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Cidades

Violência contra idosos dobra na pandemia e eles usam internet para denunciar

A maioria dos casos foi denunciada à polícia depois da pandemia e 80 idosos já usaram internet para acionar a Defensoria Pública

Izabela Sanchez | 22/07/2020 06:40
De máscara e de olhos fechados, idoso aguarda a saída do ônibus do coletivo de Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami)
De máscara e de olhos fechados, idoso aguarda a saída do ônibus do coletivo de Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami)

Em 2020, os casos de maus tratos a idosos de Mato Grosso do Sul aumentaram no período de pandemia. Apenas em comparação com o mesmo período no ano passado, as ocorrências em Campo Grande dobraram. Entre os registros da polícia civil, 72% das denúncias em todo o Estado ocorreram de março a junho, depois que o novo coronavírus havia chegado oficialmente em Mato Grosso do Sul. Por outro lado, a Defensoria Pública Estadual percebeu que a terceira idade está usando a internet para denunciar.

Isso porque do início de janeiro até o dia 17 de julho, a Defensoria registrou aumento nas denúncias realizadas de forma remota. Ou seja, os idosos acessaram a internet e utilizaram o canal disponibilizado pela instituição durante a pandemia. Clique aqui para acionar a Defensoria.

Mais casos em Campo Grande - Campo Grande tem quase metade das ocorrências de maus tratos registradas em todo o Estado, parte de um levantamento da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) a pedido da reportagem. Só na Capital foram 10 ocorrências denunciadas à polícia, desde janeiro, de um total de 22 em Mato Grosso do Sul.

Além disso, enquanto em 2019, de março a julho, a Sejusp registrou apenas 3 ocorrências de maus tratos em Campo Grande, este ano já foram 7 casos do tipo, mais do que o dobro. Outro detalhe é que no ano passado os 3 casos chegaram à polícia no mesmo mês, em julho. Julho ainda não chegou ao fim este ano e não é possível ter a estatística fechada de 2020.

O outro lado do isolamento – Para os mais velhos, considerados o principal grupo de risco do novo coronavírus, o isolamento social tem dois lados opostos: proteção e risco. Enquanto ficar dentro de casa os protege do contágio, pode muitas vezes coloca-los em contato com os autores da violência.

Assim como a violência contra mulheres e crianças, a maior parte dos casos de maus tratos contra maiores de 60 ocorre no âmbito da própria família. A denúncia online é um dos caminhos encontrados para falar sobre isso mesmo em isolamento. É o que explica o coordenador do NUDEDH (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos) da Defensoria Pública Estadual, Mateus Augusto Sutana e Silva.

De forma geral, no período analisado pela Sejusp sobre as ocorrências policiais, a maioria dos casos foi nos meses em que a ordem de ficar em casa já havia se imposto no cotidiano da terceira idade de Mato Grosso do Sul.

Entre os 22 episódios que entraram na estatística até agora, 16 ocorreram de março a junho, ou seja, 72% do total. O mês de maio foi o período com mais casos: 6 ocorrências denunciadas e tipificadas como crime de maus tratos. Em junho, a Sejusp contabiliza cinco.

Coordenador do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual, Mateus Augusto Sutana e Silva (Foto: Ascom/DPGE)
Coordenador do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual, Mateus Augusto Sutana e Silva (Foto: Ascom/DPGE)

De janeiro até o dia 17 de julho a Defensoria já havia realizado 80 atendimentos com denúncias de violência.

É importante destacar que a violência não contempla só as agressões, até porque, segundo o coordenador, a negligência também é crime e representa mais de 40% desses casos relatados pelos idosos.

De modo geral, o universo de assuntos trazidos por eles à Defensoria é muito maior. No mesmo período foram 8.966 casos atendidos sobre questões que vão de situações financeiras à saúde. Ou seja, um sinal de autonomia de quem busca seus direitos.

“Se você for fazer uma comparação, em 2019 foram 305 casos. Como estamos atendendo de forma remota, pode ter facilitado”, comentou.

Mateus também relata que há casos em que, ao comentar outras situações, os idosos acabam trazendo componentes que acendem o alerta dos defensores sobre violências sofridas. “Muitas vezes chega um caso até a defensoria que não tem aquela cara de violência. O idoso chega para falar de outra coisa e a gente percebe outras violências”, diz.

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Atravessando a Avenida Afonso Pena, atrás dos sinais de trânsito que indicam três diferentes caminhos a seguir na via em Campo Grande (Foto: Henrique Kawaminami)

Em segundo plano – A pandemia bagunçou a vida do mundo inteiro, é uma realidade posta. Para o coordenador do Núcleo, um dos aspectos dessa reviravolta são as denúncias, porque demonstram uma inversão das prioridades e do discurso, que passaram do cuidado ao mandar no outro.

Mesmo que a sociedade meça o valor humano pela capacidade de produzir, pessoas maiores de 60 têm as mesmas necessidades e vontades dos mais novos. Mas o novo coronavírus entrou no caminho desse entendimento.

“Parece que as pessoas estão tão preocupadas com outras coisas, parece que a vida bagunçou de tal forma que há essa situação do idoso ficar em segundo plano. É como antes fosse possível cuidar do idoso, mas agora como a gente tem coisas mais importantes, o cuidar deixa de ser prioridade. O idoso tem sua autonomia, temos que cuidar para que a gente não o enxergue como um objeto”, avalia.

O defensor avalia que um exemplo disso é o que se tem falado sobre a “teimosia” em se cuidar ou ficar em casa, dita sem refletir que para os idosos, ficar em casa ou mudar a rotina é tão difícil quanto é para qualquer um. Mateus finaliza ao citar que respeito é dar informações para que as pessoas decidam por si com clareza, ao invés de apenas dar ordens.

“É uma pessoa lúcida, capaz, dona de si, é preciso partir para a argumentação. Muitas pessoas acabam não disponibilizando tempo para explicar situações para os idosos. É pensar: será que já abri um boletim epidemiológico e falei 'olha só quantas pessoas já vieram a óbito'. Isso é muito mais importante do que dar ordens”, pontua.

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