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Capital

Emoções, frustrações e crimes brutais com repercussão mundial no júri

Ricardo Campos Jr. | 27/02/2015 13:19
Deusa da Justiça, na entrada do Tribunal do Júri (Foto: João Garrigó - arquivo)
Deusa da Justiça, na entrada do Tribunal do Júri (Foto: João Garrigó - arquivo)

Há mais de cem anos, o Tribunal do Júri de Campo Grande tem feito história ao ser palco de casos emblemáticos que, entre culpados e inocentes, já colocaram a capital na pauta da imprensa nacional e mundial. São crimes que chamaram a atenção ou por envolverem personalidades ou pelo choque causado pela violência envolvida. Alguns deles serão temas de um memorial que será aberto nesta sexta-feira (27), imortalizando não apenas julgamentos, mas pessoas que atuam ou atuaram nesse órgão do Judiciário.

Atualmente desembargador, Júlio Roberto Siqueira ficou 14 anos à frente dos julgamentos e sobram histórias para contar. O mais complicado, segundo ele, foi a morte da prefeita de Mundo Novo Dorcelina Folador (PT), vítima de pistoleiros no dia 31 de outubro de 1999. O caso foi transferido para a Capital e envolvia sete réus.

“É impossível fazer um julgamento de sete pessoas tendo como endereçados membros do MST. Em todas as audiências vinham três, quatro ônibus cheios de pessoas que queriam entrar no plenário com camisetas e eu não permitia isso. Eu tive que dividir o caso em quatro grandes sessões. Alguns tiveram presença de ministros de estado. Esse julgamento foi um marco em termos de tribunal do júri, já que envolveu uma nova fase política brasileira”, conta.

Já o caso que mais impressionou o magistrado envolveu a morte de um preso que havia passado mal e estava internado na Santa Casa quando foi baleado. O réu era um garçom cujo pai, idoso, havia sido espancado e morto pelo detento na véspera de Natal. O choque ocorreu no momento em que a promotoria, responsável pela acusação, fez seu pronunciamento.

“O promotor se transportou para o lugar do garçom, que passou o Natal no velório do pai, morto e judiado dentro de casa e, quando teve a oportunidade, acabou fazendo justiça com as próprias mãos. Então ele decidiu não pedir a condenação, dizendo que qualquer elemento são teria a mesma atitude. Foi uma surpresa, o plenário estava lotado. O garçom foi absolvido”, relata.

Por fim, diante dos inúmeros processos que acompanhou, Siqueira fala sobre aquele que gostaria, mas não conseguiu julgar. “Foi o Caso Motel. Eu gosto de julgar rápido, mas para que não houvesse prejuízo, demorei três anos para terminar o processo e não me davam elementos para mandar os suspeitos para júri. Eu fiz o que não costumava fazer na época: autorizei quebra de sigilo bancário e telefônico. Tivemos quatro suspeitos em potencial, mas prova contundente, não. Deixei durante 700 dias alguns telefones censurados a pedido do Gaeco, mas não se obteve nada e o caso até hoje está sem solução”, diz.

Exposição também conta com objetos apresentados em audiências (Foto: Marcos Ermínio)
Exposição também conta com objetos apresentados em audiências (Foto: Marcos Ermínio)

Julgamentos históricos – Atualmente à frente da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, Carlos Alberto Garcete lembra três casos que ficaram marcados e irão compor o memorial na sede do órgão. Um deles foi quando Fernandinho Beira Mar esteve no banco dos réus.

“Foi a maior movimentação da história do tribunal em termos de estrutura para a realização do julgamento. Muitos policiais vieram de fora, houve o fechamento de ruas durante a realização do júri, helicópteros sobrevoando o local. Teve transmissão em todo o Brasil”, comenta.

Também será lembrado o julgamento de João Marcondes Fernandes de Deus, acusado de matar a esposa dele, Gleide Dutra de Deus, eleita miss Campo Grande em 1975. Na ocasião, o advogado Ricardo Trad, que defendia o acusado, apresentou uma carta psicografada por Chico Xavier em que a vítima afirmava que tudo não havia passado de um acidente e o marido deveria ser absolvido.

“Os jurados aceitaram como prova. Se realmente essa carta foi escrita pelo Chico, aí entra a discussão contra esse tipo de evidência. Na época eu pesquisei e vi que tem dois tipos de psicógrafos. O Chico era um psicógrafo mecânico. Significa que ele não se lembrava do que havia escrito”, relembra.

Por último, também será exposto o caso da clínica de aborto comandada por Neide Mota Machado, que ficou conhecido nacionalmente. A mulher cometeu suicídio e o caso contra ela foi encerrado, mas ele deu origem a uma série de outros processos contra as mulheres que foram clientes delas.

“O crime de aborto é muito difícil de ser descoberto, pois normalmente as pessoas que o cometem fazem de forma oculta e não têm interesse que alguém saiba. Pela primeira vez no estado uma clínica foi descoberta”, comenta.

Mostra será permanente e ficará no Fórum Heitor de Medeiros (Foto: Marcos Ermínio)
Mostra será permanente e ficará no Fórum Heitor de Medeiros (Foto: Marcos Ermínio)

Defesa – O advogado Renê Siufi atua há 45 anos e já representou acusados em importantes julgamentos. Nem sempre a vitória vem com a absolvição e muitas vezes conseguir uma pena menor para o cliente já é motivo de alívio. No decorrer desse tempo, conforme Campo Grande crescia, a população foi perdendo cada vez mais o interesse nas sessões, lotando o plenário apenas quando o caso é de grande comoção.

Antigamente, segundo ele, um julgamento era um evento social. “Não se tinha outro programa. A cidade era menor e as pessoas se conheciam mais. Quando morria alguém, a notícia corria e todos iam ao julgamento. Atualmente o crime está um pouco banalizado. Já não surpreende mais como antigamente”, relata.

O caso do músico Zacarias Mourão, conhecido por compor “Pé de cedro” foi um dos mais difíceis em que ele conseguiu absolvição do cliente, no caso, a mulher da vítima. No fim das contas, Siufi conseguiu provar que, ao contrário do que pregava a defesa, o crime não foi cometido durante briga do casal, mas durante um assalto. “Gerou muita curiosidade do público. A plateia estava lotada”, lembra.

Parte da história do Tribunal do Júri é contada em painéis (Foto: Marcos Ermínio)
Parte da história do Tribunal do Júri é contada em painéis (Foto: Marcos Ermínio)

Importância – O desembargador João Maria Lós, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, diz que o memorial é importante para que seja preservada a história do órgão em Campo Grande.

“Nós temos um espaço com relatos de júri, cópias de processos. O Tribunal do Júri é emblemático como órgão do Judiciário e o que mais atrai a atenção da população. Temos casos que enchem o plenário. Nós queremos preservar essa lembrança e o trabalho que já foi feito, os juízes que atuaram ali bem como os dois advogados mais antigos”, explica.

A abertura do memorial será às 16h no Fórum Heitor Medeiros. A exposição foi elaborada pelo Departamento de Pesquisa e Documentação e consiste em painéis localizados no saguão. Além de Siqueira e Siufi, também será homenageado o advogado Ricardo Trad.

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