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A educação e as desigualdades sociais

Por Priscilla Bonini Ribeiro (*) | 19/08/2014 09:34

Durante os anos de transição da ditadura militar para a democracia representativa, a educação brasileira caminhou atenta à nova visão de mundo para qual o Brasil acordava. As desigualdades sociais se apresentaram de forma gritante e assustadora. Um Brasil desconhecido por muitos surgiu nas manchetes midiáticas. Realidade estampada!!! Cabia a nós, brasileiros e brasileiras, refletir e agir para mudar este cenário.

A educação teve papel importante, iniciando uma luta contra o analfabetismo adulto. A preocupação com a formação dos professores, também foi um dos temas debatidos e ações emergenciais, distorceram ainda mais nosso cenário nacional. A pressa foi inimiga da perfeição e hoje é preciso realinhar o ensino brasileiro com metas iguais para condições desiguais.

As distorções sociais que enfrentamos em nosso país se agravam dia a dia. Além do que, a população em situação de vulnerabilidade social é mutante, flutuante e poderá atingir níveis maiores nos próximos anos. Isso porque essa população não está apenas concentrada nas periferias de grandes cidades. É uma população que se espalha pelas cidades, instalam-se em todos os bairros, percorrem ruas e avenidas principais e saem de uma cidade para outra dificultando a mensuração desta população.

A extensão territorial de nosso país contribui com a diversidade socioeconômica e cultural, dificultando ações locais que necessitam de incentivos federais ou estaduais, para reduzir a distorção na oferta de ensino de qualidade.
É importante frisar que a qualidade de ensino, no Brasil, é mensurada por exames padronizados que não consideram as diferenças culturais e muito menos as diversidades que cada região do país apresenta.

Quando se propõe aumentar a oferta e ampliar o número de acesso à escola esbarramos nas questões financeiras e administrativas, que para muitos municípios de nosso país é muito precária. O fato é que por mais incentivo que se possa dar ao ensino como ocorre nas metas do PNE, o respaldo social, administrativo e político não é tão animador assim.

Então, a educação tem o seu caminho para a equidade social interrompido não por uma pedra, mas por uma cadeia de fatores que necessitam a colaboração social, empresarial e principalmente, dos entes federados – União, Estados e Municípios.

Quando pensamos nas desigualdades sociais de nosso país é mais do que certo que definamos a educação como a solucionadora ou, pelo menos, a minimizadora de tal situação. A Educação Brasileira procura se ajustar às novas tendências educacionais no sentido de diminuir e erradicar o enorme abismo social que nossa população enfrenta. Os desafios são muitos e as escolhas das estratégias farão a diferença na tomada de decisão.

Convivemos com um quadro educacional em que é mais “fácil” entrar na escola do que “sair” dela com a conclusão total do ciclo. Sem falar na qualidade de ensino que também não é igual para todas as escolas brasileiras. Quanto mais avança a educação brasileira, mas escancara as enormes evidências de desigualdades sociais e regionais que existem em nosso país.

Diante desse quadro é preciso refletir: o quanto a educação irá crescer realmente, com este quadro de desigualdade social não considerado no PNE? Como ajustar as metas padronizadas de universalização quando as divergências regionais tornam-se grandes entraves? Qual a perspectiva que a atual geração tem ao ser tratada como igual num mundo de desiguais?

As metas do PNE visam à universalização do ensino brasileiro, ou seja, cada aluno matriculado e cursando os ciclos escolares de acordo com a idade certa. A escola que antes só começava aos 7 anos de idade, hoje inicia-se com meses de idade, em creches, seguindo para a pré-escolar, ensino fundamental 1 e 2, no conjunto de ciclo denominado ensino básico obrigatório, depois vem o ensino médio e o ensino superior.

Logo na primeira fase as diferenças sociais se evidenciam. A demanda para creche aumenta constantemente e a oferta de vagas nas redes municipais não consegue acompanhar esse crescimento. A fila de espera por uma vaga é grande e injusta quando ocorre a judicialização em determinados casos.

