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Capital

‘Meus pais estão orgulhosos’, diz pioneira do #exposedcg

Izabela Sanchez | 03/06/2020 16:30
Essa foi a publicação que deu início ao boom de publicações com a tag #exposedcg (Imagem: Reprodução)
Essa foi a publicação que deu início ao boom de publicações com a tag #exposedcg (Imagem: Reprodução)

Quem diz que as revoluções não estão nas redes sociais desconhece o #exposed. Em apenas três dias, as milhares de publicações com relatos, por vezes chocantes, de assédio sexual e estupro contra mulheres de todas as idades são o assunto do momento. Em Campo Grande, as quase 20 mil publicações com a tag #exposedcg no Twitter já chegaram à Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher), que investiga o primeiro caso.

E tudo começou sem nenhum plano ou organização. A pioneira do que virou, horas depois, um grande movimento, usa nome de heroína de romances clássicos no Twitter, tem 19 anos e estuda Letras em uma universidade pública de outro estado. No momento, enquanto a pandemia a afastou das aulas presenciais e a fez voltar à casa dos pais, resolveu não se calar.

Elizabeth Brum divulgou a primeira de uma série de publicações que denunciam o cenário nocivo às mulheres em Campo Grande. Usou para isso um perfil que já tinha na rede social e a primeira história que compartilhou é um relato de uma amiga, que autorizou a publicação.

Um dia depois, já é alvo de boletins de ocorrência por calúnia, injúria e outros crimes, registrados por homens jovens que dizem ter sido acusados de forma falsa ou injusta pelos relatos. O susto “do acordar” depois das primeiras publicações e saber do primeiro boletim de ocorrência já passou e agora ela garante: “Meus pais têm orgulho de mim”.

“Meus pais estão sabendo, estão me apoiando. Houve um choque inicialmente com toda a repercussão, mas eles estão orgulhosos de mim”, contou ela. Elizabeth pediu para não ter o nome verdadeiro revelado porque teme represálias. Diversas mensagens de ódio já chegaram na caixa privada no Twitter.

Ela não quer ser símbolo, conta, do movimento. Por isso que a partir de agora incentiva que as meninas enviem os relatos, mas avisou que não irá publicar em seu perfil, uma forma de não deixar o movimento personificado. A sobrecarga com assunto tão sério também não é coisa de uma pessoa só, diz.

Elizabeth é filha de funcionários públicos, estudou em escola pública nos anos do Fundamental e teve bolsa para estudar em particular no Ensino Médio.

A jovem, ao confessar a própria vulnerabilidade, incentiva que além da polícia, as vítimas procurem auxílio psicológico.

Publicação quando a tag atingiu as chamadas trending topics do Twitter (Image: Reprodução)
Publicação quando a tag atingiu as chamadas trending topics do Twitter (Image: Reprodução)

“Quando eu acordei e vi o que tinha acontecido, fiquei assustada, tinha um B.O contra mim, mas a maioria das mensagens era positiva. Eu fiquei feliz de ver que tanta gente teve a confiança de me mandar relatos tão traumáticos, mas não tenho saúde mental para manter tudo isso, a gente precisa incentivar a denunciar e procurar ajuda profissional, eu não sou capaz sozinha”, conta.

Ao Campo Grande News, revelou já ter sofrido com assédios, mas não quis comentar o assunto. “Eu moro há pouco tempo em outra cidade e tenho consciência do que está acontecendo, mas eu não podia falar por elas, eu pedi pra elas mesmas me relatarem”, conta ela, quando amigas e conhecidas a procuraram. Quando isso ocorreu a tag #exposed já estava sendo utilizada em outras cidades do Brasil.

“Já tinha visto em várias outras cidades e pensei: como ainda não tem aqui de Campo Grande? Tem vários índices de violência. É impossível que ninguém tenha nada pra falar. Eu já sabia de um relato de uma amiga, mas ela não queria ser a primeira. Eu já tinha outro relato, então ofereci o meu perfil”, conta ela, que combinou de dar o “start” e a amiga, de fazer a segunda publicação.

“Foi bem pesado de ler no primeiro dia, fiquei bem mal mesmo, mas depois tiveram outras pessoas que me apoiaram pra ler, consegui criar um certo distanciamento”, conta a estudante que contou, agora, dividir o trabalho de ler os relatos com outras pessoas.

Publicação de uma das vítimas que contou ter sido abusada aos 11 anos (Imagem: Reprodução)
Publicação de uma das vítimas que contou ter sido abusada aos 11 anos (Imagem: Reprodução)

É difícil denunciar – Passível também de crime de calúnia, já que denúncias com nomes de supostos abusadores são publicadas sem provas, as publicações em redes sociais sobre casos do tipo tem crescido.

Sobre as acusações que ficam apenas no mundo virtual, sem registro na polícia, Elizabeth justifica que o excesso de questionamentos às vítimas e o que chama de culpabilização das mulheres faz com que tenham medo de irem até as delegacias e outros espaços de investigação.

Ela diz, ainda assim, que agora é importante que as meninas procurem as delegacias da infância e da mulher para pedirem investigações contra os casos. Contou orientar que “se caso sentirem-se confortáveis”, denunciem.

“As sociedade diz que a culpa é nossa, perguntam ‘mas por que você estava assim, por que você fez isso?’. A gente também, demora pra cair a ficha que a gente sofreu uma violência. Muitas pessoas que vieram falar comigo falavam que não tinham percebido que o que sofreram era um crime, só depois que viram as publicações se lembraram. Aprendemos que é normal o homem fazer o que quiser com nosso corpo e se questionamos sempre perguntam coisas demais pra gente. Mas eu sempre incentivo a buscar a Justiça se elas sentirem confortáveis”, diz.


Casa da Mulher Brasileira, sede da Delegacia da Mulher. Casos também podem ser levados até a Depca (Foto: Henrique Kawaminami)
Casa da Mulher Brasileira, sede da Delegacia da Mulher. Casos também podem ser levados até a Depca (Foto: Henrique Kawaminami)

Orientação jurídica – Nesta quarta-feira (3), ela já se reuniu com uma advogada para receber orientação sobre as implicações criminais e os boletins registrados contra ela. A orientação foi também para saber como agir, de maneira que se proteja, mas continue a incentivar a exposição dos assédios.

Elizabeth conta que descobriu o feminismo – nome dado à organização política de mulheres em prol de igualdade e direitos – no segundo ano do ensino médio. Quase por acidente. Ainda que sempre tenha sido firme em se posicionar contra o assédio, disse ter ficado chocada ao pesquisar sobre a desigualdade de gênero no universo do trabalho.

“Eu acho que ainda estava no segundo ano do ensino médio [quando descobriu o feminismo]. Foi em uma aula de redação. Eu tinha que fazer uma apresentação pra sala sobre o tema e pesquisei a fundo sobre o mercado de trabalho, que era o foco da minha apresentação. Fiquei revoltada com a diferença, mas sempre fui interessada em entender melhor a questão do assédio”, lembra ela.

A mensagem, destaca a jovem, é também sobre a importância de alertar os homens que desqualificam ou que não se posicionam com relação aos amigos.

“Eu não fiquei surpresa, só triste. A gente sabe o que acontece, em qualquer lugar a gente corre risco. Foi só a confirmação do que eu já sabia. Mas fiquei feliz de poder expor ainda mais para os homens que acham que é histeria nossa. Achei importante mostrar para os homens também, mostrar que isso acontece debaixo do nariz deles, com os amigos deles”, disse Elizabeth.

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