. Mandei fotos da natureza para amigos dos Estados Unidos e eles não acreditaram na beleza, responderam: "Wow! Where are you? Motherf*" (risos). Mandei fotos da Gruta do Lago Azul e eles acharam fantástico. Outro exemplo está nos Lençóis Maranhenses, também um paraíso ecológico, onde tem um festival de jazz e blues na beira do Rio Preguiça. É um presente para a alma. Impossível dimensionar isso.

CGNews - Você também é musicoterapeuta. Como você aplica a técnica no seu trabalho?

A. Grineberg - Eu já morei na Índia, em outros países, e nas minhas andanças pelo mundo sempre pesquisei a música dos lugares. Na Africa, para onde já fui três vezes, eu tive conhecimento de como a musica é usada com determinadas finalidades, independente da religião. Está voltada para um bem-estar, qualidade de vida. Então, gravei com o guitarrista Edu Gomes o CD Música para os Florais de Bach, fizemos uma composição para cada floral, num trabalho de 3 anos de pesquisa. Recentemente gravei um trabalho sobre golfinhos, que emitem um som que é curativo e vem dentro de uma ancestralidade. Nós, humanos, vivemos um tipo de vida que de certa forma é uma "prisão", uma cobrança de "você precisa ter", "você precisa ser". Então, o som dos mares traz um resgate. Eu me curo compondo e tenho relatos de pessoas que se curam ouvindo. Ser músico vai muito além da música, tem que estar pronto para as situações, ter um desprendimento, e a recompensa disso é difícil de ser descrita.

Adriano com uma arara azul, em Bonito. "Ela não sai da minha cabeça". (Foto: Arquivo pessoal)
Adriano com uma arara azul, em Bonito. "Ela não sai da minha cabeça". (Foto: Arquivo pessoal)

CGNews - Deve ser difícil, porque imagino que tenham muitos, mas você destacaria quais momentos como sendo os mais especiais da sua carreira?

A. Grineberg - Tem muitas coisas que você vai construindo com o tempo, e elas vão chegando até você. Estou com 41 anos e toco profisisonalmente desde 18 anos. Você tem que ralar pra caramba para chegar no lugar que você tem que estar. Isso tem me rendido experiências fantásticas com grandes artistas. Trabalhei com a banda Ira!, com quem vim ao Mato Grosso do Sul pela primeira vez, em 2004, num encontro de motoclicle de Campo Grande. Recentemente estava tocando com a Wanderléa, que é referência do rock brasileiro, com a Ana Cañas, além de Gilberto Gil, Arnaldo Antunes, Elba Ramalho. Tem uma história muito legal abrindo shows do B.B.King em 2004, onde vim a conhecer e acompanhar a filha dele, Shirley King, em algumas turnês. Tenho tocado com Corey Harris, que vai de encontro ao meu atual trabalho.

CGNews - Qual é a fase atual de Adriano Grineberg?

A. Grineberg - Estou trazendo as raízes africanas do blues para meu trabalho. Não somente reproduzir o blues de Chicago, New Orleans, por exemplo. Estou procurando ir mais longe. Trazer para minha música o que encontrei em países como Nigéria, Angola, Mali, Africa do Sul. Meu mais novo álbum, 'Blues for Africa', traz a música cantada nas línguas africanas, ancestrais, que gosto muito de pesquisar, porque elas têm um swing, um ritmo. Cantar isso traz uma força enorme.

CGNews - E o  que tem de tão forte na Africa que você absorveu?

A. Grineberg - A Africa é linda. Se você olhar o Planeta Terra do espaço a primeira coisa que vai enxergar é a Africa, uma faixa laranja que é o deserto do Saara, onde nascem as primeiras melodias do blues. Pena que essa entrevista será escrita porque te mostraria o 'rudimento do blues' (canta). Isso não é tão diferente, por exemplo, se você for pro Saara (canta). Esse tipo de desenho que estou fazendo com a voz vem do deserto, dos escravos de Mauritânia, que foram levados para os Estados Unidos. Inclusive lá, de certa forma, há um preconceito muito forte por causa da descendência escrava. Há uma segregação. Aqui no Brasil, não. Nosso país visita, reverencia com maior gratidão a ancestralidade da Africa. No Maranhão, tem a presença dos escravos do Benin, com cultos africanos como a lavagem das escadas. Há uma conexão maior que nos Estados Unidos, que ainda enfrenta um sério problema de racismo. Experiências dos anos 50, 60, verdadeiras aberrações, ainda refletem hoje na sociedade americana.

