Justiça de MS enfrenta avalanche de pedidos de indenização por valores mínimos
Desembargador defende que muitos conflitos de consumo poderiam ser resolvidos sem interferência judicial

Um pedido de indenização de R$ 15 mil por causa de duas tarifas de R$ 2,29 cobradas por um banco foi o estopim para um alerta sobre o mau uso do Judiciário. O caso, apresentado à Justiça em Fátima do Sul, é um exemplo da banalização de pedidos de reconhecimento de dano moral.
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A falta de regulação efetiva e fiscalização rigorosa por parte das agências reguladoras tem contribuído para o aumento expressivo de ações judiciais por dano moral em Mato Grosso do Sul. O desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva destaca que muitas dessas demandas poderiam ser resolvidas administrativamente, sem necessidade de processo judicial. A situação é agravada pela facilidade de produção de petições em série por meio digital, resultando em demandas repetitivas. O magistrado defende maior rigor das agências reguladoras no controle das concessionárias e ressalta a importância de avaliar a proporcionalidade entre o valor das causas e o custo para a máquina pública.
O desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva, do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), afirma que ninguém é impedido de buscar seus direitos, mas defende que muitos conflitos de consumo poderiam ser resolvidos por meios administrativos, sem envolver a Justiça. Para ele, a falta de atuação firme das agências reguladoras, responsáveis por fiscalizar serviços como água, energia, transporte e telefonia, e o enfraquecimento do atendimento direto em bancos e financeiras fazem com que pequenas discussões acabem virando processos.
Integrante da 4ª Câmara Cível e ex-corregedor do TJMS, Barbosa Silva lembra que o tribunal descobriu, anos atrás, um grupo de advogados que movia ações em massa contra bancos, questionando contratos, descontos e pedindo indenizações por danos morais. A reportagem do Campo Grande News acompanhou o caso, que foi classificado como demanda predatória e transformado em processo criminal, que começou em Campo Grande e encaminhado para a Justiça em Iguatemi, uma das cidades onde o grupo atuava.

Segundo o magistrado, seriam cerca de 127 mil ações cobrando valores, muitas em nome de aposentados e indígenas. Ele avalia que uma fiscalização mais rigorosa por parte das agências e canais de diálogo mais eficientes entre consumidores e empresas poderiam evitar esse tipo de litígio e aliviar a sobrecarga da Justiça.
Barbosa Silva também relaciona o aumento das ações ao formato eletrônico dos processos, que facilitou a reprodução de petições em série. “Um mesmo texto é adaptado e gera centenas de ações parecidas”, observa. Ele defende que as agências reguladoras precisam agir com mais rigor para coibir abusos das concessionárias e que advogados devem recorrer ao Judiciário apenas quando o diálogo e os mecanismos administrativos falharem.
O desembargador admite que há abusos no setor financeiro, mas critica quem transforma exceções em regra. E lembra um ponto pouco discutido: não há estudo preciso sobre o custo de cada processo para o poder público, mas é preciso considerar a desproporção entre o valor pedido e o gasto que o Estado tem para julgá-lo.
Mero aborrecimento
Para Barbosa Silva, o Judiciário deve respeitar o direito de ação, mas também avaliar se há abuso nos pedidos de indenização. Há casos, diz ele, em que o consumidor entra com processo antes mesmo de procurar o banco ou pedir provas, e o caso acaba extinto por falta de ilegalidade. Também é comum que advogados ingressem com várias ações de um mesmo cliente, quando poderiam reunir tudo em um só processo, evitando decisões diferentes para situações idênticas.
O desembargador avalia que o sistema seria mais ágil se houvesse súmulas, entendimentos consolidados com base em julgamentos repetidos, para barrar demandas semelhantes. No entanto, isso só é possível quando o STF (Supremo Tribunal Federal) ou o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definem teses que permitam encerrar os casos de forma antecipada.
Aposentados e o efeito multiplicador
As cobranças ilegais em benefícios de aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que somaram R$ 6,3 bilhões em todo o país e motivaram uma operação policial, também provocaram uma enxurrada de ações em Mato Grosso do Sul. O governo federal iniciou a devolução dos valores e recomendou que os aposentados desistam das ações, mas muitas já foram sentenciadas.
De acordo com o TJMS, as indenizações nesses casos variam entre R$ 5 mil e R$ 10 mil. Barbosa Silva defende que a análise do dano moral deve considerar o impacto real sobre a vítima. Em situações de descontos pequenos para pessoas com boa condição financeira, a Justiça entende que se trata de mero aborrecimento, sem direito a indenização.
O tribunal também já decidiu que a inclusão de devedores em cadastros de inadimplentes não é ilícita, por ser uma consequência previsível. Já em cobranças indevidas de telefonia, determinou devolução em dobro e pagamento de dano moral.
Segundo o desembargador, cada caso precisa ser avaliado de forma equilibrada, levando em conta a gravidade da ofensa, a situação econômica das partes e a repercussão do fato. Ele cita como exemplo uma companhia aérea condenada a pagar R$ 10 mil a um atleta impedido de embarcar para competir, porque o boletim de ocorrência de furto não foi aceito no lugar do documento de identidade.
Contenção do excesso de ações
Para reduzir o número de processos, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou regras voltadas às execuções fiscais, que estão entre as principais causas de lentidão no sistema. O órgão recomenda que as prefeituras priorizem negociações administrativas e protestos em cartório antes de ingressar com ações.
O conselho também determinou que processos sem movimentação relevante sejam extintos e que novas ações só sejam abertas quando o valor cobrado for de pelo menos R$ 10 mil. Além disso, as procuradorias devem reunir débitos de um mesmo contribuinte, evitando desperdício de recursos e sobrecarga da Justiça.


