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Internet: do sonho de Osman à revolta no mundo árabe

Por Thaís de Mendonça Jorge (*) | 05/03/2011 09:21

O Google é o culpado pela revolução que depôs Hosni Mubarak no Egito. Celulares, redes sociais, sites da internet organizaram os dissidentes dos regimes autocráticos no Bahrein, Tunísia, Iêmen, Líbia, Jordânia e Argélia. Vazamentos de informações do site WikiLeaks geraram insatisfação na Tunísia. Na praça Tahri, os jovens da resistência recebiam pelo Facebook instruções sobre como enfrentar os tanques do governo. E quando o governo egípcio cortou as comunicações via internet, o Twitter disponibilizou um número de telefone, para que as pessoas pudessem passar mensagens de texto e voz, do celular.

Quanto de verdade há nessas afirmações ou até que ponto a tecnologia foi realmente responsável pela turbulência dos últimos meses é algo que, por enquanto, não é possível avaliar. Os protestos nos países árabes começaram em dezembro de 2010 com a revolta da Tunísia, quando os manifestantes conseguiram expulsar o então presidente Ben Ali para a Arábia Saudita. No Egito, os primeiros movimentos contra o ditador Mubarak começaram a 25 de janeiro de 2011. Kadhafi, na Líbia, é a preocupação do momento.

O chamado mundo árabe, hoje, é constituído por 22 países e 360 milhões de pessoas que falam árabe e se distribuem entre os oceanos: do Atlântico ao Mediterrâneo, atravessando o mar Arábico e o Índico, e ocupando terras do norte da África à Ásia. O sentimento de nacionalismo do mundo árabe fortaleceu-se no Império Otomano, fundado por Osman I no século XVI e uma das principais potências políticas da Europa no passado. Em seu auge, no século XVII, o território otomano se estendia por 5 milhões de km².

A idéia de império, tal como aparece no sonho de Osman, mito original do arabismo, é a de uma grande árvore cujas raízes se espalham por três continentes e cujos ramos vão até o céu. De fato, os turcos otomanos – com uma linhagem de sultões empreendedores – tomaram áreas até Viena (Áustria), Nice (França) e Hungria, conquistando a Moldávia (Rússia) e Bagdá (Iraque), nos anos 1400-1500, e constituindo alianças pelo poder na Holanda e Itália. O bloqueio, pelos árabes, das principais rotas marítimas para o Oriente e o Sul forçou Portugal e Espanha a descobrirem outro caminho para o comércio de seda e especiarias, que teria levado, por sua vez, à descoberta da América Espanhola e Portuguesa, a partir de 1498, e ao descobrimento do Brasil.

Em 1876, um grupo de jovens otomanos conseguiu aprovar uma lei básica para o império, com liberdade de crença e cidadania, regida por uma constituição, mas isso não durou muito. Entretanto, a onda de nacionalismo que varreu o mundo no século XIX foi capaz de promover a independência de muitos países que estavam sob o jugo do império otomano, como Grécia, Romênia, Sérvia e Montenegro (ex-Iugoslávia). A Bulgária também se rebelou nessa época, Egito e Sudão se mantiveram como províncias otomanas até 1914. Outros territórios foram perdidos: a França ocupou Argélia e Tunísia; a Itália tomou a Líbia. O império manteve o lema de “Estado eterno”, conquanto a partir dos anos 1950 e 1970 isso tenha se mantido à força de regimes autocráticos, que chegaram aos dias atuais com um saldo negativo de centralização governamental, crise econômica e desemprego, culminando em insatisfação popular.

Mais uma vez são os jovens que encabeçam a luta contra o sistema. O que eles querem é transparência, democracia, participação, melhores condições de vida e trabalho. Agora, o império é a rede virtual, a grande árvore com tentáculos em todos os continentes e ramificações até o céu. Como complexo monopolista e hegemônico, ela nos dá a impressão de ser ubíqua e eterna. O entorno – móvel e movediço – é o ecossistema de interação onde estamos todos imiscuídos, e mais ainda: onde milhares de pessoas de tenra idade se nutrem, informam-se e se comunicam, mostrando que, à medida que o acesso a tecnologias móveis se massifica e o uso das redes sociais se incrementa, a cidadania descobre novas vias de comunicação e oportunidades de uso.

Porém, não podemos nos esquecer: o preço da liberdade é a vigilância. Dos Estados Unidos, origem de todas as inovações técnicas, vêm os programas censores, que tiram do ar sistemas inteiros, como no Egito e na China, possibilitando a esse último país, por exemplo, estar na vanguarda do controle da informação no mundo.

(*) Thaís de Mendonça Jorge é jornalista, professora do Departamento de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação, da Universidade de Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da mesma universidade. Mestra em Ciência Política e Doutora em Comunicação, pela UnB, é pós-doutora em Cibermeios pela Universidade de Navarra, Espanha.

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