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O crédito ao investimento e o controle da inflação

Por Fernando Puga e Marcelo Miterhof (*) | 01/08/2011 06:02

O Brasil teve sucesso em combater os efeitos da crise financeira internacional. Mas após a recuperação rápida e forte observada na economia brasileira, surgiram novos desafios. Em especial, há desde setembro passado uma aceleração da inflação, que, apesar dos sinais de perda de força, ainda é preocupante.

Essa aceleração foi causada originalmente por um choque internacional de preços de commodities, em particular alimentares, e propagada pelo ambiente interno de demanda aquecida, o que se refletiu principalmente na elevação dos preços relativos do setor de serviços.

O governo deu prioridade ao combate à inflação, tomando medidas como corte de

gastos públicos, elevação de juros e contenção do crédito por meio de medidas

macroprudencias. Nesse contexto, o Ministério da Fazenda optou por fazer um novo aporte de recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desta feita de R$ 55 bilhões.

Essa medida tem sido alvo de críticas, por ser considerada conflitante com as demais ações anti-inflação. Isso porque, ao "turbinar" o investimento, via expansão do crédito do BNDES, o governo estaria "alimentando" a inflação.

O investimento tem de fato dois efeitos distintos ao longo do tempo: a curto prazo, eleva a demanda agregada, o que dificultaria o combate à inflação; a longo prazo, expande a capacidade produtiva da economia, o que aumenta a oferta agregada e alivia pressões inflacionárias futuras. Como a política econômica atual deve lidar com esse dilema?

Analistas têm argumentado que a primeira preocupação deve prevalecer, pois a

elevação da inflação para o teto da meta (ou além dele) reduziria a credibilidade do Banco Central, reforçaria a indexação da economia e exigiria doses maiores de juros, no futuro, para obter um mesmo resultado em termos de combate à inflação. Isso reduziria então o crescimento futuro, por comparação com uma política mais dura no presente.

Tal hipótese é teoricamente plausível, ainda que seus reais efeitos sejam difíceis de avaliar. Mais do que isso, é preciso lembrar uma lição de pragmatismo, nos dada originalmente pelo economista Robert Mundell: se há na economia objetivos conflitantes, é cabível usar instrumentos que operam em sentidos opostos, por exemplo, política monetária contracionista e fiscal expansionista ou vice-versa.

O importante é que cada uma das armas mire na direção daquele objetivo para o qual é mais eficiente. Numa economia que enfrentou baixas taxas de inversão desde os anos de 1980, parece pouco sensato que o combate a um repique inflacionário se dê pelo estancamento da trajetória de recuperação dos investimentos.

A importância do investimento é sem dúvida algo bem palpável. Ainda assim, cabe um exemplo. Tome-se o caso dos grandes projetos de geração de energia elétrica, cujo financiamento é feito pelo BNDES, viabilizado em parte pelos aportes do Tesouro. Se alguns desses investimentos forem cancelados, adiados ou tiverem seu ritmo de execução retardado, a escassez de energia, dentro de alguns anos, constituirá um gargalo para o aumento da produção dos demais setores da economia.

A direção do efeito que essa escassez terá sobre os preços pode bem ser imaginada. O mais importante é que as recentes políticas de ampliação e diminuição do custo do crédito ao investimento têm se mostrado potentes para alavancar a formação bruta de capital fixo (FBCF) ao mesmo tempo em que parecem ter um efeito mais moderado sobre a expansão da demanda agregada. Em 2011, o BNDES deverá aumentar sua participação na FBCF para cerca de 15,8% (em 2010, foi de 14,6%).

Esse crescimento ocorre junto com uma moderação de seus desembolsos totais, o que significa que sua atuação tem se reduzido em linhas de capital de giro e afins. De fato, o papel do banco no mercado de crédito, que havia sido fortemente expansionista nos momentos mais agudos da crise, mudou a partir do segundo semestre de 2010. De novembro a maio, o BNDES reduziu em 30% sua contribuição para a taxa de crescimento do estoque total de crédito da economia.

Quanto à demanda agregada, o BC adota uma metodologia para medir o impulso

fiscal, comparando a elevação real da demanda do governo com o aumento real do "PIB potencial" (sem pressionar a inflação) e o crescimento real das receitas líquidas de transferências ao setor privado com a elevação real do PIB efetivo.

Para o setor público como um todo, excluído o BNDES, o impulso fiscal estimado para 2011 é de -0,8% do PIB. No caso do BNDES, esse cálculo envolve seus desembolsos, que em 2011 deverão variar de R$ 145 bilhões a R$ 150 bilhões.

Descontada a variação esperada dos preços de bens de capital, o crescimento real em relação a 2010 (R$ 143,6 bilhões, descontados os R$ 24,8 bilhões da capitalização da Petrobras) deverá variar de -5,6% a -0,1%.

Dessa forma, o efeito dos desembolsos do BNDES sobre o excesso de demanda da

economia em 2011, medido pelo indicador de impulso fiscal, também deverá ser

negativo, algo de -0,40% a -0,16% do PIB (para detalhes desses cálculos, acesse o informe "Visão do Desenvolvimento" em www.bndes.gov.br). Assim, os desembolsos do BNDES terão desempenho mais modesto, contribuindo para o combate à inflação.

Em suma, tendo em conta a potência dos distintos instrumentos para atingir diferentes objetivos, a melhor alternativa de política econômica parece ser uma estratégia por meio da qual se retira o excesso de demanda da economia, mas não de forma linear, e sim mudando sua composição.

Soa mais razoável adotar um conjunto de medidas que contenha os gastos do governo e o consumo das famílias no curto prazo, ao mesmo tempo em que os investimentos são preservados. Se bem dosada, tal combinação de políticas terá o efeito de remover o excedente de gasto, reorientando-o para a FBCF,

de forma a manter o crescimento da capacidade produtiva da economia.

As políticas anti-inflacionárias recentemente adotadas - restrições ao crédito ao consumo e cortes de gastos do governo - não conflitam em princípio com estímulos ao investimento via redução de impostos e manutenção do crédito do longo prazo. Pelo contrário, esse "mix" parece adequado ao objetivo de conciliar o controle da inflação com o menor sacrifício possível do crescimento econômico.

(*) Fernando Puga é mestre em economia pela PUC-RJ e superintendente da área de Pesquisa e Acompanhamento econômico do BNDES e Marcelo Miterhof é mestre em economia pela Unicamp e é economista da área de Planejamento do BNDES.

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