O mal do século é a solidão: um grito abafado na era da hiperconexão
Podem dizer o que quiserem — que o mal do século é a ansiedade, a depressão, o burnout, a pressa. Tudo isso tem seu lugar, mas talvez a raiz silenciosa de tantas dessas dores seja uma só: a solidão. Não a solidão escolhida, saudável e reflexiva. Mas aquela que nos isola mesmo em meio a multidões, aquela que nos faz gritar para dentro e sorrir para fora. Uma solidão tão paradoxal quanto cruel: estamos cercados de gente e, ao mesmo tempo, absolutamente sós.
Vivemos tempos em que a comunicação é instantânea, mas o afeto é escasso. Basta um clique para mandar uma mensagem, reagir a uma foto, participar de uma conversa. Mas quantas dessas interações realmente nos tocam? Quantas dessas conversas são honestas, profundas, carregadas de escuta verdadeira? Estamos ocupados demais nos mostrando — e distraídos demais para ver o outro.
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Cada um imerso em sua própria arrogância, acreditando que é o centro de um universo que gira em torno de likes, confirmações e aprovações. Estamos, muitas vezes, presos em nós mesmos. Na ânsia por sermos notados, esquecemos de notar. Na expectativa de sermos amados, deixamos de amar. E assim, vamos nos afastando, centímetro por centímetro, até que os laços se tornem fios invisíveis — frágeis demais para sustentar qualquer coisa.
A solidão do nosso tempo não é apenas ausência de companhia. É ausência de presença real. É a sensação de que, mesmo ao lado de alguém, ninguém realmente nos vê. É a dificuldade de sermos inteiros, vulneráveis, disponíveis. A fragilidade emocional é mascarada por postagens bonitas, por discursos prontos, por respostas automáticas. Mas por dentro, muitos estão desmoronando em silêncio.
O problema é que, ao transformarmos tudo em vitrine, acabamos consumindo pessoas como produtos. Queremos companhia, mas não queremos esforço. Queremos conexões, mas não queremos nos despir emocionalmente. Esperamos atenção como quem espera aplausos, mas não a oferecemos de volta. A relação vira disputa, o afeto vira moeda de troca, e o vínculo vira performance.
A consequência disso é uma epidemia de corações endurecidos e relações descartáveis. Pessoas adoecem não só pela ausência do outro, mas pela dificuldade de se conectar consigo mesmas. A solidão cria buracos profundos, que tentamos preencher com consumo, com distração, com trabalho excessivo — mas que só diminuem quando há troca genuína. Quando alguém realmente nos enxerga. Quando somos mais que um avatar na tela.
O mal do século é a solidão, sim. Porque ela nos impede de escutar, de compreender, de compartilhar. Ela nos deixa doentes em silêncio, e nos faz acreditar que vulnerabilidade é fraqueza. Nos afasta uns dos outros e, principalmente, de nós mesmos. A maior contradição da nossa era é que nunca estivemos tão conectados — e nunca estivemos tão sozinhos.
Talvez seja hora de recuar do palco, abandonar a armadura e reaprender a estar com o outro. De olhar nos olhos e perguntar “como você está?” querendo realmente saber a resposta. De admitir que estamos carentes, sim, e que isso não é vergonha nenhuma. Que precisamos de afeto, de toque, de escuta, de vínculos que não dependam de curtidas. De atenção real. E de coragem — para sermos presença, antes de exigirmos presença.
No fim das contas, a solidão não se cura com barulho, mas com verdade. E talvez o primeiro passo seja reconhecer: estamos todos, de algum modo, esperando por um pouco de atenção. Que ela venha, então, acompanhada de empatia. Que ela nos encontre de peito aberto. Porque viver — de verdade — exige conexão. E ninguém floresce no deserto do isolamento.
(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia
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