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Capital

Mais de 30 mil famílias estão à espera de "Aurora", bebê deixada em sacola

Apesar de toda sensibilidade ao redor da bebezinha, existe uma fila oficial de famílias habilitadas para adoção desta criança

Paula Maciulevicius Brasil | 01/02/2021 10:21
"Aurora" tem milhares de famílias esperando sua chegada, com quartinho, nome escolhido e até time do coração. (Foto: Poliana Felix)
"Aurora" tem milhares de famílias esperando sua chegada, com quartinho, nome escolhido e até time do coração. (Foto: Poliana Felix)

Desde sexta-feira (29), o telefone da Vara da Infância da Capital não para de tocar. São inúmeras ligações pedindo para adotar ou simplesmente dar um banho na recém-nascida encontrada em uma sacola no Bairro Guanandi II, em Campo Grande. Apesar de toda sensibilidade ao redor da bebezinha, existe uma fila oficial de famílias habilitadas para a adoção desta criança. O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento tem um número superior ao da comoção: são 34.487 mil pretendentes disponíveis que estão "gestando" um bebê há muitos anos.

Juíza da Vara da Infância há 12 anos, Katy Braun explica que sempre que acontecem abandonos como o do neném deixado na sacola plástica, as pessoas ficam sensibilizadas e desperta nelas a vontade de cuidar desta criança especificamente.

É muito bom este sentimento do ser humano, mas a criança vira objeto para satisfação das fantasias das pessoas. A adoção não pode ser motivada pela compaixão, simplesmente. Há famílias que estão há anos sonhando em ter filhos por meio da adoção e se prepararam para isso. Tomaram uma decisão racional, amadurecida e compartilhada com a família. Elas não perdem a preferência porque alguém achou a criança".

Juíza Katy Braun apela para que famílias sensibilizadas procurem Vara da Infância para iniciar processo de habilitação para adoção. (Foto: Arquivo/Alana Portela)
Juíza Katy Braun apela para que famílias sensibilizadas procurem Vara da Infância para iniciar processo de habilitação para adoção. (Foto: Arquivo/Alana Portela)

O Campo Grande News já acompanhou histórias de gestações que duraram bem mais de nove meses, de casais que escolheram adotar e participaram de todo processo: desde o curso de preparação, papelada e estudo psicossocial. Famílias que levaram pelo menos um ano até serem habilitadas para a adoção de um bebê e outros longos meses na fila, à espera de chegar a sua vez.

"Uma coisa é tomar uma atitude baseado nas emoções e outra coisa é ter a decisão amadurecida e ter sido submetido aos trâmites legais. Adotar é coisa séria. As pessoas fantasiam que é da vontade divina que adotem porque encontraram o bebê, mas na minha humilde concepção, Deus não abandona crianças e para quem quer adotar, Ele escreve certo, por linhas certas", comenta a juíza.

No caso de Aurora, bebê carinhosamente chamada assim pelas enfermeiras do HU, a empresária Kely Zerial que levou a menina para atendimento médico entrou com o pedido de guarda. E apesar do bebê ter sido deixada em frente à casa dela, para a Justiça, não caracteriza preferência na adoção.

"Que essa experiência sirva para abrir os olhos das pessoas de que é possível amar um filho sem ser biológico", comenta a magistrada.

No processo de adoção, famílias passam por várias etapas até estarem habilitadas e entrarem na fila por uma criança. (Foto: Poliana Félix)
No processo de adoção, famílias passam por várias etapas até estarem habilitadas e entrarem na fila por uma criança. (Foto: Poliana Félix)

A juíza também explica que o trabalho da Vara da Infância não é o de procurar uma criança para as pessoas e sim o de buscar famílias para crianças. "As pessoas dizem: 'eu quero essa criança, como eu faço? Como se fosse um objeto para satisfazer o desejo que surgiu ali. Nós estamos procurando famílias para as crianças que segundo a lei são aquelas que se prepararam previamente e que estão com este desejo adotivo amadurecido, não é gente que por causa de uma emoção, tomou uma decisão", frisa.

Ainda segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, são 5.027 crianças à espera de um lar em todo País, deste número 123 estão abrigos em Mato Grosso do Sul.

Em mais de uma década de experiência, a juíza lembra que este "fenômeno", nome atribuído por ela à decisão emocional de adotar uma criança específica acontece cada vez que se é noticiado casos de abandono.

"Essas mesmas pessoas que querem adotar não procuram a Vara, porque não é uma decisão racional. Elas ficam sensibilizadas e aí decidem, naquele ímpeto, que vão fazer, que vão adotar, então o convite da Vara da Infância é para que todas essas pessoas que se encantaram, se sensibilizaram, para que elas possam amadurecer a ideia de ter um filho por adoção e procure o poder judiciário" , apela.

No caso de Aurora, a Justiça afirma que quem deve ficar com a bebezinha, no caso de adoção, é uma família que foi habilitada previamente e que está nesta "gestação" há muito mais tempo.

No cadastro nacional, são pelo menos 30 mil famílias à espera de um bebê. (Foto: Poliana Felix)
No cadastro nacional, são pelo menos 30 mil famílias à espera de um bebê. (Foto: Poliana Felix)

"Me dá vontade de deixar um adolescente na porta dessas pessoas, porque existem muitas crianças abandonadas que hoje estão em abrigos também aguardando uma família. As pessoas não estão sensibilizadas pela criança, porque se fosse assim, elas iriam resgatar nos abrigos as que realmente precisam de alguém. O que se vê é a oportunidade egoica de se satisfazerem, o que é diferente de querer adotar", exemplifica Katy.

Há 10 anos o Tribunal de Justiça tem o projeto "Dar à luz" que acolhe gestantes que desejam entregar seus bebês para adoção com escuta psicológica e de assistência social, além de todo apoio legal para a entrega.

Interessados em saber sobre adoção podem falar com o Núcleo de Adoção pelo telefone 9-9107-5844. Para conhecer um pouco mais sobre o projeto "Dar à Luz" você pode procurar a Vara da Infância, Juventude e do Idoso de Campo Grande, no Fórum. O telefone é o: 3317-3548 e o endereço é Rua da Paz, 14 - Térreo, Bloco 02.

Aurora segue bem, internada no pronto socorro pediátrico do Hospital Universitário, na Capital. Os primeiros exames descartaram doenças infecciosas, mas o hospital aguarda outros resultados.

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