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A realidade e a paz entre árabes e judeus

Por Thaïs de Mendonça Jorge (*) | 26/05/2011 12:00

O premiê de Israel, Benyamin Netanyahu, foi muito claro. “A única paz duradoura é aquela baseada na realidade”, disse, ressalvando que “para haver paz, os palestinos terão que aceitar algumas realidades fundamentais”. O primeiro ministro pareceu mais realista do que o presidente norte-americano Barack Obama, quando ele sugeriu que os israelenses retrocedessem às fronteiras de 1967.

Que realidade é essa de que fala o primeiro ministro? O primeiro aspecto é que Israel não quer negociar com a Autoridade Palestina, alegando que por trás dela está o grupo Hamas. Mas há outras facetas igualmente importantes. Para quem conheceu Israel em 1987, a política expansionista adotada pelo país, vinte anos depois do pacto que dividiu as terras palestinas, começava a se fazer visível.

Nesse ano, um grupo de 15 jornalistas, artistas e políticos – entre eles Milton Gonçalves e Lucélia Santos – foi convidado pela Federação Israelita do Rio de Janeiro a conhecer o território entre Líbano, Síria, Jordânia e Egito: 20.600 quilômetros quadrados, menor que o estado de Sergipe. “Come to Israel, come stay with friends”, convidava a empresa aérea israelense El Al, num anúncio mais dirigido aos milhares de judeus que chegavam ao país todos os dias que propriamente a turistas.

Ainda em 1967 Israel tomou, na Guerra dos 6 dias, os terrenos de Jerusalém Oriental, as colinas de Golã, Cisjordânia e a Faixa de Gaza, violando o pacto da ONU. Antes, já havia iniciado a ocupação das terras, com a política dos kibutzim. Em Belém ou em Jericó, às margens do Lago Tiberíades ou em Samaria (Cisjordânia), conjuntos habitacionais recém-construídos se espalhavam na paisagem árida, onde uma luz rosa se refletia nas pedras das fachadas.

Da primeira ocupação, pela tribo de Abraão, no ano 1950 a.C., até o reconhecimento do estado de Israel pelas Nações Unidas, em 1948, passaram-se quatro milênios, ao longo dos quais aconteceu a diáspora: o povo judeu se dispersou pelo mundo. Ao longo da história, Jerusalém foi sitiada 50 vezes e destruída mais de 10. Até hoje é considerada patrimônio religioso por mais de uma dúzia de cultos.

Em 1987 Jerusalém tinha 500 mil habitantes. Por ser área de divergências, não sediava as embaixadas dos países que reconhecem o estado de Israel. Elas ficam em Telaviv, a 60 km. A velha Jerusalém, com área de um quilômetro quadrado, cercada por alta muralha, abrigava, além do mercado árabe, 30 mil pessoas divididas nos quarteirões árabe, judeu, armênio e cristão, população que convivia – até antes de aparecerem os homens-bomba -, harmonicamente.

Enquanto judeus de todo o mundo atendiam ao apelo e migravam para a Terra Prometida, o Exército de Defesa de Israel se armava com capitais norte-americanos. Brasileiros que viajaram para o país na década de 1980 foram integrar o kibutz Bror Hayil, fundado por judeus egípcios num rincão inóspito entre Telaviv e Jerusalém, vizinho ao deserto do Negev.

Na área de 1.200 metros quadrados, ocupada por plantações de laranjas, limões, algodão e hortigranjeiros, viviam 750 pessoas, no velho regime dos kibutzim russos, onde há divisão das tarefas e todos contribuem no trabalho. Logo os casais brasileiros, que imigraram com os filhos ou que tiveram pequenos sabras (o natural de Israel), descobririam a dura realidade.

O nome sabra vem do fruto do cactus, espinhoso do lado de fora, com um interior doce e saboroso. Os filhos – homens e mulheres, aos 17 anos – entrariam para o Exército e teriam que lutar na guerra. Na volta, depois de três anos de serviço militar, os sabras, com personalidade e identidade formadas, pareciam mais propensos a seguir os prazeres ocidentais que a rigidez do trabalho no kibutz. Pois eles já não sofriam a angústia dos pais, de ter que buscar um lugar para viver. Queriam sair pelo mundo. Muitos pais brasileiros, ao se deparar com a obrigação de ter que enviar os filhos para a guerra, também preferiram voltar ao Brasil.

A realidade é que Israel, a Palestina e o mundo mudaram. A população de Israel se multiplicou mais de 10 vezes desde 1948 e totaliza hoje 7,7 milhões de habitantes. Só Jerusalém tem 732 mil residentes. Com a declaração do presidente Obama de que “o sonho de um Estado judeu e democrático não pode ser realizado com ocupação permanente dos territórios palestinos”, a Autoridade Palestina se fortaleceu para apresentar, na reunião das Nações Unidas em setembro, o seu pleito. Entretanto, a afirmativa pode não passar de pura retórica. Israel é um Estado militarmente potente e a filosofia de ocupação parece ser a realidade de que Netanyahu não abre mão. O discurso de Obama marcou a posição americana a favor de Israel.

(*) Thaís de Mendonça Jorge é jornalista, professora do Departamento de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação, da Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da mesma universidade. Mestra em Ciência Política e Doutora em Comunicação, pela UnB, é pós-doutora em Cibermeios pela Universidade de Navarra, Espanha.

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