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Iconoclastia mal-educada

Por Ronaldo Mota (*) | 15/04/2016 10:18

Em torno do século VII, o termo iconoclasta designava os adeptos do movimento de contestação à veneração de ícones religiosos. De fato, iconoclasta significa literalmente “quebrador de imagem”, derivado do grego eikon (imagem ou ícone) e klastein (quebrar). Contemporaneamente, este termo passou a ser aplicado também a qualquer um que quebre dogmas, convenções ou mesmo que desdenhe das regras estabelecidas.

O neurocientista Gregory Berns, ao final da década passada, lançou o livro O Iconoclasta, cujo conceito é atualizado e passa a ser aplicado também a uma pessoa rebelde que interpreta a realidade de uma maneira não usual e faz aquilo que o senso comum julga impossível ou não aconselhável de ser feito. Neste especial sentido, é permitido se referir como iconoclasta a alguém inovador e que, pela sua provocação e ousadia, gera avanços e questionamentos. Na perspectiva de Berns, enquanto uma pessoa comum percebe o mundo baseado na história passada e naquilo que lhe é relatado, o iconoclasta, antes de tudo, arrisca enxergar o diferente, assumindo os riscos das discordâncias, dos pioneirismos e das visões divergentes sobre temas supostamente bem estabelecidos.

Se, por um lado, podemos chamar a iconoclastia criativa de Berns como positiva, há igualmente a iconoclastia puramente resultante da má educação e da disposição permanente de descumprir regras estabelecidas, caracterizada por não respeitar os demais, por desacatar as normas gerais de convivência social e reflete, de alguma forma, elementos de percepção de superioridade em relação aos outros. Nesta categoria estão comportamentos que refletem nosso passado, ainda tão presente em nosso hábitos e costumes do dia-a-dia, nos quais as rebeldias podem ter um viés puro de egoísmo e de desrespeito ao coletivo. A iconoclastia mal-educada pode ser evidenciada em pequenos delitos, os quais findam por respaldar e dar guarida aos grandes defeitos.

Vejamos um frugal e simples exemplo: aos domingos e feriados, em várias cidades do país, como a que eu vivo, o Rio de Janeiro, a orla tem uma das pistas fechada ao tráfego de automóveis, permitindo aos pedestres e ciclistas desfrutarem de espaço urbano essencial e prazeroso. Funciona assim: há uma pequena pista dedicada exclusivamente aos ciclistas, nas quais se anuncia aos pedestres que a evitem, bem como há uma faixa maior reservada aos pedestres, onde é explicitamente informado a todos que somente crianças com menos de oito anos a utilizem de bicicleta.

Ainda que não faltem avisos, é extremamente comum observar a dificuldade dos ciclistas de conviverem em harmonia com os pedestres. Muitas vezes vemos pessoas caminhando na ciclovia, não raro em duplas, dificultando por completo a mobilidade das bicicletas, bem como observamos muitas bicicletas trafegando perigosamente no meio dos pedestres na faixa, em tese, a eles reservada. Bastaria que as proibições fossem respeitadas e todos, tanto ciclistas como pedestres, aproveitariam bem melhor seus respectivos espaços. Ao contrário, na prática, resultado da má educação, amplificam-se os conflitos e não raros desentendimentos surgem, transformando aquilo que deveria ser prazeroso em disputas e transtornos sem sentido.

Seria aconselhável que um policial ou autoridade municipal tentassem impor as regras, mas as chances de insucesso, infelizmente, seriam altas. Esta iconoclastia mal-educada não tem nenhum vínculo com a iconoclastia criativa de Berns, mas sim está atada ao que existe de pior em nossa cultura e é fruto da descrença nos governantes, estando ancorada nos estímulos às práticas individualistas de usufruir do máximo que puder, mesmo que em detrimento do coletivo. São exemplos triviais, mas que guardam profunda correlação com uma possível transformação, via boa educação, que moldasse para melhor a formação cultural de um povo que soubesse, de forma coletiva e solidária, definir bem seus destinos.

(*) Ronaldo Mota é diretor executivo de Educação a Distância da Estácio.

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