Pesquisa com pantaneiros quer resgatar saberes tradicionais sobre manejo do fogo
Aliança entre a ciência e a tradição podem contribuir para enfrentamento dos incêndios
RESUMO
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Pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul realizam estudo para resgatar conhecimentos tradicionais sobre o manejo do fogo no Pantanal, prática historicamente criminalizada. O projeto entrevista peões e comunidades locais, buscando aliar saberes científicos e tradicionais para aprimorar a legislação vigente. A pesquisa indica que o final da estação seca é o período mais benéfico para as queimadas controladas, favorecendo a diversidade de espécies e o fortalecimento dos pastos. O manejo adequado do fogo é crucial para prevenir grandes incêndios e manter o equilíbrio desse ecossistema, que é naturalmente moldado pelo fogo e pela água.
Pesquisa da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) está resgatando o conhecimento tradicional sobre o manejo do fogo no Pantanal, entrevistando peões e comunidades locais. A iniciativa busca aliar o conhecimento científico ao saber pantaneiro sobre o manejo, uma prática que por muito tempo foi criminalizada.
Em entrevista ao podcast “Na Íntegra”, o professor Geraldo Damasceno, que atua no Núcleo de Estudos do Fogo em Áreas Úmidas da UFMS, explica que a criminalização fez com que as pessoas com conhecimento sobre o fogo parassem de praticá-lo ou o fizessem de forma clandestina. Ele destaca a importância de registrar esse conhecimento, que será incorporado às práticas e pode melhorar a legislação de manejo integrado do fogo.
“A gente pula muitas etapas de pesquisa se você entrevista as pessoas que conhecem esse manejo tradicional”, afirma o professor ao ressaltar que muitas pessoas nasceram fazendo manejo de fogo no Pantanal e entendendo a melhor hora para fazê-lo.
Doutor em Biologia Vegetal, Damasceno faz um apelo para que os moradores da região colaborem com a pesquisa sem medo. O projeto já percorre comunidades ribeirinhas e fazendas.
O período ideal para o manejo
O grupo de pesquisa de Damasceno tenta identificar o melhor período para o manejo do fogo no Pantanal. Segundo ele, a época ideal não é fixa, pois varia com fatores como a diversidade de espécies e as características de cada microrregião.
Embora os dados ainda não tenham sido publicados, a tendência é que a aplicação do fogo no final da estação seca, pouco antes das chuvas, seja mais benéfica. Essa prática contribui para o crescimento de uma maior variedade de espécies e um rebrote mais forte dos capins, o que impede a degradação do pasto.
Fogo é crucial para o ecossistema
Damasceno afirma que o Pantanal é um ecossistema moldado pelo fogo e pela água, mas sua dinâmica mudou devido a eventos novos, como as ondas de calor associadas às mudanças climáticas. O calor extremo e a seca, combinados com o uso tradicional do fogo, podem transformar um pequeno foco em um grande incêndio. O manejo do fogo é crucial para prevenir incêndios de grandes proporções e, por isso, o Manejo Integrado do Fogo foi regulamentado por lei.
O pesquisador esclarece que a falta de manejo com fogo em áreas de campo pode acumular "macega fibrosa", um material altamente inflamável. O manejo prescrito evita o acúmulo dessa biomassa seca, diminuindo o risco de grandes incêndios.
A pecuária e a "Regra do 30"
O fogo desempenha um papel importante na pecuária extensiva, que utiliza a biodiversidade pantaneira para alimentar o gado. A queima do capim nativo o faz brotar tenro e de melhor qualidade, além de eliminar a biomassa seca.
Damasceno defende que os produtores que conservam o bioma por meio dessas práticas sustentáveis deveriam receber uma compensação de políticas públicas.
“Se a pessoa está ali trabalhando com pasto nativo, usando a biodiversidade, sem desmatar, sem trocar essa vegetação por outra. Tem que haver uma compensação em relação a isso, senão a pessoa perde esse incentivo e vai derrubar tudo e vai plantar outra coisa”, afirma.
Para um manejo seguro, brigadistas e especialistas usam a "Regra do 30", que combina temperatura acima de 30 °C, umidade relativa do ar abaixo de 30% e vento acima de 30 km/h.
Além disso, antes de fazer a queima é necessário consultar os dados do Sifau (Sistema de Inteligência do Fogo em Áreas Úmidas), que usa imagens de satélite para identificar áreas com grande acúmulo de biomassa e maior risco de incêndio.
As lições de 2020
Para o pesquisador, os grandes incêndios de 2020 trouxeram lições importantes e a necessidade de "reaprender a fazer as coisas". Naquele ano, o fogo foi catastrófico porque se seguiu a um longo período de cheia, que acumulou muita biomassa, e foi seguido por uma seca abrupta. Damasceno lembra que, embora 2024 tenha sido o ano mais seco em 125 anos de registro do Rio Paraguai, não teve a mesma proporção de queimadas de 2020, em parte devido à maior mobilização da sociedade e dos governos que já acumulavam experiências de eventos anteriores.