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Direito Penal não resolverá o problema da corrupção

Por Por Euro Bento Maciel Filho (*) | 05/07/2013 06:20

“Não era preciso alterar as penas do crime de corrupção, que já foram muito bem dosadas pelo legislador. Outra medida inútil é defini-lo como crime hediondo. Tal ‘rótulo’ não é garantia alguma de solução para o problema”.

De tempos em tempos, a sociedade escolhe um determinado delito ou assunto inerente ao Direito Penal para servir como “bola da vez”. Já tivemos o crime de extorsão mediante sequestro, o latrocínio, a questão da maioridade penal, tráfico de drogas, tráfico de armas de fogo, embriaguez ao volante, adulteração de remédios e tantos outros. Atualmente, a voz das ruas adotou o crime de corrupção como o nosso grande vilão.

De fato, de tudo o que se viu, foi fácil constatar que, entre as inúmeras reivindicações dos manifestantes, o combate à corrupção era uma das principais bandeiras desse movimento que, recentemente, tomou as ruas e as avenidas do país. Convém mencionar que o delito de corrupção, muito embora não seja praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, é, sem dúvida, um crime de extrema gravidade, já que o dinheiro público que enche os bolsos dos corruptos é justamente aquele que não está sendo aplicado onde deveria, ou seja, em melhorias sociais. O corrupto, em real verdade, é um criminoso extremamente egoísta e perigoso, uma vez que, ao pensar apenas em si próprio, acaba prejudicando um número indeterminado de pessoas.

Quando tal fenômeno ocorre, o Estado, invariavelmente, tenta dar uma resposta aos anseios da sociedade e, para tanto, modifica a legislação penal para ou criar uma nova conduta criminosa, ou agravar a pena de um delito já previsto em nossa legislação. E, como não podia deixar de ser, diante do atual movimento das ruas, o poder público, encurralado pela massa, mais uma vez tratou de apresentar uma resposta de cunho penal, com fundo altamente demagógico (verdadeiro “marketing criminal”).

Com efeito, certamente sem muita reflexão, o Senado Federal acaba de aprovar um projeto que não só aumenta as penas dos crimes de corrupção ativa e passiva (eleva o mínimo legal de dois para quatro anos), como também o define como delito hediondo. Ao que parece, novamente estão tentando transformar o Direito Penal no remédio para todos os males, ou, se preferirem, na salvação da pátria, literalmente. Porém, é bom que se diga que o efetivo combate ao crime de corrupção em nosso país passa muito mais pela solução de graves problemas culturais e éticos – que atingem toda a sociedade – do que pelo mero agravamento das penas.

A nossa legislação penal, ao tratar do crime de corrupção, separa as figuras do corruptor e do corrupto em dois artigos distintos. De um lado, aquele que “oferece ou promete vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” (corruptor) responde pelo crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal). Já o funcionário público que, em razão da função que exerce, “solicita ou recebe (…) vantagem indevida, ou aceita promessa de tal vantagem” (corrupto) tem a sua conduta tipificada no artigo 317, do Código Penal (corrupção passiva).

Entretanto, apesar da separação das condutas do corruptor e do corrupto, certo é que, atualmente, ambos estão sujeitos às mesmas penas: reclusão de dois a 12 anos e multa, sendo certo que ainda há a possibilidade de incidir o aumento de um terço quando o “o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de oficio ou o pratica infringindo dever funcional”. Como se pode perceber, o crime de corrupção – ativa ou passiva, tanto faz – já possui uma punição bem razoável.

À guisa de comparação, crimes bem mais graves, praticados com violência e/ou grave ameaça à pessoa, como o roubo e estupro, possuem penas máximas de dez anos de reclusão, ou seja, sanções inferiores ao máximo previsto para o crime de corrupção.

Dentro desse quadro de ideias, poder-se-ia até afirmar que a pena máxima para o crime de corrupção é alta e a pena mínima é baixa demais. Todavia, essa larga diferença entre o patamar mínimo e o máximo serve, justamente, para que o juiz tenha plena liberdade para individualizar a conduta do agente e valorá-la segundo os princípios que regem a aplicação da pena. Nada está a impedir que a pena do corrupto/corruptor seja dosada próxima ao máximo.

Positivamente, não era preciso alterar as penas do crime de corrupção, eis que já foram muito bem dosadas pelo legislador.

Além disso, outra medida inútil consiste em definir a corrupção como crime hediondo, já que tal “rótulo” não é, comprovadamente, garantia alguma de solução para o problema. Ora, estupro, latrocínio, homicídio qualificado, tráfico de drogas são alguns exemplos de crimes que, embora ostentem o rótulo “hediondo” já há um bom tempo, continuam sendo praticados, dia após dia, sem qualquer temor por parte dos seus agentes.

O fim da corrupção em nosso país não passa pelo aumento das penas ou pelo endurecimento da legislação. Em outros termos, não é a legislação penal que resolverá o problema. O combate à corrupção deve começar pelo próprio governo, que precisa rever diversos conceitos de administração do Estado. O excesso de burocracia, a alta taxa de impostos, os diversos e polpudos privilégios concedidos a alguns agentes públicos, a aplicação endêmica da chamada “Lei de Gerson”, a mania tupiniquim de se tentar obter vantagem a qualquer custo, o inchaço da máquina estatal, entre outras práticas e defeitos comuns aos governos posteriores ao regime militar, é que servem como combustível para fomentar a corrupção.

Seguramente, os milhares de manifestantes que invadiram as ruas e as avenidas do país não protestam apenas pelo fim da corrupção, mas, principalmente, por reformas estruturais no próprio governo que conduzam à efetiva solução do problema. E, dentro desse contexto, não é preciso alterar a legislação penal, mas sim aplicá-la, correta e indistintamente, doa a quem doer.

(*) Euro Bento Maciel Filho é advogado criminalista, mestre em Direto Penal.

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