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Capital

Em momento de raiva, veterinário matou homem e perdeu a "boa vida"

Luciana Brazil | 01/06/2014 07:22
“No momento, você desacredita tanto do ato que você cometeu, que você pensa: não fui eu, não sou capaz de fazer isso”. (Foto: Cleber Gellio)
“No momento, você desacredita tanto do ato que você cometeu, que você pensa: não fui eu, não sou capaz de fazer isso”. (Foto: Cleber Gellio)

Há um ano e cinco meses, o veterinário de 32 anos aguarda julgamento no Instituto Penal de Campo Grande. Réu confesso, ele pede para preservar a identidade, mas revela a outra face do crime. O homem estudado, pai de três filhos, acostumado com a vida no campo, trocou as botinas e o cavalo por dias intermináveis na prisão. Depois de matar um credor com um tiro no peito, em Fátima do Sul, a 246 quilômetros de Campo Grande, o que ele pensou servir de alívio se transformou em pesadelo.

“O homem é um animal muito estranho. Sempre fui uma pessoa passiva, estudei em bons colégios, sou formado, tive a vida inteira dedicada ao trabalho. Mas em um momento de nervosismo, no momento da raiva, você perde o senso de até onde você pode ir. E às vezes, você comete um erro que não tem como voltar atrás”, lamenta.

O crime nasceu de uma dívida de R$ 16 mil, por causa da venda de gado. Para o veterinário, dono de terras no interior, o valor do calote era irrisório e o que aumentava a fúria era a conduta de quem lhe devia o dinheiro. Um ano depois de vender gado ao credor, o valor ainda não tinha sido pago. Bastou um encontro e o desentendimento veio à tona. Ameaças de ambas as partes foram feitas.

O veterinário lembra que a vítima apareceu em sua propriedade, mas a fúria era tanta que não houve tempo para pensar qual seria o motivo da “visita”.

“Eu não quis nem saber por que ele estava lá, nem sei se ele tinha ido me pagar”, confessa. “Ele não cumpriu a parte dele. Quando se está com raiva não se raciocina muito. O valor da dívida era insignificante. Não foi por causa do dinheiro, foi a conduta, porque já perdi quantias maiores e nunca me preocupei”.

O tiro certeiro manchava ali um futuro junto aos filhos e a esposa, que agora só encontra durante as visitas. “Minha mulher toma calmante até hoje e faz tratamento com psicólogo. Ela vem me visitar, mas meus filhos nem sabem que estou preso. Não quero que saibam”. Assim, a saudade dos herdeiros de 5, 7 e 10 anos só aumenta.

Já a mãe do veterinário não suporta a dor do que os olhos enxergam. Com o pai, poucas palavras sobre o assunto foram trocadas. “Sempre que começamos a falar sobre isso, ou eu ou ele começa a chorar”.

Depois de matar, o próprio veterinário socorreu a vítima. Ligou para a ambulância e depois de ser informado que não havia nenhuma na cidade, ele garante que decidiu salvar o homem do jeito que podia.

“Eu chamei o socorro, mas disseram que não tinha ambulância na cidade, então coloquei ele na minha caminhonete e levei para o hospital. Na hora de assinar a ficha, eu assumi que tinha dado o tiro. Desde o começo assumi”.

A tentativa de salvar, o desespero de voltar no tempo, nada adiantou. Restou um homem incrédulo diante dos próprios atos. “No momento, você desacredita tanto do ato que você cometeu, que você pensa: não fui eu, não sou capaz de fazer isso”, diz.

“Sempre fui trabalhador, levanto de madrugada. Minha vida foi sempre voltada para o trabalho. De dia até a noite só trabalhando e de repente eu me vejo daquela forma”, continua.

Com a demora no sistema, o réu só foi preso dois anos e meio após o crime. “Fiquei em casa, em liberdade, aguardando os tramites da justiça. Tinha consciência que seria preso”.

E então, ele foi de cima de um cavalo, direto para delegacia. “E nunca mais voltei para casa. Fiquei igual bicho preso, queria sair dali de qualquer forma. As condições de vida seriam bem diferentes daquela que eu queria”.

Querendo voltar para casa, o veterinário irá agora a júri.

No sistema, ele garante, também existem pessoas boas e de caráter. “Existem pessoas honestas, boas, que cometeram erros, mas tem uma vida toda para trás e que não pode ser jogada fora. Hoje tenho 32 anos, será que tudo que ficou para trás não valeu de nada? Será que em 30 anos de vida eu não fiz nada de bom? Tenho três filhos, olha tudo que eu construí”, reflete ele.

Evangélico, ele diz que o erro deve ser reconhecido. “Mas se eu ficar o tempo todo me lastimando, não vou ser passível de uma melhora. Nunca vou conseguir me regenerar. E quando eu passar por outra situação dessa na minha vida que eu lembre deste erro”, aponta.

Como se pudesse tocar a liberdade, ele explica que colocou uma meta na vida e, se fez algo errado, vai mudar. “Infelizmente foi uma fatalidade que aconteceu comigo e que pode acontecer com qualquer pessoa”.

A saudade dos filhos, como já era de se esperar, corroí diariamente, a cada segundo. “Se tiver fazendo alguma coisa, a gente se distrai, mas parou já começo a pensar neles de novo”.

Mas três anos depois do crime, ele ainda se questiona, e só ouve o silencio falar. “Até hoje eu não acredito no que eu fiz. Me pergunto por que e não encontro resposta. Ser cristão é vigiar. Talvez neste momento eu deixei de vigiar. Podemos ficar nervoso, mas eu deixei a ira tomar conta. Não fui prudente”.

Ele ainda se pergunta por que Deus não evitou a tragédia, mas reconhece que a prisão é tempo de mudança. "A gente vem pra cá para consertar um erro, se eu vier pra cá e continuar errando quando é que vou mudar? Quando sair vou errar novamente".

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