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Caso Yoki: a traição, a filha e o estado mental da acusada

Vitor Sampaio (*) | 13/06/2012 08:49

O assassinato do executivo Marcos Matsunaga, da empresa de alimentos Yoki, está movimentando o noticiário policial do país. Assassinatos, infelizmente, já não nos chocam mais quando cometidos nos semáforos das cidades como resultado de assaltos desastrosos ou em decorrência de confrontos policiais.

Por outro lado, nos sentimos ultrajados com a notícia de que uma esposa, uma companheira que deveria amar seu par, planejou, executou e esquartejou seu marido. Este choque aponta para nossas fantasias quanto aos relacionamentos e lança perguntas sobre os motivos do assassinato e sobre a acusada. Gostaria de considerar neste texto três pontos fundamentais de análise: a traição, a filha do casal e o estado mental da acusada.

Acho importante começarmos a considerar o que leva alguém a matar outra pessoa. A diferença entre matar alguém e matar um companheiro, no sentido de que esta última opção nos choca, é que nos parece sempre inconcebível que uma pessoa diga que ama outra e ao mesmo tempo possa planejar e executar o assassinato deste dito “objeto do amor”. Mas este “objeto do amor”, o cônjuge, traiu a acusada. Ela, segundo consta nas reportagens, teria contratado um detetive que confirmou a traição. Mas a traição pode mesmo levar alguém a matar o parceiro?

Com certeza. A traição é uma das experiências humanas mais contraditórias. De um lado temos alguém que amamos, com quem compartilhamos nossa existência, em quem depositamos sonhos e expectativas. De outro lado, temos alguém que parece justamente ter desprezado nosso depósito de amor e expectativas, alguém que não se importar com quem somos, com o que fazemos. No meio está a pessoa que foi traída. Há uma avalanche de sentimentos acontecendo neste momento. A pessoa encontra-se entre o amor e o ódio, entre aquela figura que inspira carinho e aquela que inspira decepção.

É possível perdoar, assim como é possível nunca superar uma traição. Mas quando esta avalanche de sentimentos passa o limite, as consequências são imprevisíveis. Alguém que está no meio deste furacão, entre o amor e o ódio de mesma intensidade, nutridos pela mesma pessoa, pode não aguentar. Pode procurar uma atitude drástica, uma tentativa de fazer com que esta loucura que está vivendo termine. Se deixar tomar pelas emoções é a pior coisa que pode acontecer a alguém que se descobriu traído. E aí, cometer um assassinato pode parecer uma alternativa, assim como tentar o suicídio.

Não estou, com isto, defendo e autenticando estas atitudes, ao contrário. O que estou dizendo é justamente que, a falta de proximidade consigo mesmo, a falta de conhecimento a seu próprio respeito é a abertura de caminho para que os sentimentos confusos tomem conta. E, quando tais sentimentos invadem a pessoa traída, as consequências podem ter o caráter de vida ou morte.

Não posso, obviamente, falar da filha do casal em questão. Aqui, considerarei uma análise que se refere a como seria para os filhos de um casal, cuja mãe, por exemplo, mate o pai. Podemos considerar a mesma avalanche de sentimentos que consideramos assolar a autora do assassinato, nos parágrafos anteriores: o amor e ódio gerados pela traição. A criança ama a mãe, tem carinho pela mãe, mas a mãe foi aquela que tirou o pai da vida da criança. A mãe passou a representar o amor, o compartilhamento da existência e, ao mesmo tempo, o ódio, aquela que tirou da vida do filho outro amor. Há aqui, também, uma traição. Isto coloca em jogo a confiança que a criança tem no mundo, nos outros seres humanos. Como confiar em alguém, como amar, quando este amor pode ser também fonte de dor tão intensa?

Finalmente, para encerrar, quero tratar sobre a pergunta fundamental que muitos estão se fazendo: qual a condição mental de alguém que comete um ato destes? Antes de mais nada, preciso dizer que é impossível atestar qualquer tipo de distúrbio mental sem entrar em contato com a acusada, com seu histórico médico e sem realizar uma análise profunda. O que podemos falar a respeito dela é que certamente algo em seu modo de ser estava para além da possibilidade reflexiva que considera o outro, ou seja, faltou à acusada a perspectiva do sofrimento do outro, da existência do outro, de considerar o outro como parte integrante da morada dos homens: seja por razões de algum transtorno, seja por estresse, seja por qualquer razão.

Esta ação, cometida com planejamento ou não, fosse em decorrência da magoa de uma traição ou por qualquer outro motivo, mostra um obscurecimento do outro enquanto outro. É por isto que um caso assim ainda nos choca: se vemos diariamente seres humanos sendo desconsiderados e assassinados como se nada fossem, ainda nos resta, em nossas fantasias e desejos, a ideia de que, para alguns poucos, para aqueles que amamos ou de quem cuidamos, representamos alguma coisa e não seremos apagados com tanta facilidade. Talvez seja difícil considerarmos a ideia de que a acusada não sofria nenhum transtorno mental, ela apenas mostrou-se em sua capacidade de ignorar o outro e fazer aquilo que ela teve vontade. Isto aponta para nós mesmos e para nossas possibilidades de ignorar os outros ou de sermos ignorados.

(*) Vitor Sampaio é psicólogo, pós-graduado em psicologia clínica e mestrando da linha de Fenomenologia-Existencial.

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