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A epidemia da obesidade

Por Dr. Fernando Henrique Rocha Fontoura (*) | 02/12/2025 08:30

A obesidade deixou de ser uma questão estética há décadas. Hoje, ela é reconhecida oficialmente como uma doença crônica — e está no centro de uma crise de saúde pública que cobra um preço altíssimo: vidas, qualidade de vida e bilhões em custos para os sistemas de saúde.

Mas por que, mesmo sabendo disso, continuamos perdendo essa batalha?

O Veneno Colorido nas Prateleiras

A resposta está, em grande parte, nas mudanças radicais no nosso estilo de vida e, principalmente, no que comemos. Os alimentos ultraprocessados — aqueles cheios de açúcares escondidos, gorduras modificadas e aditivos que mal conseguimos pronunciar — tomaram conta da nossa alimentação.

É prático, é barato, é viciante. E está em todo lugar.

Enquanto isso, nossas crianças crescem sem aprender o que é comida de verdade. A saúde pública falhou — e falhou feio — em proteger as bases. Não há educação alimentar consistente nas escolas. Não há controle sobre a publicidade agressiva dirigida aos pequenos. Não há políticas efetivas de acesso a alimentos saudáveis nas comunidades mais vulneráveis.

O resultado? Uma geração inteira caminhando direto para a síndrome metabólica.

Síndrome Metabólica: O Pacote Completo do Desastre

A obesidade não vem sozinha. Ela traz consigo uma comitiva perigosa: pressão alta, diabetes tipo 2, dislipidemia e resistência à insulina. Esse combo explosivo tem nome: síndrome metabólica.

É como se o corpo entrasse em modo de sobrecarga — o motor superaquece, as engrenagens começam a falhar e o risco de infarto, AVC (acidente vascular cerebral) e doenças renais dispara. A ciência é clara: quanto mais cedo tratamos a obesidade, menor o estrago.

As Canetas que Viraram Febre — e o Preço que Poucos Podem Pagar

Aí entram os famosos análogos do GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon 1), as 'canetas emagrecedoras' — medicações como semaglutida e tirzepatida que revolucionaram o tratamento da obesidade. Elas são fruto de mais de 15 anos de pesquisa, testes rigorosos de pureza, eficácia e estabilidade. São medicamentos aprovados por agências reguladoras do mundo todo.

Mas há um problema: custam caro. Muito caro.

E quando o acesso é barrado pelo preço, as pessoas buscam alternativas. Manipulados sem controle de qualidade. Medicações contrabandeadas de origem duvidosa. E, pior ainda, 'médicos' charlatões vendendo produtos de procedência questionável nas redes sociais.

O iPhone e o Clone de Fundo de Quintal

Vamos ser diretos: comprar uma caneta emagrecedora manipulada ou contrabandeada é como comprar um iPhone montado no fundo de um quintal. Pode até ter a mesma aparência, mas você não faz ideia do que tem lá dentro.

Os medicamentos originais passam por testes rigorosos de pureza e estabilidade. Cada lote é rastreado. Cada efeito adverso é monitorado. E quando algo dá errado — o que é raro —, a indústria farmacêutica paga bilhões em indenizações.

Agora, com manipulados e contrabandeados? Você está sozinho. Não há garantia de dose certa, de esterilidade, de conservação adequada. Não há ninguém para responsabilizar se algo der errado. E o nosso corpo — nosso templo — merece mais respeito que isso.

Sim, a indústria farmacêutica tem seus problemas. Sim, os preços são abusivos. Mas a solução não pode ser colocar em risco a saúde de quem já sofre tanto.

O Que Fazer? Um Chamado à Ação

Precisamos, urgentemente, de duas coisas:

Primeiro: combater a obesidade desde a base. Educação alimentar nas escolas. Regulação da publicidade de ultraprocessados. Incentivo à prática de atividade física. Acesso facilitado a alimentos saudáveis, especialmente nas periferias. A obesidade não se resolve só no consultório — ela exige políticas públicas sérias.

Segundo: parar de vilanizar quem busca alternativas mais baratas e começar a criar soluções reais. Por que não programas de subsídio para essas medicações? Por que não parcerias público-privadas para ampliar o acesso? Por que deixar que apenas quem pode pagar tenha direito a um tratamento eficaz?

A população que mais precisa é justamente a que menos tem acesso. E isso não é justo. Não é ético. Não é sustentável.

O Recado Final

A obesidade é uma doença. Não é falta de força de vontade. Não é preguiça. É uma condição médica complexa que merece tratamento digno, seguro e acessível.

Enquanto não tivermos políticas públicas que protejam nossas crianças e garantam acesso universal a tratamentos eficazes, continuaremos alimentando — literalmente — uma epidemia que já saiu do controle.

(*) Dr. Fernando Henrique Rocha Fontoura, médico pela UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), especialista em medicina de família e comunidade e clínica médica e pós-graduado em cardiologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.