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Um “establishment” universitário na UFGD

Por Jorge Eremites de Oliveira (*) | 19/10/2012 08:13

Desde sua implantação, em 2006, até os dias de hoje, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) tem estado sob o domínio de um “establishment” universitário, isto é, de um grupo sociopolítico que, empoderado legalmente, mantém forte controle, influência e autoridade sobre os rumos da instituição e a vida das pessoas na academia. Ali existe a tentativa de implantação de um projeto político hegemônico, apresentado como sofisma de democracia, com nítida vinculação político-partidária, comprometendo o futuro da instituição e seu papel estratégico para a região onde está inserida.

 Esse “establishment” é encabeçado por um líder legal, de espírito político provinciano, cuja liderança é desprovida de grande carisma e tradicionalidade, apesar dos esforços midiáticos para reverter a situação. O grupo usa de vários mecanismos burocráticos e legais para manter-se no poder: 1) assoberba servidores com mais e mais trabalhos ligados ao funcionamento de uma instituição administrativamente pesada, ao invés de torná-la mais leve para favorecer as atividades fins de ensino, pesquisa e extensão; 2) promove o patrulhamento ideológico contra vozes discordantes, não raramente rotuladas de reacionárias, conservadoras, oposicionistas e de direita; 3) cerceia o pensamento crítico quanto às suas ações político-administrativas, imprescindível para o desenvolvimento institucional e a democracia interna; 4) faz acordos para beneficiar aliados políticos, inclusive pessoas oportunistas e carreiristas, criando uma espécie de hipossuficiência política aos não aliados; 5) promove a cooptação de associações e sindicatos de trabalhadores e entidades estudantis, sobretudo de certos dirigentes; 6) exalta a instituição como “a melhor universidade de Mato Grosso do Sul”, denotando ausência de humildade e contradição em relação a dados publicados sobre a graduação e pós-graduação no país; 7) apoia candidato próprio a pleitos eleitorais no município, prova que seu projeto de hegemonia é extramurros; etc. Isso tudo atesta, portanto, que o “establishment” pratica violência social e política para atingir seus propósitos, observada em relações sociais assimétricas que impedem o reconhecimento das vozes discordantes como sujeitos.

Por isso, o que no passado foi um sonho, no presente se apresenta como pesadelo para quem defende na academia o pluralismo de ideias, a liberdade de pensamento, a educação libertária e apartidária, o desenvolvimento científico e tecnológico e o planejamento estratégico. Em um ambiente assim, geralmente quando alguém apresenta uma proposta ao conselho diretor em determinadas faculdades, sua ideia não é apreciada pelo mérito que possa ter, mas pelo fato de sua autoria estar ou não ao lado do referido “establishment”. Não é por menos que, diante desta situação, muitos professores-pesquisadores e até mesmo alguns técnicos administrativos pediram demissão da UFGD ou solicitaram redistribuição para outras universidades. Outros ainda o farão assim que tiverem oportunidade, inclusive pessoas há muito estabelecidas no estado, com vínculos de parentesco e sentimento de pertencimento à região. Questões dessa natureza não são devidamente discutidas nas instâncias de deliberação da universidade, sob o argumento simplista de que tudo não passaria de mera mobilidade de servidores públicos diante do crescimento do ensino superior no país.

Frente a este contexto sociopolítico, de difícil mudança no curto prazo, há fatos de maior visibilidade na sociedade nacional que possibilitam compreender a situação. O julgamento pelo STF do “Mensalão”, por exemplo, é interessante para compreender a prática de certos grupos que ascenderam ao poder central a partir da década de 2000. A condenação pelo crime de corrupção ativa de José Dirceu e José Genoíno, dois ícones do PT, chama à atenção para algo que Hélio Bicudo, Fernando Gabeira e outros já haviam percebido. Refiro-me ao fato de muitos militantes de esquerda terem pegado em armas para enfrentar a ditadura militar (1964-1985) em nome não apenas da democracia e da liberdade. Eles defendiam algo maior, a implantação de uma ditadura de esquerda de viés totalitário. Guardadas as devidas proporções, é esta mesma busca pelo poder e hegemonia política que aconteceu no governo Lula (2003-2010) e é isso o que acontece na UFGD sob o domínio de um “establishment” associado a setores do PT. Para mudar esta situação será preciso desalienação política e indignação em relação ao estado de coisas, autonomia de pensamento, superação do individualismo acadêmico, capacidade de organização e mobilização, publicização de avaliações críticas e disposição para disputar o poder na forma da lei. Isso deve ser feito com vistas à construção de um projeto autenticamente republicano, democrático, apartidário e estratégico de “universitas”, superando o enclave político-administrativo criado e representado pelo referido “establishment”.

(*)Jorge Eremites de Oliveira é doutor em História/Arqueologia pela PUCRS e professor de Antropologia Faculdade de Ciências Humanas da UFGD. Email: eremites.br@gmail.com.

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