Para garantir conforto de pacientes, Santa Casa cria grupo de Medidas Paliativas


Ouvir de um médico que ele já fez tudo o que estava a seu alcance para curar um familiar é um dos momentos mais difíceis de quem enfrenta ou acompanha a internação de um parente.
Para a maioria das pessoas, a notícia soa apenas como um atestado de morte, sem a possibilidade de recursos que possam amenizar o sofrimento do paciente. Na verdade, passado o choque da informação, um novo caminho pode se abrir para a família e, principalmente para o paciente que obteve o diagnóstico.
E esse caminho pode estar na adoção dos Cuidados Paliativos, um conjunto de medidas que visa assegurar o conforto e o alívio do sofrimento do paciente. O tema não é novo, mas passou a ganhar corpo entre os próprios profissionais de saúde a partir dos anos 1990 até ser definido em 2002 pela Organização Mundial de Saúde como uma abordagem ou tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida.
No Brasil, as atividades relacionadas a esse tipo de cuidado ainda precisam ser regularizadas na forma de lei, o que vai permitir, inclusive, que os planos de saúde incluam os Cuidados Paliativos em suas coberturas. Mas a grande barreira que impede a prática dos Cuidados Paliativos nas unidades hospitalares, ainda é o preconceito, tanto de profissionais quanto da família.
E é justamente para ultrapassar essa barreira e iniciar a implantação desta prática, de forma unificada, no maior hospital do Estado, que a Santa Casa da Capital realizou nesta segunda-feira (31), o 1º Encontro de Cuidados Paliativos, reunindo profissionais de diversas áreas do hospital e de outras unidades da Capital.
Segundo o médico Sérgio Couto, coordenador do Comitê de Cuidados Paliativos, o grupo, que já se reúne há pelo menos um mês, deve começar a atuar de forma efetiva no próximo ano. “Vamos começar devagar e o primeiro passo é iniciar uma discussão com os profissionais e quebrar alguns tabus”, explica.
A partir da oficialização do grupo, que tem entre oito e dez integrantes, o objetivo é desenvolver as ações de forma conjunta. “Hoje já adotamos essa prática, mas não há uma coesão. É preciso o conhecimento e envolvimento de todos”, diz o coordenador.
O médico reconhece que o tema é delicado, pois aborda o limite entre o tratamento e os cuidados para garantir um conforto ao paciente quando a Medicina já não dispor de recursos para seguir com uma cura.
Abordar a família e sugerir a adoção de medidas terapêuticas que visam o controle dos sintomas físicos e, acima de tudo, o conforto do paciente, não é tarefa fácil também para o profissional de saúde. “Não somos treinados a lidar com a morte. Perder um paciente significa um fracasso. Muitos profissionais não gostam nem de assinar um atestado de óbito”, ressalta Sérgio Couto.
Por isso, ele afirma ser fundamental mudar, também, a postura dos médicos para obter sucesso na abordagem do paciente e seus familiares. Ele condena o que chama de “obstinação de tratamento”, que ocorre quando o profissional busca a cura sem observar o sofrimento do paciente.
O médico anestesista Maruan Omais, que também ministrou palestra no encontro desta segunda-feira, vai além, e diz que a humanização do tratamento deve ser compartilhada entre os profissionais de saúde e pelos familiares. “Vivemos em uma sociedade paternalista. O preconceito contra as ações paliativas está relacionado a questões culturais que precisam ser mais trabalhadas. As pessoas depositam a responsabilidade pelo paciente apenas no hospital, quando elas também precisam assumir esses cuidados”, destaca.
Maruan, assim como Sérgio Couto, explicam que não há fórmulas para abordar o assunto com o paciente e familiares, de forma que ele não cause um choque tão grande. Para os profissionais, é preciso tratar a morte como uma evolução natural da vida. “Hoje a expectativa de vida aumentou com as novas técnicas da Medicina, mas ninguém é invencível", lembra Couto.
