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Impactos da ampliação do licenciamento ambiental municipal

Por Carlos Sanseverino (*) | 08/03/2024 13:30

Embora tenha sido instituído pela Lei 6.938/1981 e tenha importância irrefutável, o licenciamento ambiental continua sendo alvo de controvérsias no Brasil, que ameaçam a balança que equilibra os empreendimentos econômicos e a preservação do meio ambiente para que todos possam usufruir dos benefícios de recursos naturais hoje e no futuro, como assegura o desenvolvimento sustentável, expresso em nosso arcabouço legal.

Enquanto  instrumento fundamental da Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental insere uma série de condicionantes, inclusive sociais, necessárias a regiões carentes de desenvolvimento, no sentido de que o empreendimento gere compensações/contrapartidas pelo ente que faz a concessão (Estado), especialmente no caso de exploração de recursos naturais não renováveis, como a mineração, petróleo e gás.

Dentro das controvérsias que giram em torno do licenciamento ambiental, uma das mais recentes é a revisão da Resolução Sima 01/2018 do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), que ampliou a abrangência de empreendimentos de licenciamento para os municípios, inclusive, os de grande impacto ambiental, como instalação de corredores de ônibus, sem limitação da quantidade de solo movimentado ou hectares de vegetação suprimida, aterro de resíduos de construção civil, supressão de fragmento de vegetação nativa da Mata Atlântica e árvores nativas isoladas, estando ou não em áreas de preservação permanente, parques temáticos com capacidade superior a duas mil pessoas por dia, dentre outros.

A Resolução 01/2018 tem como base o artigo 23 da Constituição, que estabelece a competência comum da União, estados, Distrito Federal e municípios para proteger o meio ambiente e a Lei Complementar Federal 140/2011, que fixa normas relativas ao artigo 23. Em seu artigo 1 ,determina que “compete ao Município, nos termos do Anexo III, o licenciamento ambiental de empreendimentos e de atividades executados em seu território que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida no Anexo I e classificação presente no Anexo II desta deliberação, estas fixadas considerando-se os critérios de porte, potencial poluidor e natureza das atividades ou dos empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental”.

A competência dos municípios para licenciamentos ambientais, portanto, já estava devidamente assegurada e parametrizada para atuar nos empreendimentos de impacto local, conforme a Lei Complementar 140/2011.

No caso dessa competência ser ampliada,  teme-se uma fragilização do licenciamento ambiental, principalmente pela redução de mecanismos de participação social na gestão ambiental. Ao atribuir aos municípios a licença para empreendimentos de grande impacto ambiental, pode-se comprometer o meio ambiente, uma vez que as prefeituras não possuem equipes técnicas  do nível da Cetesb, capazes de medir os efetivos impactos e as respectivas medidas de mitigação e compensação.

Crise climática - Não se pode esquecer que o planeta vive as consequências da crise climática, que vem atingindo toda a população em diferentes graus. A ex-administradora da agência ambiental norte-americana Gina McCarthy foi muito feliz ao comentar que as mudanças climáticas não têm a ver apenas com os ursos polares: “na verdade, tem a ver com questões diretas de saúde pública, como a asma e as crianças, como as doenças cardiovasculares e pulmonares associadas à poluição atmosférica”, disse ela.

As alterações climáticas vêm sendo registradas em todo o mundo, tanto que em 2023 tivemos o ano mais quente da história, segundo a Organização Meteorológica Mundial.

No sudeste brasileiro, registramos ondas severas de calor, tempestades, inundações e deslizamentos, que expuseram a população a fenômenos climáticos extremos, atingindo especialmente pessoas que vivem em áreas de risco, ou seja, as mais vulneráveis.

Na Amazônia, estiagens severas atingiram rios caudalosos, causando adversidades para as comunidades, morte de grande parte da biodiversidade e aumento do desmatamento, que amplia as emissões de gases de efeito estufa e a temperatura da Terra.

A revisão da resolução também traz riscos que confrontam o artigo 23 da Constituição, ao incluir a presença de consórcios de intermunicípios, como a Agência Ambiental do Vale do Paraíba, nos quais o interesse dos municípios maiores em termos econômicos e políticos pode prevalecer sobre os demais, acabando com o equilíbrio de forças que deve viger na área ambiental.

As alterações da Resolução 01/2018 avivam a necessidade de um amplo debate com a sociedade civil diante do risco do aumento de ações civis públicas. Se antes da nova regra, com o balizamento técnico da Cetesb, grande parte dos EIA-Rimas eram judicializados pelo Ministério Público, agora, passando para a alçada das prefeituras, que não dispõem da mesma estrutura, esse grau de questionamentos deve se agravar.

Assim sendo, mesmo que a descentralização seja positiva para dar agilidade aos critérios métricos  de licenciamento ambiental de acordo com tamanho, importância e relevância dos empreendimentos, torna-se fundamental debater com a sociedade civil as alterações em curso.

(*) Carlos Sanseverino é advogado, diretor da Comissão Especial de Direito de Infraestrutura da OAB Federal, presidente da Comissão Permanente de Estudos de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do IASP, mestrando em Direito da Saúde na Unisanta, especialista em Direito Ambiental pelo Centro Universitário da FMU e pós-graduado em Aprendizagem na Educação(FMU), Direito Penal Empresarial (FGV) e Administração de Empresas (Mackenzie).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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