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Violência constitucional das demarcações indígenas - 29 de Agosto de 2012

Por José Goulart Quirino (*) | 29/08/2012 09:57

Por primeiro, impõe-se elucidar que transformar a questão das demarcações em polêmica político-partidária ou corporativista-classista, sem adoção de medidas técnico-jurídicas pertinentes, nada acrescenta a um procedimento de operacionalidade questionável sob a ética jurídico-constitucional e até mesmo à luz da legitimidade ético-constitucional. No plano doutrinário (teórico), é pacífico que a sociedade humana pode receber transformações quase revolucionárias em razão das novas formas de propriedade e do progresso tecnológico (por exemplo, rede mundial de computadores e internet).

Daí, é certo, a necessidade de democratizar o capitalismo, através de uma economia de mercado socialmente regulado (planejamento indicativo) e, do respeito à função social da propriedade. Por isso, o Estado deve desenvolver mecanismos garantidores do direito de propriedade, direito fundamental da pessoal humano enquanto decorrência dos direitos à vida e a de liberdade – também direitos humanos fundamentais assegurados pela Constituição.

A abolição aleatória e arbitrária da propriedade privada representa evidente desrespeito ao Estado Social Democrático de Direito. Exige-se, assim, antes de tudo que a atuação do Estado seja pautada pela ética da responsabilidade (moralidade) traduzida na necessidade de que toda e qualquer iniciativa estatal há de visar fins voltados aos interesses da coletividade e com a utilização de meios também idôneos e juridicamente plausíveis. Caso contrário, antes mesmo de cair na vala da invalidade jurídica, o ato de governo resulta afetado pela carência – ética da responsabilidade.

Sem dúvida, o caso das demarcações de terras privada – para usufruto indígena – ameaçam a integridade e autonomia de Mato Grosso do Sul. Não bastassem duas vertentes jurídicas hão de ser consideradas em desfavor dessas “expropriações” atentatórias do direito de propriedade dos ruralistas vitimados pela decisão do governo federal: A primeira, resulta do fato de que as atuais normas e diretrizes das demarcações estão contidas em dispositivo constitucional relacionados com a ordem social (art. 231 da CF), portanto, fora do âmbito de proteção de proteção dos direitos e garantias individuais.

Em outras palavras, pode-se dizer que esta previsão constitucional tem caráter meramente programático, indicativo de atuação a ser desenvolvida na forma da legislação ordinária – extraconstitucional. Tanto assim, que nas disposições transitórias da Carta Magna de 1988 (art. 67), foi estabelecido prazo de 5 (cinco) anos para efetivação das demarcações que se fizessem necessárias. No sistema jurídico-nacional a lei que trata do assunto é a lei n.º6.011/73 (Estatuto do Índio) que não foi adequada as normas e princípios da constituição em vigor. Há, portanto, verdadeiro “buraco negro” normativo a impedir demarcações afrontadoras ou incompatíveis com o exercício do direito de propriedade dos ruralistas atingidos.

O “velho” Estatuto do Índio, se não for compatibilizado com o modelo constitucional democrático da Carta de 1988, pode até receber o mesmo tratamento jurisdicional (judiciário) dado a “Lei de Imprensa” emanada do regime autoritário (lei n.º 5.250/67) que, recentemente, foi “revogada” pelo Supremo Tribunal Federal – STF – à partir de voto brilhante e irrespondível exarado pelo Min. Carlos Ayres Brito.

Assim sendo, enquanto não sobrevier a regulamentação legislativa da norma, porta no art. 231 da CF, deve ser considerada inconstitucional todo e qualquer ato de identificação, de demarcação de terras particulares em favor da União Federal para usufruto indígena. Em Mato Grosso do Sul, o fiasco demarcatório é agravado pela circunstância de varias áreas identificadas estarem insertas na faixa de fronteira (150km de largura ao longo de fronteira terrestre), fundamentais para a defesa do território nacional.

Daí porque, também é possível sustentar que as decisões autorizadoras das demarcações Ianomani, Raposa do Sol, sobre não poderem ser tomadas como precedentes válidos e eficazes à luz do sistema constitucional, materializam grave violações de direitos humanos – passiveis de denuncia junto a OEA, nos termos do Pacto San Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, e cujo tratado foi ratificado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, pelo Dec. 678. Só a Corte de Justiça dessa organização pode corrigir o equivoco do STF nos dois casos referidos.

Assim, enquanto não regulamentado o art. 231 da Constituição, toda e qualquer medida de apreensão de terras particulares pela União, para demarcação indígena, constituirá desapropriação indireta – com aroma de confisco e esbulho possessório – passível de indenização bastante a tornar indenes aos proprietários vitimados pela violência do Estado, sem prejuízo do uso de interditos possessório. É de esclarecer que a ordem jurídico-processual oferece ferramentas idôneas para coartar o abuso de poder contido nos atos visantes à efetivação de demarcações expedidas pela FUNAI e Ministério da Justiça. O direito não socorre aos que dormem!

(*)José Goulart Quirino é advogado e jurista paulista. Especialista e professor em Direito Constitucional.

E-mail: quilrinolex@hotmail.com

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