Assistência domiciliar - Outro ponto que precisa ser melhor esclarecido a população, de acordo com Sérgio Couto, é quanto a assistência domiciliar dentro do processo de Medidas Paliativas. Ao contrário do que a maioria das famílias imagina, as medidas que garantem uma vida confortável, sem sofrimento ao paciente, não são adotadas apenas em casos terminais.
Dependendo do caso, o conjunto de práticas pode ser adotado muito antes dessa fase, já que o foco é o bem estar da pessoa. Segundo orientação da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, as ações devem ter início já no momento do diagnóstico e se desenvolverem de forma conjunta com as ações terapêuticas capazes de modificar o curso da doença.
O grupo multidisciplinar designado a desenvolver as medidas dentro de uma unidade hospitalar deve obedecer um protocolo que compreenda uma rede de ações formada desde as consultas ambulatoriais, psicológicas, até assistência domiciliar e internação, se for o caso. A obediência a essas regras é o que vai garantir a eficácia e a qualidade do tratamento.
Na opinião do médico anestesista Maruan Omais, a sociedade atual reconhece apenas os tratamentos e cuidados desenvolvidos dentro das unidades hospitalares. "Antigamente nossos avós pediam para morrer em casa. Hoje, ninguém acredita ser possível que um paciente receba os mesmos cuidados e atenção também em casa", diz.
Para Sérgio Couto, há um preconceito quando o médico sugere que a pessoa continue sendo assistindo ao lado da família, pois o primeiro pensamento que ocorre é que o hospital quer se ver livre da pessoa para cortar gastos ou liberar leitos. "As pessoas precisam entender que a adoção dos Cuidados Paliativos não é feita de forma indiscriminada. Todos os casos são avaliados e discutidos com a família", ressalta.
Os profissionais ressaltam, no entanto, que dependendo do caso, o paciente tem a possibilidade de levar uma vida normal, recebendo os cuidados paliativos, sem necessariamente ter que abandonar sua rotina.
Mesmo com a comprovação de que os Cuidados Paliativos diminuem os custos dos serviços de saúde, Couto toma o cuidado em enfatizar os benefícios que ele leva aos pacientes e familiares, por isso defende a realização de ações que conscientizem a população sobre os benefícios dessa prática. "É importante destacar que quando o familiar recusa esse tratamento, o paciente permanece internado ou dando continuidade a busca pela cura", afirma.
Espiritual - Para os familiares, além das intervenções psicoterapêuticas, o apoio social e espiritual é fundamental, por isso, o trabalho dos capelães, que são os sacerdotes que atuam nas unidades hospitalares, é considerado um importante elo dentro do grupo de Medidas Paliativas.
Porém, esses religiosos também encontram dificuldade em abordar o tema com os familiares. De acordo com o capelão Edilson Reis, que desenvolve um trabalho de capelania no Hospital Universitário da Capital, a implantação do grupo na Santa Casa representa um avanço na humanização do tratamento. "É um grande passo na busca da dignidade da pessoa, pois ela é tratada como um ser humano. A abordagem vai além de amenizar a dor que ela sente", destaca.
Para Edilson, não é fácil abordar o tema em um núcleo familiar que, às vezes, conta com adeptos de diferentes religiões ou, em alguns casos, não seguem nenhuma doutrina ou fé. "O segredo é ouvir. A família geralmente já está fragilizada e nesse momento precisa de um ouvido", ensina.
Conforme o capelão, há estudos que comprovam que 90% dos pacientes terminais buscam um consolo espiritual, mas é importante que o profissional designado a dar esse apoio, saiba respeitar o modo de pensar do paciente e da família. Mais importante do que ter uma religião é, segundo Edilson Reis, ter uma espiritualidade desenvolvida. "Geralmente quem segue uma crença convive com pessoas que compartilham do mesmo pensamento. Já a espiritualidade exige que você respeite a pessoa com suas diferenças", finaliza