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Relações modernas e o paradoxo das escolhas

Por Cristiane Lang (*) | 27/05/2025 13:30

Nas últimas décadas, as dinâmicas dos relacionamentos amorosos passaram por transformações profundas. A digitalização das interações, o crescente individualismo e o acesso facilitado a potenciais parceiros por meio de aplicativos de paquera redesenharam o mapa afetivo contemporâneo. Nesse cenário, emerge o paradoxo da escolha: quanto mais opções temos, mais difícil pode se tornar tomar uma decisão satisfatória. Este artigo explora como esse paradoxo impacta as relações modernas, quais são suas raízes psicológicas e como podemos desenvolver estratégias para cultivar vínculos autênticos e duradouros.

O cenário das relações modernas

1. Aplicativos de encontro e redes sociais

○ Plataformas como Tinder, Bumble e Hinge aproximam milhões de pessoas diariamente, mas também alimentam a sensação de “sempre poder haver alguém melhor à próxima deslizada”.

○ As redes sociais intensificam a comparação: histórias de casais felizes e momentos românticos expostos publicamente geram expectativas irreais.

2. Cultura do consumo aplicada às relações:

○ Assim como escolhemos produtos em catálogos infinitos, abordamos relacionamentos como mercadorias: avaliamos perfis, descartamos o que não “combina” e seguimos em busca de algo “perfeito”.

○ A promessa de um “match” ideal ilude ao sugerir que a partir de escolhas ilimitadas sempre encontraremos a opção ótima.

3. Individualismo e autonomia:

○ A valorização da independência pessoal é crucial, mas pode conflitar com o compromisso profundo que a intimidade exige.

○ Medo de perder liberdade e de “ficar preso” inibe a entrega emocional.

O paradoxo da escolha: fundamentos teóricos

O termo “paradoxo da escolha” foi popularizado pelo psicólogo Barry Schwartz em seu livro The Paradox of Choice (2004). A ideia central é que, ao contrário do senso comum, mais opções nem sempre levam a maior satisfação; podem gerar:

● Sobrecarga decisória: esforço mental maior para comparar alternativas.

● Ansiedade antecipatória: medo de fazer a escolha errada.

● Remorso do comprador (buyer’s regret): arrependimento após uma decisão.

● Efeito de oportunidade perdida: foco no que deixamos de escolher.

Aplicado ao amor, o paradoxo reforça a crença de que, onde há muitas alternativas, nenhuma será suficiente, pois a comparação constante convida ao “e se…”.

Como o paradoxo da escolha se manifesta nas relações amorosas:

1. Dificuldade em se comprometer:

○ A crença de que há sempre alguém “melhor” disponível dificulta o salto para o comprometimento.

2. Relacionamentos superficiais:

○ Conversas rasas e encontros esporádicos (o chamado “fast dating”) substituem processos de conhecimento profundo.

3. Inconstância afetiva:

○ Pessoas tendem a investir menos tempo e energia emocional em cada conexão, pois mantêm a expectativa de “trocar de parceiro” se algo não for perfeito.

4. Medo da escolha definitiva:

○ O compromisso é visto como uma escolha “irreversível”, gerando angústia.

Impactos psicológicos e emocionais:

● Ansiedade e estresse: pesquisadores indicam que muitas opções amplificam a ansiedade (Schwartz, 2004).

● Baixa autoestima: a comparação constante pode diminuir o senso de valor pessoal ao ver sempre alguém “mais atraente” ou “mais bem-sucedido”.

● Solitário em multidão: ironia de estar conectado a centenas de perfis, mas sentir-se sem apoio emocional genuíno.

Barreiras à tomada de decisão e ao compromisso

1. Perfeccionismo afetivo

○ Esperar que o parceiro satisfaça todas as nossas necessidades e expectativas.

2. Falta de autoconhecimento

○ Sem clareza sobre valores e objetivos pessoais, torna-se difícil identificar um parceiro que realmente combine.

3. Comparação social intensiva

○ A exposição a relacionamentos idealizados nas redes alimenta frustração com a realidade imperfeita.

4. Medo de perder oportunidades

○ “E se eu me comprometer e depois encontrar alguém melhor?” impede a entrega plena.

Estratégias para lidar com o paradoxo da escolha

1. Definir critérios essenciais

○ Em vez de dezenas de requisitos “desejáveis”, liste de 3 a 5 valores fundamentais (ex.: respeito, empatia, sonhos de vida semelhantes).

2. Limitar opções

○ Nos aplicativos, reduza volume de swipes ou dedique-se a poucos perfis de cada vez, avaliando-os com mais profundidade.

3. Prática da gratidão relacional

○ Concentre-se nas qualidades positivas do parceiro, reconhecendo e valorizando o que já existe.

4. Desapego ao “melhor cenário”

○ Aceitar que todo relacionamento terá desafios; o crescimento muitas vezes surge deles.

5. Autoconhecimento contínuo

○ Terapia, coaching ou práticas de reflexão (diário, meditação) ajudam a entender o que realmente importa para você.

6. Compromisso consciente

○ Estabelecer acordos de namoro ou convivência que reforcem a disposição para investir na relação, mesmo diante de imperfeições.

O valor da profundidade das conexões

Enquanto o paradoxo da escolha estimula a busca pelo “melhor parceiro possível”, a experiência humana demonstra que profundidade e intimidade resultam de:

● Vulnerabilidade mútua: compartilhar medos, sonhos e imperfeições fortalece o vínculo.

● História compartilhada: lembranças coletivas constroem um “nós” singular, impossível de replicar.

● Esforço recíproco: relacionamentos duradouros exigem ajustes, diálogos e vontade de crescer juntos.

Ao focar menos nas opções e mais na essência do encontro, transformamos a relação em um espaço de segurança emocional e desenvolvimento mútuo.

O paradoxo da escolha revela que, em meio a infinitas possibilidades, a verdadeira liberdade não está em colecionar opções, mas em escolher com propósito. Nas relações modernas, é essencial:

● Cultivar o autoconhecimento para nortear decisões afetivas.

● Reconhecer os perigos da comparação constante.

● Investir na profundidade das conexões, abraçando imperfeições.

● Desenvolver um compromisso consciente, pautado em valores compartilhados.

Mais do que multiplicar encontros, a qualidade emocional de cada relação — e a disposição de trabalhar suas imperfeições — determinará a satisfação e a felicidade a longo prazo. A sabedoria está em escolher bem, mas sobretudo em valorizar e nutrir o que escolhemos.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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