CGNews - Quais são os próximos passos do seu trabalho?

A. Grineberg - Já estou voltado ao meu próximo CD, com a participação do americano Corey Harris que tem tudo a ver com essa pesquisa na Africa. Ele participou do documentário 'The Blues', do Martin Escosese, e tem forte aproximação com Ali Farka Touré, um grande nome da música africana. Esses dias em Bonito estão sendo decisivos pra eu fechar internamente a ideia do CD. Moro em São Paulo e não tenho acesso a essa natureza. Árvores, cachoeiras, gruta... Aqui sempre vem uma melodia, é a magia do lugar. E por que um músico de sertanejo não pode compor dessa forma? O cara pode ter a mesma inspiração (risos).

CGNews - Muitos músicos de instrumental torcem nariz...

A. Grineberg - Eu acho preconceito e até um pouco de arrogância um músico de instrumental virar nariz . Eu não gosto de muita coisa no sertanejo, vou ser sincero, mas adoro o raiz. Eu fiquei um mês inteiro gravando com a Bruna Viola. Ela faz algo diferente, um pouco mais pop. O que essa menina faz tem qualidade, está concorrendo ao prêmio Multishow em várias categorias. Ela é violeira e fico feliz por ser uma referência boa para quem gosta de sertanejo.

CGNews - O que você escuta no carro, quando chega em casa? Qual sua playlist?

A. Grineberg - Escuto música do mundo inteiro. Lógico que tenho uma conexão muito maior com artistas africanos, que é o som que está fazendo minha cabeça. Mas, enquanto amante do blues, acho que a fórmula americana do gênero - isso não é uma verdade, e sim um sentimento - me parece que está um pouco saturada. Então, quando ouço Bombino, um Jimy Hendrix do Saara e toda a estranheza que ele causa com turbantes (risos)-, Tinariwen e Imran, sinto que o blues vai para outra dimensão. Eles colocam as pessoas para dançar; isso é a raiz do blues. No Brasil, o jazz e blues estão muito elitizados. Blues é uma música que nasceu para ser do povo.

No vídeo, Adriano mostra bem o que é "música para o povo", quando extrapola os limites do palco e vai ao encontro do público com sua "escaleta", uma espécie de piano de sopro.

CGNews - Na sua opinião, porque elitizou?

A. Grineberg - No Brasil tem isso de elitizar o que é diferente. Tem que quebrar isso. Nunca vi um festival como esse dar errado em qualquer lugar do país. Dificilmente as pessoas não se contagiam com show de blues, mesmo que não conheçam. Aí, dizem: "Ah, mas é uma musica para quem tem certo nível"... Nível pra quê, cara? (risos). Fui para Pomerode, a cidade de Santa Catarina mais alemã do país, e disseram que catarina não "groova". Mas joguei um som tão ritmado que o show virou um grande baile. Uso outras influências para mexer com o público como ritmos do Equador e até do vizinho Paraguai, com suas guarânias. Tento sair do convencional. Vejo que o cenário criativo está um pouco perdido. Nunca me coloco como músico, antes de tudo sou ouvinte.

CGNews - Com quem Adriano ainda sonha em dividir palco?

A. Grineberg - Queria dividir palco com Renatão (Fernandes), do Bêbados Habilidosos, mas isso não vou conseguir, só na próxima encarnação. Tenho admiração muito grande pelo trabalho dele. Muito legal estar na terra dele, nesse momento de homenagem. Um cara que, infelizmente, não cheguei a conhecer pessoalmente.

Adriano no palco "ao lado" de Renato Fernandes (no banner). "Queria muito ter dividido com ele". (Foto: Gilson Rocha)
Adriano no palco "ao lado" de Renato Fernandes (no banner). "Queria muito ter dividido com ele". (Foto: Gilson Rocha)

Gostaria também de tocar com André Christovam, que toca blues em português - o que é muito difícil. Mas de forma geral vivo um dia de cada vez. E tem cada dia maravilhoso. Difícil traçar alguma coisa no futuro; não é ausência de objetivo, mas estou aberto porque quando você almeja muito alguma coisa, deixa de conquistar uma maior que está reservada para ti. Pode ser que quando essa entrevista acabar vou lembrar de algo que poderia ter dito sobre sonhos. Mas é o que me vem ao coração agora.

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