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O cuidado invisível da mãe de filhos adultos

Por Cristiane Lang (*) | 29/07/2025 08:30

Existe um tipo de amor que nunca se aposenta. Um cuidado que não tira férias, mesmo quando a rotina da maternidade já não envolve trocar fraldas, preparar lancheiras ou acompanhar as tarefas escolares. Esse amor é silencioso, constante e, muitas vezes, invisível: é o cuidado da mãe de filhos adultos.

Quando os filhos crescem, muitos imaginam que o papel da mãe se encerra, ou ao menos se suaviza. Que agora, com a autonomia adquirida, ela poderá enfim descansar, pensar mais em si, dormir tranquila. Mas na prática, o coração de mãe continua em estado de vigília. A diferença é que, agora, ela se preocupa à distância, com menos acesso e menos controle sobre a vida dos filhos.

O cuidado que ninguém vê 

Mães de filhos adultos vivem em silêncio uma preocupação diária. Não porque querem controlar a vida dos filhos, mas porque sentem profundamente tudo o que os afeta. Elas pensam se o filho está bem no novo emprego, se a filha está sendo valorizada na relação que escolheu, se estão se alimentando direito, se estão descansando, se estão felizes. E, mesmo sem dizer, elas sentem cada ausência, cada silêncio, cada mudança de tom nas mensagens curtas do WhatsApp.

Não é um cuidado que pede reconhecimento. É um amor discreto, feito de preces diárias, de intuições inexplicáveis, de mensagens simples como “passa aqui qualquer hora”, que escondem um desejo imenso de saber, de acolher, de estar perto. Mesmo quando os filhos já têm seus próprios filhos, responsabilidades e até cabelos brancos, para aquela mãe, eles ainda são “os seus meninos”, “as suas meninas”.

A dor da impotência 

Talvez a fase adulta dos filhos seja, para muitas mães, a mais desafiadora. Quando pequenos, a mãe podia proteger fisicamente, dar bronca, dizer “não vai” e fechar a porta. Agora, ela precisa aceitar as escolhas que não faria, respeitar o silêncio quando tudo o que gostaria era conversar, confiar no tempo do outro quando seu coração gostaria de resolver tudo imediatamente.

Essa nova maternidade é feita de mãos soltas e coração apertado. Porque a mãe vê o filho tropeçar e não pode mais ampará-lo no colo. Vê a filha sofrer e não pode mais correr para resolver. E ainda assim, ela se mantém ali, presente, firme, mesmo quando não é chamada. Mesmo quando ninguém nota.

A culpa disfarçada de zelo 

Muitas mães se cobram por sentir demais. Acham que já deveriam “ter superado”, que precisam “deixar os filhos viverem”, que é hora de pensar em si. E, sim, é importante que as mães tenham seus próprios projetos, sua autonomia emocional e sua liberdade. Mas isso não anula o sentimento legítimo que é a preocupação com quem se ama.

Amor de mãe não tem botão de desligar. O que pode — e deve — existir é um equilíbrio entre o cuidado e a invasão, entre o zelo e a ansiedade. A boa maternidade na vida adulta é aquela que respeita o espaço do outro sem negligenciar o próprio coração.

Quando os filhos entendem

Muitos filhos só vão entender esse cuidado invisível quando se tornam pais. É aí que compreendem o que é acordar no meio da noite com o pensamento no filho, o que é sentir dor na dor do outro, o que é se alegrar apenas porque o outro sorriu.

Mas não é preciso esperar tanto para reconhecer o cuidado das nossas mães. Basta observar com mais empatia: os convites insistentes para almoçar, as ligações fora de hora, os palpites que parecem fora de contexto. Tudo isso, muitas vezes, é expressão de um amor que só quer uma coisa: saber que você está bem.

Um amor que permanece 

O cuidado da mãe de filhos adultos é um exercício diário de amor sem retorno imediato. Ela já não espera aplausos nem obediência. Ela apenas ama. Em silêncio, na ausência, no “tô passando só pra ver se tá tudo certo”.

Por trás de uma mãe que parece exagerada, está uma mulher que já perdeu noites de sono, já enfrentou seus próprios medos para proteger seus filhos e que hoje tenta, como pode, continuar sendo abrigo — mesmo quando a vida já levou seus filhos para longe.

Que possamos olhar com mais ternura para esse cuidado invisível. E, sempre que possível, reconhecer: mãe continua sendo mãe, mesmo quando a gente já acha que cresceu o suficiente para não precisar mais dela.

Spoiler: sempre vamos precisar. E ela sempre vai estar ali. Mesmo que só em pensamento. Mesmo que em silêncio.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.