ICMBio identifica tilápia invasora em 3 unidades de conservação do Estado
Registros inéditos incluem também a abelha-europeia e sagui-de-tufo-branco em áreas federais do Estado
Apesar do embate entre ambientalistas, cientistas e o setor produtivo sobre a polêmica classificação da tilápia como espécie exótica invasora, o principal peixe cultivado no Brasil já integra a lista do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) desde fevereiro deste ano. A inclusão consta na Portaria de 11 de fevereiro de 2024, que reconhece oficialmente as espécies exóticas invasoras em Unidades de Conservação federais.
RESUMO
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A listagem do ICMBio identifica organismos não nativos, de várias espécies, com potencial de causar impactos ambientais em 1.351 unidades de conservação do governo federal. Em Mato Grosso do Sul, há registros da presença desses organismos, entre eles a tilápia, em três unidades de conservação pertencentes total ou parcialmente ao Estado.
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Um dos pontos é o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, localizado em uma cadeia montanhosa de calcário próxima ao polo turístico de Bonito, conhecido por rios cristalinos, cavernas e cachoeiras; o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, no sudoeste de Mato Grosso, divisa com Mato Grosso do Sul e próximo ao rio Paraguai, uma das áreas mais preservadas do bioma, com grande diversidade de peixes e aves aquáticas. Outros locais estão na Área de Proteção Ambiental Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, abrangendo trechos de Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo.
Agora, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama estão elaborando uma lista nacional de espécies exóticas invasoras, organismos não nativos, com potencial de causar impactos ambientais de forma mais ampla. A proposta deve ser votada em 8 de dezembro, durante nova reunião da Conabio (Comissão Nacional da Biodiversidade), do MMA.
“Eles trabalham para criar uma lista nacional. A tilápia está incluída, assim como camarões marinhos, ostra-do-Pacífico, camarão gigante da Malásia, camarão-tigre e várias outras espécies vegetais e animais usadas na aquicultura”, afirma o pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura, Giovanni Vitti Moro.
Parque Nacional da Serra da Bodoquena
De origem africana, a tilápia rendalli, também chamada de tilápia-do-mato ou tilápia-vermelha-africana, foi registrada no Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Apesar de não ser predadora de peixes nativos, a espécie, introduzida no Brasil para piscicultura e pesca, é considerada exótica e invasora em várias bacias, podendo causar impactos negativos em ecossistemas e afetar espécies locais.
Outra espécie exótica presente no parque é a abelha-europeia (Apis mellifera), também conhecida como abelha-doméstica. Originária da Europa, África e parte da Ásia, foi trazida às Américas pelos colonizadores.
No Brasil, as populações são, em grande parte, híbridas entre linhagens africanas e europeias, as chamadas abelhas africanizadas. Embora essenciais para a agricultura, especialmente na polinização, podem causar impactos ambientais ao competir com abelhas nativas por alimento e locais de nidificação, além de afastá-las pelo comportamento altamente defensivo e territorialista.
Também foi registrado o sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), espécie nativa do Nordeste, mas que se tornou invasora em regiões como Sudeste, Sul e Centro-Oeste, onde compete com saguis nativos e pode transmitir doenças.
Parque Nacional do Pantanal Matogrossense
No Pantanal, a lista do ICMBio registra a presença de Cichla piquiti, o tucunaré-azul. Originária das bacias dos rios Tocantins–Araguaia, tornou-se exótica e invasora em outras regiões, incluindo o Pantanal e áreas do Sudeste, onde pode impactar populações de peixes nativos. Outra espécie invasora registrada é o mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), molusco asiático de água doce cuja proliferação descontrolada altera ecossistemas aquáticos.
Já na APA (Área de Proteção Ambiental) Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, também em Mato Grosso do Sul, foi novamente registrada a tilápia rendalli (Oreochromis rendalli), espécie introduzida no país para aquicultura e controle de macrófitas, hoje considerada potencialmente invasora em rios, lagos, lagoas e represas.
O pesquisador Giovanni Vitti Moro reforça que a tilápia, assim como várias outras espécies produzidas comercialmente no Brasil, não é nativa e mantém características selvagens, de rápida reprodução e forte competição por recursos, comportamento comparável ao do javali. Esse conjunto aumenta o potencial de impactos ambientais.
“A tilápia é um caso mais parecido com o javali: passou por algum tempo de domesticação, mas não tanto quanto frangos ou suínos, que têm décadas de melhoramento genético.”
Reversão sexual
Moro avalia que, na prática, a nova lista nacional em elaboração pelo MMA e pelo Ibama não deve mudar muito, ao menos por enquanto. No entanto, deve reforçar regras já existentes, como a proibição da produção de tilápia na Amazônia, onde a espécie ainda não está estabelecida e possui alto potencial invasor. “Em lugares onde a tilápia já ocorre e já é criada comercialmente, provavelmente nada muda”, afirma.
Considerando o potencial invasor da espécie, o pesquisador defende que a produção comercial deveria ser composta exclusivamente por “machos revertidos”, obtidos por reversão sexual. “Machos crescem mais rápido e não perdem desempenho com a reprodução. As grandes empresas já adotam esse procedimento”, explica.
Segundo ele, muitos pequenos produtores de alevinos realizam a reversão de forma inadequada, resultando em lotes com grande quantidade de fêmeas. Isso causa prejuízos aos piscicultores e favorece o escape de indivíduos férteis para o ambiente. “Quando isso ocorre, muitos acabam descartando esses peixes no rio, contribuindo ainda mais para a disseminação.”
O pesquisador ressalta que o controle e a fiscalização são praticamente impossíveis. “Só em São Paulo, provavelmente existem dezenas de milhares de pequenos criadores e dezenas de alevinagens informais. O Ibama e outros órgãos ambientais já não têm capacidade para fiscalizar desmatamento, pesca predatória, caça… imagine fiscalizar pequenos produtores de peixe”, observa.
A Embrapa, segundo ele, iniciou o desenvolvimento de uma linhagem de tilápia que produz apenas machos, sem uso de hormônio. “Estamos começando os trabalhos agora. Precisamos de pelo menos quatro gerações para alcançar o resultado desejado”, afirma.




