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Capital

1º "portal da transparência" da cidade tinha verba em réis e nada de dívidas

A publicação é de um tempo em que o gestor falava na primeira pessoa e explicava, ponto a ponto, a tomada de decisões

Aline dos Santos | 26/05/2019 09:34
Relatório detalhas despesas de Campo Grande para 1919.
Relatório detalhas despesas de Campo Grande para 1919.

Exigência a partir de 2009, a Lei da Transparência teve sua estreia há cem anos em Campo Grande, quando um texto do intendente-geral Rosário Congro abriu uma tradição: elaboração de relatório anual sobre as finanças da cidade.

Sem o suporte tecnológico, a publicação – que cita dívidas zeradas e orçamento de 200 contos de réis - não tem os pormenores de um Portal da Transparência, mas indica um tempo em que o gestor falava na primeira pessoa do singular e explicava, ponto a ponto, a tomada de decisões. Rosário Congro comandou Campo Grande por um ano, entre 5 de setembro de 1918 e 7 de setembro de 1919.

“Em 1918, a cidade tinha duas prefeituras, dois prefeitos, duas Câmaras de Vereadores, havia uma divisão política. A coisa era meio resolvida na bala. Rosário Congro vem, justamente, para parar essa disputa. Em 1919, faz uma prestação de contas, o que hoje seria um portal da transparência. Os prefeitos que o seguem também costumam a fazer relatórios. É interessante porque eles contam o quanto receberam e no que investiram”, afirma a historiadora Maria Madalena Dib Mereb Greco, do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul.

No relatório, cuja íntegra está no livro “O município de Campo Grande em 1919”, da série Memória Sul-Mato-Grossense, Rosário Congro conta que encontrou a cidade com dívidas e saiu deixando as finanças saneadas.

Em 1918, a média era de nove mil habitantes e a cidade enfrentava a gripe espanhola, que matou 36 pessoas e, num cálculo estimado, teria acometido 2 mil pessoas. 

Livro traz prestação de contas do intendente Rosário Congro.
Livro traz prestação de contas do intendente Rosário Congro.

“Folgo imenso, meus senhores, poder declarar-vos que a situação financeira do município é a mais lisonjeira possível, as despeito da inexplicável atitude de elevado número de contribuintes, devedores do erário municipal há longo tempo, anos mesmo, usufruindo uma situação de comodismo só explicável pelo indiferentismo das administrações passadas. Não deixo o cofre abarrotado de ouro, mas também não vos deixo dívidas, digo, compromissos vencidos, senhores intendente e vereadores, que são o legado das administrações menos felizes”, afirma Congro em texto que parece ganhar novas versões durante as administrações públicas.

O relatório traz receita orçada para 1919 em 200:000$000 (200 contos de réis). Os recursos seriam arrecadados por meio de nove modalidades de impostos, cobrança da dívida ativa, renda do matadouro, multas por infração de posturas, taxas e alvarás.

A despesa municipal foi calculada no mesmo valor da receita. Os gastos seriam com subsídio do intendente, vencimentos dos funcionários municipais, iluminação pública, remoção do lixo, sustento aos presos pobres da cadeia, aluguel de prédio para alojamento da polícia, socorro aos indigentes, auxílio a entidades e obras públicas.

Para aumentar a arrecadação, o prefeito lançou mão de impostos e relata as críticas. No chamado imposto de décidas prediais, detalha que ele passou a figurar com soma três vezes maior.

“Muita gente viu nisto um aumento desse imposto e cartas recebi nas quais, ironicamente, eu era felicitado por ter contribuído para a desgraça dos pobres, que teriam o aluguel das duas habitações grandemente aumentado. Não, eu apenas cumpria, com rigor e com devido aproveitamento, a lei que encontrara”, escreve Rosário Congro.

"Em 1919, fazer uma prestação de contas é o que hoje seria um portal da transparência", afirma historiadora. (Foto: Marina Pacheco)
"Em 1919, fazer uma prestação de contas é o que hoje seria um portal da transparência", afirma historiadora. (Foto: Marina Pacheco)

Vereador em Corumbá, ele veio a Campo Grande por determinação de Dom Francisco de Aquino Correia, então presidente do Estado. Sobre o cenário do racha político, que incluiu até prefeituras em duplicidade, a historiadora explica que a cidade era como uma Capital do Sul do Mato Grosso.

De um lado, havia os sulistas, que levaram à frente a criação de Mato Grosso do Sul, e os nortistas, fiéis às decisões emanadas de Cuiabá, a Capital do Mato Grosso. Já outras situações encontradas pelo intendente Rosário Congro são velhas conhecidas da cidade, como a batalha contra os formigueiros. À época, ele apostou na compra de duas máquinas. 

“É um problema importantíssimo, este das formigas. Muro há, de alvenaria, abatidos pelo trabalho subterrâneo, constante e imperceptível destes terríveis himenópteros, e na desfolhagem noturna dos arbustos, desde a delicada roseira à robusta árvore de manga, não há medida que lhes ponha obstáculo”.

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