ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SEXTA  19    CAMPO GRANDE 21º

Artigos

Lula está acima da lei?

Por Sérgio Mauro (*) | 11/05/2017 18:03

A julgar pelo comportamento ambíguo e contraditório do ex-presidente Lula, pode-se inferir que ele se considera acima da lei, uma vez que, ao mesmo tempo, afirma estar à disposição da justiça, sempre que necessário, e, em seguida, repete exaustivamente que é vítima de perseguição.

O seu desespero chegou a tal ponto que os recursos, as desculpas e as várias estratégias de defesas alegadas pelo ex-metalúrgico mostram-se à beira do esgotamento final. Há de tudo um pouco nesse teatro montado em torno do ex-presidente, outrora esperança de renovação, mas no presente uma marionete manipulada pelos que querem a todo o custo evitar a derrocada final do PT, o que levaria à extinção o único partido que tencionou, sem conseguir, estabelecer novos parâmetros de governo no Brasil, supostamente pautados pela busca de uma justiça social, mas que subitamente descambou para o populismo, não apenas deixando de combater a corrupção, como também ajudando a institucionalizá-la.

Pelo que se deduz das notícias ligadas ao depoimento prestado ao juiz Sérgio Moro, a estratégia de Lula, devidamente orientado por assessores e advogados, foi a de não bater de frente, evitando cair em “armadilhas” ou em diálogos capciosos, despistando e, quando necessário, atribuindo a culpa a outrem, até mesmo aos mortos (no caso a própria esposa falecida há não muito tempo).

Como “performance” teatral, ele se saiu bem, mas as suas alegações não passam pelo crivo de qualquer análise imparcial , longe do calor partidário que obnubila as vistas, não permitindo enxergar o que a luz do sol insiste em clarear.

Mesmo que todas as acusações feitas contra ele sejam frutos de desesperados que, com a delação premiada, procuram evitar penas mais pesadas ao contarem o que supostamente sabem, está mais do que provado que tanto Lula como Dilma cometeram, no mínimo, o pecado de omissão, isto é, foram governantes que não sabiam o que estavam governando, descumprindo, portanto, os próprios deveres de líderes eleitos pelo voto popular.

Diante da gravidade das denúncias, é pouco crível, porém, que Lula deixou de apurar os esquemas de corrupção ligados à Odebrecht e à Petrobrás, entre outras empresas, porque, inocentemente, agiu de boa fé e confiou cegamente em seus assessores. Se acreditássemos na sua boa fé, não conseguiríamos absolvê-lo da culpa de negligência, a menos que confiássemos literalmente nas palavras do famoso lema populista de outrora (mas ainda vigente): “eu roubo, mas eu faço”. O que foi feito? E mesmo que tivesse sido feito muitíssimo, não justificaria roubar ou deixar que roubem impunemente!

Na verdade, a justiça está evitando chegar até Lula, sob pena de levar à extinção e à humilhação pública o PT e, com ele, inúmeros partidos nanicos, além de uma pequena parte de intelectuais e artistas que ainda insistem em poupá-lo, admitindo pouco a pouco a culpabilidade de tesoureiros, marqueteiros, assessores e ex-ministros ligados ao partido, mas blindando e protegendo de todas as maneiras a áurea de honestidade que ainda paira, na visão deles, sobre Lula.

Insistentemente, a mídia tem lembrado as semelhanças entre o que está acontecendo no Brasil e o que se passou durante a operação “Mani Pulite” (“Mãos Limpas”) na Itália dos anos 90. Vale lembrar, todavia, que Bettino Craxi, o falecido Primeiro-Ministro da época, precisou fugir da Itália para não ser preso e acabou morrendo no exílio. Lá, como cá, foram feitos esforços para evitar que se chegasse a tanto, mas o implacável juiz Di Pietro resistiu às pressões até o fim e chegou a arrancar de Craxi uma quase confissão de culpa, naturalmente durante um interrogatório. Será que chegaremos a tanto?

Também não convence a alegação dos que lembram que depois de “Mani Pulite” a Itália precisou, infelizmente, encarar o populismo midiático de Silvio Berlusconi. O que provocou a ascensão de Berlusconi foram as crises econômicas sucessivas e o aumento da desconfiança popular com relação aos velhos partidos que sempre governaram a Itália no pós-guerra.

A velha Democrazia Cristiana (“Democracia Cristã”) foi definitivamente sepultada depois de “Mani Pulite”, o que não deixou de constituir um fato positivo. Quem sabe, quando a poeira assentar, os velhos partidos populistas brasileiros não sejam também varridos do mapa, dando lugar a outros esperançosos e renovados partidos.

(*) Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara

Nos siga no Google Notícias