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Refletindo sobre o letramento no Brasil

Por Stella Maris Bortoni-Ricardo (*) | 17/09/2012 19:00

No dia 8 de setembro, comemorou-se o Dia Internacional da Alfabetização. Existem mais línguas ágrafas que línguas com sistema de escrita no mundo. Nessas últimas, a escrita e sua contraparte, a leitura, provocaram grandes mudanças sociais. Tais mudanças sociais, provocadas pela cultura escrita, recebem o nome de Letramento.

A data é uma boa oportunidade para refletirmos sobre o Letramento no Brasil. Nosso País sofre, desde o seu surgimento no concerto das nações, com o problema do analfabetismo extensivo. Dois aspectos da questão me chamam especialmente a atenção. O primeiro é histórico; o segundo se refere ao desempenho das escolas em nosso País contemporaneamente.

A população brasileira nunca foi majoritariamente alfabetizada. Em meados do século XX, em 1940, a percentagem de analfabetos , considerando os indivíduos de 15 anos ou mais, ainda era de 56 %. Em 1990 era de 19%. Naturalmente que, em números absolutos, o quantitativo de analfabetos vem crescendo, acompanhando o crescimento da população geral.

A publicidade governamental há mais de uma década nos informa que mais de 90% das crianças em idade escolar estão matriculadas em escolas. No entanto esse dado não inclui as crianças de menos de seis anos. Também há que se levar em conta as desigualdades regionais. Segundo dados do IDEB, Maceió, por exemplo, tem 52 mil crianças de 0 a 5 anos fora da escola. Com 2,3 pontos nos anos finais do ensino fundamental, Maceió é a capital com o pior desempenho do Índice de Desenvolvimento da Educação.

Mas a história não se encerra com os dados quantitativos. O principal problema hoje em dia é de natureza qualitativa. Nossa escola, de modo geral, não vem atingindo os seus objetivos de alfabetizar bem e letrar as crianças e os jovens.

Entre 2001 e 2011, o domínio pleno da leitura caiu de 22% para 15% entre os que concluíram o Ensino fundamental II ( do quinto ao nono ano) , e de 49% para 35% entre os que fizeram o Ensino médio. Com Ensino superior, 38% não chegam ao nível pleno (www..ipm.org.br). De fato o número de analfabetos funcionais, ou seja, os que não apresentam esse nível pleno de leitura, equivale à população de dois Chiles.

A Prova ABC, aplicada nas escolas das capitais, em 2011, foi a primeira avaliação externa da Alfabetização das crianças de 8 anos, conduzida no Brasil. Realizada pelo movimento Todos Pela Educação, pelo Instituto Paulo Montenegro/Ibope, pela Fundação Cesgranrio e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – mostrou que somente pouco mais de metade das crianças avaliadas apresentou aprendizado adequado em leitura e escrita no final do terceiro ano do Ensino fundamental, e essa proporção cai para pouco mais de 40% em Matemática.

Outros sistemas de avaliação de larga escala, voltados para a aferição da aprendizagem de estudantes de mais idade, como a Prova Brasil e o ENEM, também mostram que nossos alunos têm domínio precário das habilidades de leitura e escrita e do uso das operações básicas de Matemática.

Diante dessa falência dos sistemas escolares, pode-se afirmar, em conclusão, que é crucial que os cursos de formação de professores abram espaço curricular para uma Pedagogia da Leitura e da Escrita. Nossa escola está equivocada ao acreditar que a alfabetização se conclui com a aquisição do princípio alfabético , terminada a aprendizagem da decodificação ; da associação entre cadeias sonoras e notações gráficas.

A alfabetização tem época para começar, mas não tem época para acabar. Ao longo de todo o ensino básico é indispensável que os alunos brasileiros desenvolvam habilidades de leitura, principalmente as relacionadas à metacognição, que são aquelas habilidades relativas à consciência do próprio esforço cognitivo que os leitores empreendem, quando estão realizando uma leitura.

Após o período de alfabetização, propriamente, é comum que a escola sinta-se desobrigada a proceder ao trabalho pedagógico com a leitura. Entende-se que, se o aluno já lê fluentemente, já completou seu treinamento como leitor. Pelo contrário, ao atingir a leitura fluente, nossos alunos deverão começar um programa de leitura, no qual terão a oportunidade de conhecer diversos gêneros textuais, perceber sua estrutura e tomar consciência de seu diálogo com o texto na condição de leitores.

Considerando que o Brasil tem o sexto Produto Interno Bruto – PIB – do mundo é lamentável constatarmos que nossos índices de escolaridade estejam entre os piores. Só com a Constituição de 1988, o ensino fundamental tornou-se compulsório. O processo de alfabetização da população tem sido lento e desafiado programas como o Mobral, Alfabetização Solidária e o atual Brasil Alfabetizado, conduzidos pelo Governo Federal nas últimas décadas.

Com 13,9 milhões de jovens, adultos e idosos que não sabem ler nem escrever – ou 9,6% da população de 15 anos ou mais, segundo o Censo 2010 –, o Brasil terá de dobrar o ritmo de queda do analfabetismo para cumprir a meta assumida perante a ONU de chegar à taxa de 6,7% em 2015.

Essa meta é, sem dúvida, a mais importante que temos a atingir e deve ser um compromisso de toda a sociedade, não somente dos governos e órgãos públicos nas esferas, federal, estadual e municipal. Temos de nos convencer, sem sobra de dúvida, que atingir essa meta é mais relevante para o País que ganhar a Copa do Mundo em 2014.

(*) Stella Maris Bortoni de Figueiredo Ricardo é professora titular de Lingüística aposentada da UnB. Atualmente atua como docente e pesquisadora e como orientadora do Doutorado em Lingüística, na Faculdade de Educação da mesma universidade. Tem graduação em Letras Português e Inglês, tendo cursado o primeiro ano no Lake Erie College, em Ohio, US; mestrado em Lingüística pela Universidade de Brasília e doutorado em Lingüística pela Universidade de Lancaster, Inglaterra. Atua principalmente nos temas: formação de professores, educação em língua materna, letramento, alfabetização e etnografia de sala de aula.

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