ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
NOVEMBRO, SEGUNDA  03    CAMPO GRANDE 26º

Cidades

Justiça de MS enfrenta avalanche de pedidos de indenização por valores mínimos

Desembargador defende que muitos conflitos de consumo poderiam ser resolvidos sem interferência judicial

Por Maristela Brunetto | 03/11/2025 12:33
Justiça de MS enfrenta avalanche de pedidos de indenização por valores mínimos
Sede do Fórum em Campo Grande: relações de consumo e cobranças indevidas resultam em pedidos de dano moral (Foto: Henrique Kawaminami)

Um pedido de indenização de R$ 15 mil por causa de duas tarifas de R$ 2,29 cobradas por um banco foi o estopim para um alerta sobre o mau uso do Judiciário. O caso, apresentado à Justiça em Fátima do Sul, é um exemplo da banalização de pedidos de reconhecimento de dano moral.

RESUMO

Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!

A falta de regulação efetiva e fiscalização rigorosa por parte das agências reguladoras tem contribuído para o aumento expressivo de ações judiciais por dano moral em Mato Grosso do Sul. O desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva destaca que muitas dessas demandas poderiam ser resolvidas administrativamente, sem necessidade de processo judicial. A situação é agravada pela facilidade de produção de petições em série por meio digital, resultando em demandas repetitivas. O magistrado defende maior rigor das agências reguladoras no controle das concessionárias e ressalta a importância de avaliar a proporcionalidade entre o valor das causas e o custo para a máquina pública.

O desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva, do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), afirma que ninguém é impedido de buscar seus direitos, mas defende que muitos conflitos de consumo poderiam ser resolvidos por meios administrativos, sem envolver a Justiça. Para ele, a falta de atuação firme das agências reguladoras, responsáveis por fiscalizar serviços como água, energia, transporte e telefonia, e o enfraquecimento do atendimento direto em bancos e financeiras fazem com que pequenas discussões acabem virando processos.

Integrante da 4ª Câmara Cível e ex-corregedor do TJMS, Barbosa Silva lembra que o tribunal descobriu, anos atrás, um grupo de advogados que movia ações em massa contra bancos, questionando contratos, descontos e pedindo indenizações por danos morais. A reportagem do Campo Grande News acompanhou o caso, que foi classificado como demanda predatória e transformado em processo criminal, que começou em Campo Grande e encaminhado para a Justiça em Iguatemi, uma das cidades onde o grupo atuava.

Justiça de MS enfrenta avalanche de pedidos de indenização por valores mínimos
Para desembargador, regulação mais rigorosa e soluções administrativas resultariam em menos ações na Justiça (Fotos: Paulo Francis)

Segundo o magistrado, seriam cerca de 127 mil ações cobrando valores, muitas em nome de aposentados e indígenas. Ele avalia que uma fiscalização mais rigorosa por parte das agências e canais de diálogo mais eficientes entre consumidores e empresas poderiam evitar esse tipo de litígio e aliviar a sobrecarga da Justiça.

Barbosa Silva também relaciona o aumento das ações ao formato eletrônico dos processos, que facilitou a reprodução de petições em série. “Um mesmo texto é adaptado e gera centenas de ações parecidas”, observa. Ele defende que as agências reguladoras precisam agir com mais rigor para coibir abusos das concessionárias e que advogados devem recorrer ao Judiciário apenas quando o diálogo e os mecanismos administrativos falharem.

O desembargador admite que há abusos no setor financeiro, mas critica quem transforma exceções em regra. E lembra um ponto pouco discutido: não há estudo preciso sobre o custo de cada processo para o poder público, mas é preciso considerar a desproporção entre o valor pedido e o gasto que o Estado tem para julgá-lo.

Mero aborrecimento

Para Barbosa Silva, o Judiciário deve respeitar o direito de ação, mas também avaliar se há abuso nos pedidos de indenização. Há casos, diz ele, em que o consumidor entra com processo antes mesmo de procurar o banco ou pedir provas, e o caso acaba extinto por falta de ilegalidade. Também é comum que advogados ingressem com várias ações de um mesmo cliente, quando poderiam reunir tudo em um só processo, evitando decisões diferentes para situações idênticas.

O desembargador avalia que o sistema seria mais ágil se houvesse súmulas, entendimentos consolidados com base em julgamentos repetidos, para barrar demandas semelhantes. No entanto, isso só é possível quando o STF (Supremo Tribunal Federal) ou o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definem teses que permitam encerrar os casos de forma antecipada.

Justiça de MS enfrenta avalanche de pedidos de indenização por valores mínimos
Desembargador: necessidade de ponderar sobre o resultado efetivo e o custo da máquina judiciária

Aposentados e o efeito multiplicador

As cobranças ilegais em benefícios de aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que somaram R$ 6,3 bilhões em todo o país e motivaram uma operação policial, também provocaram uma enxurrada de ações em Mato Grosso do Sul. O governo federal iniciou a devolução dos valores e recomendou que os aposentados desistam das ações, mas muitas já foram sentenciadas.

De acordo com o TJMS, as indenizações nesses casos variam entre R$ 5 mil e R$ 10 mil. Barbosa Silva defende que a análise do dano moral deve considerar o impacto real sobre a vítima. Em situações de descontos pequenos para pessoas com boa condição financeira, a Justiça entende que se trata de mero aborrecimento, sem direito a indenização.

O tribunal também já decidiu que a inclusão de devedores em cadastros de inadimplentes não é ilícita, por ser uma consequência previsível. Já em cobranças indevidas de telefonia, determinou devolução em dobro e pagamento de dano moral.

Segundo o desembargador, cada caso precisa ser avaliado de forma equilibrada, levando em conta a gravidade da ofensa, a situação econômica das partes e a repercussão do fato. Ele cita como exemplo uma companhia aérea condenada a pagar R$ 10 mil a um atleta impedido de embarcar para competir, porque o boletim de ocorrência de furto não foi aceito no lugar do documento de identidade.

Contenção do excesso de ações

Para reduzir o número de processos, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou regras voltadas às execuções fiscais, que estão entre as principais causas de lentidão no sistema. O órgão recomenda que as prefeituras priorizem negociações administrativas e protestos em cartório antes de ingressar com ações.

O conselho também determinou que processos sem movimentação relevante sejam extintos e que novas ações só sejam abertas quando o valor cobrado for de pelo menos R$ 10 mil. Além disso, as procuradorias devem reunir débitos de um mesmo contribuinte, evitando desperdício de recursos e sobrecarga da Justiça.