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Capital

Confiantes nas "promesas de Deus", lojistas resistem na antiga rodoviária

Luciana Brazil | 09/09/2013 16:09
Corredores vazios retratam o cenário distante dos anos 80. (Fotos:Marcos Ermínio)
Corredores vazios retratam o cenário distante dos anos 80. (Fotos:Marcos Ermínio)

Os corredores vazios denunciam de imediato a trajetória decadente. Quem visita o prédio da antiga rodoviária, em Campo Grande, vê de perto o que cruelmente o tempo não perdoou. Desde que o terminal rodoviário mudou de lugar, o cenário se transformou. Das 215 lojas, mais de 170 estão com as portas fechadas.

Mesmo às moscas, os mais corajosos resistem. Bravamente. Comerciantes que antes contavam com clientes, hoje depositam a esperança na sorte e seguem resistindo ao tempo.

Entre os lojistas que permanecem, a maioria está a pelo menos 30 anos no prédio. Há quem os defina como loucos ou ainda como corajosos. “A gente fica na esperança, já que cada prefeito que entra diz que vai fazer uma coisa. Mas só as promessas de Deus mesmo, porque dos políticos não se pode esperar nada”, alfineta o dono de uma loja de roupas e artigos masculinos e femininos, José Paulino, 70 anos.

Uma mercearia, barbearias, sapatarias, relojoarias, lojas de roupas, lanchonetes e até um escritório de contabilidade continuam funcionando. Entrar em um desses estabelecimentos é como voltar no tempo.

Faxinando há 19 anos no prédio, Josefa Santana, 68 anos, confessa que a mudança teve um único lado positivo. “Antes tinha muita sujeira, até camisinha eu limpava na época do cinema. Isso mudou, e é bom. Mas o prédio virou um fracasso. Seria tão bom se trouxessem alguma coisa para cá”, lamenta.

A faxineira Josefa não aprova a situação atual e lamenta.
A faxineira Josefa não aprova a situação atual e lamenta.

Aos 49 anos Atanaíde Machado se recorda do tempo em que começou a trabalhar na rodoviária. “Comecei aos 15 anos, trabalhando no guichê da Andorinha e da Mota”. Hoje, dono de uma agência de viagem que funciona no local, Machado, conhecido como Tanaka, aponta propostas que poderiam possivelmente ser implantadas.

“Aqui deveria funcionar como um ponto de embarque e desembarque, interestadual ou intermunicipal. A rodoviária nova é muito longe”, diz ele. Com a máxima “Rodoviária longe, Passagem perto”, Tanaka aposta no ressurgir do prédio. “Atendo muita gente que mora no centro e que não quer ir até a rodoviária só para comprar passagem”.

Com vontade de deixar tudo para trás, o aposentado José Paulino, o dono da loja de roupas, diz que “vive da providência”. “Ontem eu atendi só um cliente, pra você ter uma ideia”, conta. Mas ainda assim, os dias de “compensação”, acabam forçando o aposentado a ficar.

“Ontem eu vendi R$10. Tenho mercadoria que estão com preço de três anos atrás. Mas só compensa porque tem os dias da ‘compensação’, que são os clientes antigos que vêem até a loja”.

Nos bons tempos, José já chegou a comprar, de uma só vez, 264 pares de sapato para vender na loja. Hoje, não compra mais do que dois ou três a cada dois, três meses. “E eu ainda tenho vender tudo mais barato”.

Rubio conta que alguns clientes já morreram e outros continuam a frequentar a barbearia.
Rubio conta que alguns clientes já morreram e outros continuam a frequentar a barbearia.
O cinema reproduziu por muito tempo filmes eróticos.
O cinema reproduziu por muito tempo filmes eróticos.

Trinta e cinco anos se passaram desde que o barbeiro Rubio Pere, 72 anos, chegou ao prédio. O aposentado explica que em alguns dias nenhum cliente aparece. “Quando o terminal saiu daqui, acabou tudo. Alguns clientes continuam, outros morreram, outros sumiram e outros foram embora. Mas vou continuar aqui, sou aposentado e não tenho nada a perder”.

Na mercearia, contrariado em dar entrevista, o dono diz que a família está ali há mais de 30 anos. Ele reclama que apesar das constantes reportagens feitas no local, nada acontece. “Nem gosto de falar, já que fazem um monte de coisa e sempre fica a mesma coisa”, disse sem dar o nome, esperançoso em uma mudança, .

As vendas se sustentam com os frequentadores locais, assim como Débora Barbosa, 22 anos, que trabalha na loteria próxima ao prédio. “Aproveito para comprar porque é aqui perto”.

Há 30 anos Tanaka constrói a vida no prédio.
Há 30 anos Tanaka constrói a vida no prédio.
Débora aproveita para comprar na mercearia próxima ao trabalho.
Débora aproveita para comprar na mercearia próxima ao trabalho.

Movimento: O movimento diário no prédio chega 300 pessoas, segundo a comerciante Rosane Nely de Lima, 45 anos, e também presidente da comissão Pró-Revitalização da Rodoviária. “Acredito que não ultrapasse isso. É muito pouco”.

Para ela, o comércio na região, incluindo os hotéis e a loja dos Correios, garante a pequena circulação pelos corredores. “São essas pessoas que andam por aqui. É o que sustenta o local”.

A retirada recente da sede da Guarda Municipal do prédio não influenciou em nada a rotina dos lojistas, já que a PM (Polícia Militar) passou a fazer a segurança, garantem. “O problema é que a PM só fica pela manhã. Estamos sem segurança à tarde. Isso é ruim”, lembra Tanaka.

Ações sociais e culturais tentam lentamente resgatar o espaço. “Fizemos uma feira recentemente, e mais de oito mil pessoas prestigiaram”, lembra Rosana.

Segundo ela, cerca de 50 comerciantes continuam no prédio. O aluguel de um imóvel gira em torno de R$ 400 a R$ 700. Já o valor imobiliário não passa os R$ 70 mil.

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