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Esclerose lateral amiotrófica

Por Heitor Freite | 20/03/2018 17:36

Esclerose lateral amiotrófica é o nome da doença que vitimou o cientista Stephen Hawking, morto na semana passada. Essa doença, também conhecida pela sigla ELA, vai ceifando os movimentos das pessoas que são acometidas por ela, paulatinamente. De origem neurológica, a condição ataca os neurônios do cérebro e da medula espinhal, fazendo com que percam a capacidade de transmitir os impulsos nervosos responsáveis pelos movimentos no corpo.

Ao ser constatada a doença em Hawking aos 21 anos, ele ouviu dos médicos que não 
sobreviveria mais de quatro anos. No caso dele, desde que a doença foi diagnosticada até o seu falecimento, decorreram 55 anos. É um caso raríssimo de sobrevida que se constituiu em um mistério da ciência.

Considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos, comparado a Galileu Galilei, Isaac Newton e Albert Einstein, Hawking impressionou o mundo com sua incrível vontade de viver e de trabalhar. Apesar da deficiência locomotora, escreveu 10 livros, dos quais o primeiro, Uma Breve História do Tempo, vendeu mais de 10 milhões de exemplares em todo o mundo, traduzido para vários idiomas.

Ele tinha uma grande capacidade de comunicação e suas idéias, apesar de complexas, eram transmitidas com um razoável nível de entendimento por parte do público leigo, porque ele tinha a determinação de fazer com que seu trabalho fosse compreendido pelas pessoas de fora do mundo da ciência.

Hawking tinha uma grande curiosidade por tudo. Viajou o mundo todo chegando a participar até da experiência de gravidade zero a bordo de uma aeronave americana de testes para uma estação espacial. Stephen Hawking era um pensador extraordinário. Segundo Brian Greene, astrofísico
americano, um de seus herdeiros intelectuais, “Ele transformou nossa compreensão do espaço e do tempo. Sua visão profunda sobre os buracos negros – mostrando que eles não são completamente negros e absorventes, mas sim que podem retornar a informação que pegam para si – nos mantém ocupados há quarenta anos e continuará a fornecer alimento para o futuro”.
Apesar dos movimentos limitados somente a uma pequena porção da face, escreveu artigos e livros que se constituíram em um poderoso documento que registra o avanço do nosso tempo. Hawking teve uma vida incrível. A sua encarnação é uma das mais eloquentes provas da prevalência do espírito sobre a matéria. Apesar de toda sua limitação motora, ainda se casou duas vezes e teve três filhos.

Hawking mantinha um interesse vivo genuíno por tudo que o cercava. Respondia pessoalmente as correspondências que recebia. Eu sou testemunha disso. Tenho um amigo muito querido, colega do Banco do Brasil da nossa cidade, Antônio Carlos do Valle, que, em 1979 foi acometido da mesma doença do cientista, sendo então aposentado por invalidez aos 37 anos de idade.

Eu visitava o Valle com muita frequência e ficava admirado com sua resignação em relação a uma doença degenerativa que em nenhum momento tirou sua alegria de viver. Estava sempre de bom humor. 

As coisas acontecem às vezes, de forma aparentemente desconexas, mas que na realidade obedecem a um ordenamento superior. Um engenheiro da então Telemat, Augusto César de Arruda Meyer, teve a inspiração de criar um programa de computador, sem saber a quem poderia ser útil e que permitia seu uso por pessoas com deficiência física. Circunstancialmente e não por acaso, a informação chegou até os familiares do Valle.

Bom, e agora? Cadê o computador? Os colegas do Banco do Brasil se cotizaram e compraram um computador para o Valle. Aí foi só juntar as peças e tudo deu certo. Assim como aconteceu com Hawking, meu amigo Valle gradativamente foi perdendo a mobilidade motora. Com a ajuda do programa de computador, acionava o teclado com a ponta de um dedo. Tenho guardadas algumas das mensagens que ele me enviou.

Com o tempo foi também perdendo a voz. Tentava falar por grunhidos. Somente a Neuza, mulher dele, seus filhos e o Ernesto, seu cuidador, entendiam esses sons. Daí o computador passou a ser o seu único meio de comunicação. 

Pai de seis filhos, Valle nos deixou um exemplo muito concreto de dignidade, simplicidade e de resistência. Ele era espírita e portanto tinha uma visão mais ampla da vida que o estimulava a entender e a aceitar a sua condição física, sem lamentações ou reclamações.

Naquela época, o Valle, ao tomar conhecimento que Stephen Hawing também era acometido do mesmo mal, resolveu escrever-lhe uma carta, que foi respondida pelo cientista.

Ernesto Ribeiro dos Santos, cuidador do Valle, me contou que na carta em resposta ao meu amigo, Hawking comentou que na Inglaterra o clima frio era mais propício para a doença, mas aqui no Brasil, com o clima tropical, o desconforto físico deveria ser muito maior.
Agora, um detalhe saboroso: Hawking e o Valle nasceram no mesmo dia, mesmo mês e
mesmo ano: 08 de janeiro de 1942. Coincidência ou destino? O laço que os unia não
parecia ser meramente um acaso. Será?

PS: Não posso deixar de comentar uma curiosidade sobre o Ernesto. Ele cuidou do
Valle até a morte do meu amigo. E eu, que acompanhava sua dedicação, logo depois da
morte, o convidei para trabalhar no meu escritório imobiliário. Ele me disse que não era
corretor de imóveis. Eu respondi que eu sabia que ele também não era enfermeiro, mas soube cuidar do Valle com honestidade, competência e dedicação, qualidades indispensáveis para um corretor de imóveis. Resumo da ópera: Ernesto aceitou o desafio, e hoje, 32 anos depois, é um corretor de imóveis de grande sucesso, trabalhando atualmente em Palmas, no estado de Tocantins.

(*) Heitor Rodrigues Freire é Corretor de imóveis e advogado.

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