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Meio Ambiente

A condenação do Prata, rio essencial para a biodiversidade

(*) Angelo Rabelo, especial para o Campo Grande News | 15/08/2018 16:17
Nos últimos 10 anos, banhados ao longo do rio da Prata foram drenados para produção de grãos. (Fotos: Angelo Rabelo)
Nos últimos 10 anos, banhados ao longo do rio da Prata foram drenados para produção de grãos. (Fotos: Angelo Rabelo)

O Rio do Prata está em apuros. Lozalizado nos múnicipios de Jardim e Bonito, e conhecido nacionalmente pela sua beleza cênica e o principal contribuinte (de maneira relevante) para que a cidade de Bonito fosse premiada inúmeras vezes como melhor destino de Ecoturismo do país, corre sérios riscos.

A exemplo dos Rios Formoso e Mimoso, o Prata tem suas nascentes localizadas num banhado. Nos últimos 10 anos, este banhado foi drenado para expansão da produção de grão e pastagem. Foram construídos numa única fazenda, cerca de 50 km de drenos. As imagens veiculadas nacionalmente sobre os fatos que mostraram águas turvas, inviabilizando a prática do turismo, chocaram o país.

Para conter este desastre que coloca em risco a sobrevivência do rio, o Ministério Público, após uma ação eficiente da Polícia Militar Ambiental, ajuizou uma ação pedindo o fechamento dos drenos, a condenação dos culpados a reparar os danos e a paralização das atividades agropecuárias no local.

Para subsidiar a ação, contribuímos com um parecer técnico inquestionável sobre a importância dos banhados assinados pelo Professor Doutor Arnildo Pott, um dos especialistas mais respeitados do país com relação à botânica, Valle Pott e equipe.

Ao final da visita a campo, no parecer, eles descrevem: “(...) Após as alterações, é considerável a redução da água superficial e o stress da vegetação nativa. Cerca de mil hec foram drenados, extinguindo a vegetação de vereda existente. Os danos ambientais são de vários tipos, no espaço e no tempo, em cadeia. Há danos que ainda serão causados na área, porque demoram mais tempo a ocorrer. A alteração das características hidrológicas é a mais impactante que pode haver em Áreas Úmidas. A drenagem tem as seguintes consequências danosas ao ecossistema desses banhados: Diminuição do estoque de água, responsável pela perenização dos afluentes e do próprio do Prata.

Ação do MPMS pede a retirada dos chamados drenos para tentar proteger a região.
Ação do MPMS pede a retirada dos chamados drenos para tentar proteger a região.

Relata ainda o professor, que o banhado cumpre um papel estratégico como esponja e caixa d'Água, e com seu solo orgânico e retém gás carbônico.No aspecto perda de biodiversidade: O rebaixamento do nível de água no solo provoca modificações na vegetação que resultam em supressão, com grande perda de diversidade de espécies vegetais, o que é agravado pelo cultivo agrícola. No local são arroladas 138 espécies de plantas registradas de 44 famílias, assinalando-se 77 espécies que são de vereda, além das aquáticas e/ou de campo úmido, e 35 de terreno drenado.”.

O prejuízo à biodiversidade de flora e fauna é inquestionável e o parecer recomenda interdição das áreas para recuperação dos passivos, pois a continuidade do uso contribuía para o assoreamento, turgidez d'água e coloca em risco o reabastecimento do rio por ser nascente e assegura a perenidade das águas cristalinas. 

Com um laudo consistente e claro como este, o MP ajuizou a ação e, juntos, acreditamos até então, que a decisão do judiciário seria uma grande vitória para sociedade.

Surpreendentemente, a decisão datada de 18 de janeiro de 2018, Autos nrº 08011261.14.2016.8.12.0028, a juíza optou por determinar que no prazo de 60 dias os proprietários, diga-se de passagem, moram fora do estado e desconhecem a realidade do município, regularizem a área e os drenos, restringindo o uso de mil hectares do brejão do Prata, dos 4 mil necessários. Uma esperança.

Passado quatro meses, os proprietários recorreram da decisão, utilizando-se de competências reconhecidas no direito ambiental. A defesa alegou que o banhado não tem nenhuma relação com o Rio do Prata, muito menos que é uma nascente e não possui olhos d’água. Uma nova decisão, após o recebimento da defesa, no ultimo dia 21 de maio de 2018, revogou a restrição do uso dos mil hectares e ainda permitiu a retomada das atividades agropecuárias, baseado nas informações do órgão ambiental.

Para quem estuda a região, risco para a biodiversidade é considerado inquestionável.
Para quem estuda a região, risco para a biodiversidade é considerado inquestionável.

Não bastasse o laudo do Professor Doutor Arnildo, um fato complementar relevante a ser registrado, foi à iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, que emitiu um documento claro, por meio da Portaria nrº 421 de 6 de novembro de 2017, o qual recomenda ao Estado e ao município que se tome providências com relação a transformação dos banhados do Prata e do Formoso, em áreas de proteção e a criação de um corredor ecológico que os proteja em função da sua importância para proteção da biodiversidade. Em respeito ao pacto federativo e acreditando na iniciativa responsável dos governantes locais, o governo federal motiva o gesto, pela lógica do valor que Mato Grosso do Sul e Bonito tem com o seu ativo biológico.

Me parece que, a despeito do esforço dos técnicos, ONGs e o Ministério Público e alguns ruralistas, os fatos nos levam a uma conclusão: O Rio do Prata foi condenado.

E assim chegamos ao estado atual, em que nossas ações se chocam contra nossos deveres e direitos, comprometendo nosso próprio destino.”.

A frase acima, extraído da tese de doutorado de um dos advogados de defesa dos proprietários da fazenda em pauta. Não me parece o argumento compatível a com a realidade da prática profissional. Assim resta-nos uma instância jurídica superior de esperança, o Tribunal. Ainda não perdi a esperança, mas não posso deixar de recomendar para aqueles que não conhecem a beleza do Prata, o façam, antes dos seus últimos dias, caso seja condenado a seu próprio fim.

(*) Angelo Rabelo é oficial da reserva da Policia Militar, ambientalista e fundador do Instituto Homem Pantaneiro, onde atua atualmente.

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