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Porque devemos mudar o ensino jurídico no Brasil

Por Claudio Guimarães (*) | 04/09/2013 16:03

No início deste ano, o Ministério da Educação e Cultura – MEC, juntamente com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, firmaram um convênio para promoverem um amplo debate sobre o ensino jurídico no Brasil, anunciando que as diretrizes dos Cursos de Direito seriam alteradas. No Mato Grosso do Sul, a OAB através de sua Comissão Permanente de Ensino Jurídico, em agosto, promoveu uma audiência pública para debater vários pontos, juntamente com Instituições de Ensino Superior - IES, professores, coordenadores de curso e acadêmicos, através de seus diretórios.

As diretrizes curriculares dos Cursos de Graduação em Direito no Brasil basicamente encontram-se reguladas pela Resolução n.º 9 do Conselho Nacional de Educação, de 29 de setembro de 2004. Lá se instituem as diretrizes que deverão ser observadas pelas IES que fornecem o Curso de Bacharelado em Direito, em sua organização curricular, dentre elas: o seu projeto pedagógico que deverá abranger o perfil do formando, suas competências e habilidades; os três eixos interligados de formação de um Curso de Direito (fundamental, profissional e prático); o estágio curricular supervisionado; as atividades complementares; o sistema de avaliação; o trabalho de conclusão obrigatório; a duração do curso, dentre outras providências.

Com relação aos três eixos de formação, é na Resolução n.º 9 que encontramos as matérias que possuem como missão estabelecer as relações do Direito com outras áreas do saber, envolvendo conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciências Políticas, Economia, Ética, Filosofia e outras (eixo fundamental); as matérias necessárias à formação profissional, dentro do contexto da evolução da Ciência do Direito e sua aplicação diante das mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil bem como suas relações internacionais (eixo profissional); e as matérias ligadas à formação prática, que devem integrar os conhecimentos teóricos dos dois eixos anteriores com a prática, fazendo parte deste eixo o estágio curricular, o trabalho de curso e as atividades complementares (eixo prático).

Mas talvez a parte mais importante da Resolução, seja o seu art. 3º, que dispõe: “O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania”.

O art. 3º traz um comando em seu texto quando afirma: “o curso de graduação em Direito deverá assegurar” e a resposta para este comando, ou seja, se atualmente tudo o que está no art. 3º está sendo assegurado ou não é que nos mostra se devemos repensar o ensino jurídico e a resposta me parece positiva: temos que repensar este ensino urgentemente.

A começar pela duração dos cursos, que hoje é de no mínimo cinco anos. O fato de existir este limite mínimo – o que autorizaria cursos com prazo mais longo – deve ter a sua imposição aumentada, pois dificilmente alguma instituição forneceria um curso maior com suas concorrentes fornecendo um curso dentro do mínimo legal. Quem exerce a docência sabe muito bem que estes cinco anos são insuficientes para interligar os três eixos de formação e ainda assegurar ao formando uma sólida formação, como prescrita acima no art. 3º da Resolução. Ademais, a Ciência do Direito vive em constante mutação, devendo se adequar as novas realidades políticas, sociais, econômicas e culturais.

Assim, surge a necessidade de se contemplar novas matérias, novas temáticas que assegurem ao aluno uma formação atualizada dentro do contexto em que vive. Outro aspecto importante é o atendimento pelo Projeto Pedagógico, do estudo de questões contextualizadas em relação às suas inserções institucionais, políticas, geográficas e sociais. Daí porque, por exemplo, em Mato Grosso do Sul, é importante termos matérias ligadas ao agronegócio, direito agrário e questões indígenas, sendo aprendidas e debatidas em sala de aula.

Outra questão que se propõe o debate é saber qual o perfil que esperamos de um acadêmico de direito. O que estamos formando: indivíduos preparados para operacionalizar a Ciência do Direito em suas mais variadas nuances; ou tecnocratas simples cumpridores de leis? O Curso de Direito hoje possibilita a sólida formação almejada pela Resolução n.º 9 ou transformou-se em um “curso técnico” voltado para as carreiras jurídicas? O direito como está sendo posto serve apenas de blindagem para a defesa do patrimônio de alguns ou pensa todos os seus destinatários, em um país com imensa desigualdade social? Estamos aprendendo nos Cursos de Direito um conjunto de normas que realmente são eficazes ou somente possuem uma coerência formal e é isto que basta? O princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à moradia, a saúde, a segurança dentre outros, são apenas assegurados por belas normas no papel ou encontram plena garantia no dia a dia dos brasileiros?

Questão também importante e debatida se deve aos professores de direito. Com sua alta rotatividade e com uma remuneração baixa, sem plano de carreira e sem formação docente permanente é essencial que os critérios do MEC sejam rigorosos com relação a este ponto, pois muitas instituições contratam professores titulados antes das avaliações de curso e os dispensam em seguida. Universidades se gabam de possuírem em seus quadros profissionais titulados, mas sequer incentivam tal formação através de bolsas de estudo.

Esses são alguns dos pontos debatidos pela OAB e pelo MEC dentre outros tantos. Como se percebe, uma mudança deve ser feita com urgência no Ensino Jurídico brasileiro. Vale lembrar que as faculdades não formam advogados. Elas formam bacharéis, que devem estar aptos a ocupar as mais variadas carreiras jurídicas do país, que passam pelos três Poderes da República. Advogados, Juízes, Promotores, Defensores, Procuradores, todos eles passaram pelos bancos dos Cursos de Direito e se queremos mudar o perfil desses profissionais, se este perfil não é o almejado tampouco suficiente para a sociedade brasileira, então o ensino jurídico deve ser transformado, num verdadeiro formador de um profissional com sólida formação geral, humanística e axiológica.

Este profissional deverá ter capacidade de análise, domínio de conceitos, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais.

Deverá ter uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, tudo indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.

Só assim teremos a certeza de que estaremos formando verdadeiros Cientistas do Direito e não meros aplicadores de leis.

(*) Claudio Guimarães, advogado, professor universitário, Conselheiro Estadual suplente da OAB/MS e Presidente da Comissão Permanente de Ensino Jurídico da OAB/MS.

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