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Capital

Idoso queria ser cremado, mas "voto" contrário de filho leva caso à Justiça

Corpo está "na geladeira" há 16 dias; ação foi protocolada contra funerária que exige aval unânime da família

Por Cassia Modena | 04/03/2024 11:42
Djahir Brites assinou contrato de serviço de cremação e pagou todas as mensalidades em dia antes de falecer (Foto: Arquivo da família)
Djahir Brites assinou contrato de serviço de cremação e pagou todas as mensalidades em dia antes de falecer (Foto: Arquivo da família)

Era vontade do funcionário público aposentado Djahir Brites ter o corpo cremado após a morte para que seus restos mortais possam "voar em vez de terem terra jogada por cima" num sepultamento. É o que relata sua filha mais nova, Lidiane, que assinou com a mãe e outros três irmãos a autorização para a cremação ocorrer em Campo Grande.

Mas virou caso de Justiça e atrasa há 16 dias a realização dessa última vontade, a pendência da autorização do segundo filho que Djahir teve com a primeira esposa. O corpo do aposentado está congelado e armazenado desde 18 de fevereiro pela única empresa que faz cremação e vende esse serviço na Capital, a Pax Nacional.

Hoje morador de Tangará da Serra (MT), o filho que discorda da opção do pai está irredutível, mesmo sendo minoria no total de cinco descendentes e não convivido com Djahir nos últimos anos.

Segundo Lidiane, o irmão enviou só uma mensagem pedindo "que tenha a própria vontade respeitada" e não atende mais as ligações, além de ter bloqueado os contatos da família no WhatsApp.

Uma das irmãs do filho de Mato Grosso por parte de mãe, contou à caçula que o motivo da divergência é religioso. "Ele acredita que, se houver ressurreição dos mortos, nosso pai não vai ressuscitar porque o corpo virou cinzas", afirma também Lidiane.

Interpretação de lei - Se passaram mais de duas semanas desde a morte de Djahir. Ele faleceu aos 95 anos enquanto lutava contra um câncer de próstata.

Já que a Pax exige a autorização de todos os filhos e da esposa do morto, ou então documento autenticado que comprove vontade expressa em vida, foi necessário contratar um advogado para negociar com a empresa. Depois de tentar e não conseguir resolver a situação extrajudicialmente, o contratado entrou com pedido judicial de alvará nesta segunda-feira (4).

A reportagem falou com Marco Antônio Castello, que representa no pedido a Eliane Brites, mãe de Lidiane e viúva do aposentado. O advogado explicou que "é uma questão de interpretação de lei do Código Civil a necessidade de haver autorização de todos os filhos e da esposa". É suficiente o consentimento da esposa, o que já se tem, segundo o advogado.

A expectativa é que um juiz analise o pedido em até cinco dias úteis, e que tudo se resolva para Djahir poder "descansar em paz", disse.

Marco Antônio afirma entender o lado da Pax Nacional em se resguardar do risco de possível ação de danos morais movida pelo filho religioso de Tangará da Serra. "Essa resistência pode ser por temor e precaução dessa ação. Mas é um pensamento equivocado", argumenta.

Adequação - O serviço de cremação é oferecido em Campo Grande há pouco tempo. Fazem três anos desde a inauguração do único centro de cremação. A época, a covid-19 causava pandemia, inclusive.

Fachada do único crematório de Campo Grande (Foto: Arquivo/Kisie Anoiã)
Fachada do único crematório de Campo Grande (Foto: Arquivo/Kisie Anoiã)

Desde então, o advogado contratado pela mãe de Lidiane já atuou em outra ação parecida, onde havia conflito familiar. Ele acredita que falte "adequação da empresa" para lidar internamente com esses casos.

O diretor da Pax Nacional na Capital, Artur de Carli, também falou com o Campo Grande News. Ele relatou que houve mesmo outro caso do gênero, que a empresa teve que lidar há cerca de dois anos e meio. "O corpo ficou 70 dias armazenado até que saísse decisão judicial", disse.

Artur justificou que a exigência da assinatura de todos os filhos, quando não há vontade expressa em documento, segue o que pede lei. Mais especificamente o artigo 77, parágrafo 2º da Lei nº 6.015/1973. Ele compara que é igual nos casos de doação de órgãos após a morte.

Artur, diretor da empresa, mostra forno do crematório à época da inauguração do local (Foto: Arquivo/Silas Lima)
Artur, diretor da empresa, mostra forno do crematório à época da inauguração do local (Foto: Arquivo/Silas Lima)

Isso vale mesmo com Djahir sendo o próprio contrante do serviço: ele mesmo assinou o contrato e ele mesmo pagou as parcelas em vida, sem atrasar nenhuma. "Não serve como comprovação, seguimos o que diz a lei", reforça o diretor.

O divergente - A reportagem tentou contato com o filho que nega autorização para a cremação do pai para ouvir seu lado, mas não teve retorno até esta publicação. O espaço segue aberto para manifestação.

Lidiane, que tem 43 anos, insiste na realização da vontade do pai. "Quem o conhecia, sabia que era o que ele queria. Que isso seja possível logo, para que a gente pare de correr atrás de advogado, de empresa e possa sentir o luto da perda do meu pai", apela.

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