No ensino fundamental a dificuldade é terminar a primeira e a segunda etapa. São gargalos diferenciados. Entretanto, muitas crianças não conseguem acompanhar o ritmo escolar devido às condições sociais em que vivem. Já está mais do que provado que a alimentação, o ambiente domiciliar, a participação da família, entre outros, são fatores determinantes na vida de uma criança. Quando esses fatores são debilitados pela condição social da família o resultado é percebido nas salas de aulas onde as dificuldades aparecem e persistem.

No ensino fundamental 2 o problema fica ainda mais evidente quando percebemos que, apesar dos alunos terem chegado a essa etapa de ensino, ainda não sabem interpretar textos e apresentam muitas dificuldades para entender cálculos. Sair do ensino fundamental com uma formação de qualidade não é, ainda, uma realidade da educação brasileira.

Com os problemas surgidos no ensino fundamental, entrar no ensino médio torna-se cada vez mais distante e a evasão escolar cresce nesta passagem de nível escolar. Aos que conseguem adentrar no ensino médio, carregam a bagagem de despreparo para enfrentar as novas disciplinas. Resultado disso são alunos que saem do ensino médio sem condições acadêmicas suficientes para encarar o ensino superior.

E temos, então, no ensino superior, a mesma situação. Muito embora o número de pessoas que entram em uma faculdade tenha aumentado, incentivados pelos programas nacionais de financiamentos e bolsas de estudos para as instituições particulares, a qualidade do aluno é precária e as dificuldades que se iniciaram no ensino fundamental permanecem.

Os gestores educacionais têm metas a cumprir e as penalidades inerentes do descumprimento das metas não consideram as condições sociais dos alunos. Iguala-se, portanto, os desiguais sem a devida preparação para que esses desiguais possam ter condições de aprimorarem o seu aprendizado, ante as condições sociais em que vivem.
Será difícil, então, reverter esse quadro de desigualdades sociais com o cumprimento de metas que visam muito mais a quantidade da oferta do que a qualidade do ensino.

Sem dúvida a educação escolar é a ferramenta que gera a cidadania. Sem dúvida a educação é capaz de mudar destinos cruéis. Sem dúvida a educação é o que realmente torna uma nação desenvolvida. Mas não se pode exigir que a educação seja a grande responsável por tudo aquilo que as políticas públicas não fizeram: gerar condições de desenvolvimento pessoal pleno e em todos os sentidos.

Enfim, é fato que a educação é capaz sim de resolver as desigualdades sociais que existem em nosso país, mas não poderá arcar sozinha com o ônus que há anos está batendo à nossa porta. Os educadores, gestores e administradores, principalmente da esfera municipal, são os que mais serão responsabilizados pelo não cumprimento das metas do PNE.

Não é uma questão de ser isso justo ou injusto. É uma questão de se reconhecer que para as metas do PNE surtirem o devido efeito e serem possíveis de realização, as condições sociais de nossa população precisariam ser muito melhores do que é hoje. Metas iguais para desiguais só irá ampliar o problema e protelar sua solução.

Não resolveremos as desigualdades sociais com o atual PNE, que impõe o fardo à educação. Não resolveremos as desigualdades sociais sem que haja uma política pública apartidária que elabore e implemente um regime de colaboração condizente com as diversas realidades que cada município enfrenta e enfrentará para cumprir metas e mais metas.

Não podemos tratar os desiguais como iguais, como se as diferenças não existissem. As diferenças sociais necessitam sim de uma educação de qualidade com iguais oportunidades para todos, dentro dos parâmetros de universalização do ensino que é apregoado pelo PNE. Mas é preciso que o ambiente familiar seja tão de qualidade quanto, que o ambiente social seja tão oportuno quanto. A educação pode sim modificar toda a nossa sociedade e nos dar melhores condições de vida, mas se em seus parâmetros as desigualdades sociais não forem consideradas, a educação não dará o seu grande salto.

(*) Priscilla Maria Bonini Ribeiro, presidente da Undime-SP e Undime Sudeste, secretária municipal de Educação de Guarujá e conselheira estadual de Educação do Estado de São Paulo

e-mail: priscillabonini@hotmail.com

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