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O TST e o aeroporto

Por Valdemir Pires (*) | 22/03/2018 13:24

O recente confronto verbal entre dois ministros do Supremo Tribunal Federal foi um episódio revelador de desesperadoras debilidades pessoais e organizacionais/institucionais que, retroalimentando-se, provocam ou amplificam adoecimentos e crises políticas; destroem pessoas, organizações e instituições; podem afundar uma Nação.

Uma rápida salada mista epistemológica e metodológica, academicamente inconcebível, mas útil à argumentação frente ao caso, remete a duas obras que lidam, cada qual no seu campo e a seu modo, com os ingredientes em jogo, no Brasil, desde o início da ladeira (desde meados do primeiro governo Dilma, aproximadamente).

A primeira obra, "Inteligência Emocional", de Daniel Goleman": um best-seller popular, que define essa característica psicológica como a capacidade de interação com o outro, conhecendo e levando em conta as emoções de ambos os lados. A falta ou insuficiência dessa habilidade é típica do indivíduo incapaz de relacionamentos construtivos ou pró-ativos, que termina sendo, em certas circunstâncias, "...uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia", que tem a su mesmo em alta estima e encara os demais como inferiores.

Pessoas assim esculhambam reuniões, obstruem encaminhamentos, empatam o tempo alheio, dificultam decisões, boicotam ações, não aceitam o contraditório, são incapazes de conviver com o diferente, pensam linearmente e a partir de racionalizações fragmentadas, urdidas conforme a conveniência de cada momento -- são, enfim, incoerentes, sem se dar conta, já que seu modo de pensar e sentir não inclui a necessidade de dar satisfação aos outros. Essas pessoas destroem a própria família, círculos de amizade, organizações e instituições, se não forem contidas (ou curadas, na linha de Goleman).

O grande nó é que as organizações e instituições normalmente não dispõe de mecanismos de defesa contra esse tipo de agente, principalmente se ekes ocupam posições superiores e estratégicas, que galgam com relativa facilidade.

Contextos de crise ampliam o contingente desses seres humanos distorcidos, contaminando cada vez mais os espaços de ação e decisão coletivas e a política.

Em tribunais, legislativos e universidades, onde juízes e desembargadores, parlamentares e professores/pesquisadores atuam tendo por principal (quando não única) referência a própria consciência, esses atores provocam estragos profundos, no local de atuação e na saúde psicológica dos que com eles convivem.

Num salto do individual para o coletivo, a outra obra: "Comunidade e Democracia", de Robert Putnam, onde é concebido o conceito de capital social, referindo-se a características qualitativas que permeiam as relações entre os agentes e instituições políticas e econômicas, que aumentam ou diminuem a capacidade de promover o crescimento e o desenvolvimento econômico. Essas características, segundo o autor, têm efeito semelhante ao dos investimentos de capital físico e financeiro: ampliam a produtividade e a geração de riqueza das regiões que as possuem (como o Norte da Itália, ao contrário do Sul, nas pesquisas que deram base às formulações bde Putnam). Valores (republicanos, democráticos etc.), respeito a acordos e pactos, consciência cívica são ingredientes do capital social de uma comunidade, construções históricas, ao longo das quais assume grande importância a confiança entre governantes e governados para uma sociedade com maior performance econômica; na qual menor é o volume de contendas, resolvidas, civilizadamente, com menor esforço.

Juntando Goleman e Putnam, a visão da salada mista nacional, em vias de apodrecimento: Brasil, 2013-2018 - instituições e relações políticas com baixíssimo e declinante capital social (desconfiança nos três poderes, mídias manipuladoras, corrupção escancarada, maracutaias de todo tipo -- o próprio inferno da desconfiança e deslealdade); e indivíduos com inteligência emocional negativa no poder, em espaços públicos e privados, incentivados pela mesma subespécie berrando nas ruas e, agora, espancando e matando os que têm ideias e posicionamentos diferentes.

Difícil não dizer que a saída é o aeroporto. Bem, antes que também esses equipamentos entrem em colapso.

Como lutar contra esse caos desintegrador? Em que medida ele já tomou conta da juventude, lastro para o futuro?

(*) Valdemir Pires, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Unesp.

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