ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, SEXTA  26    CAMPO GRANDE 24º

Capital

Protesto cobra permanência de “vagão solitário” na orla e pede mais cultura

Depois de notificação para desativar “Larica’s da Lú” em 12h, único vagão que segue funcionando na Orla Ferroviária deve continuar, diz a Prefeitura, ao menos por enquanto

Tatiana Marin e Izabela Sanchez | 10/04/2019 10:26
Vagão Larica's da Lu, próximo à Morada dos Baís. (Foto: Izabela Sanchez)
Vagão Larica's da Lu, próximo à Morada dos Baís. (Foto: Izabela Sanchez)

Parafraseando Milton Nascimento, a arte precisa ir aonde o povo está e é isso que move Luana Peralta, de 33 anos e cerca de outras 40 pessoas que se reuniram na manhã desta quarta-feira (10). O vagão localizado no começo da Orla Ferroviária, próximo à Morada dos Baís, é o único em funcionamento, mas recebeu, pouco antes das 18h desta terça-feira (9), uma notificação de desativação com prazo de 12 horas. A Prefeitura de Campo Grande informou que vai manter o vagão temporariamente.

A manifestação de descontentamento com a medida contou com pessoas de todas as idades, entre artistas e anônimos, que frequentam o local. O Larica’s da Lu dá vida ao espaço, sediando eventos dedicados à arte e discussão de diversos temas, além de lanchonete. Luana, que também é servidora pública, começou a investir no vagão e na área ao redor há 9 meses, com recursos próprios, realizando manutenção, limpeza e pintura do local.

Luana e participantes da manifestação. (Foto: Izabela Sanchez)
Luana e participantes da manifestação. (Foto: Izabela Sanchez)

Com poucos espaços dedicados ao lazer e à arte restando em Campo Grande, o primeiro vagão da Orla, e o último a permanecer em pé após à política de retirada das estruturas iniciada pela Prefeitura de Campo Grande, serve de resistência, inclusão e convivência, já que recebe famílias e também da atenção à uma parcela da população que sobrevive à margem da visibilidade: os dependentes químicos.

O sobrenome não é coincidência e Luana é irmã da cantora de reggae Marina Peralta. Com mudança marcada para São Paulo para desenvolver a carreira musical, a artista também participou do protesto e conta o carinho que os dependentes químicos tem com Luana. “Elas a chamam de madrinha e acabam cuidando do lugar”, conta.

Entre os participantes do protesto, os discursos externam as críticas contra a falta de espaços democráticos de cultura em Campo Grande e da higienização da cidade nas áreas ocupadas pelos de dependentes químicos.

Vagão Larica's da Lu, único em funcionamento na Orla Ferroviária. (Foto: Izabela Sanchez)
Vagão Larica's da Lu, único em funcionamento na Orla Ferroviária. (Foto: Izabela Sanchez)

Com a família engajada na questão cultural, a tia de Luana, Lidia Peralta, funcionária pública de 59 anos, ressalta que aquele é o “único vagão que está atendendo o projeto inicial da Prefeitura para o local”. “É uma tristeza não ter essa sensibilidade. É muita injustiça, aqui se reúnem todas as minorias, essa parcela está muito carente”.

O pai, Raul Peralta, de 56 anos, que é professor, conta que Luana sempre lidou com eventos de arte. “Ela tem batalhado muito. É o que a gente tem batalhado. Não tem muitos espaços culturais, é um empoderamento da população. Se a ideia fosse mudar esse espaço, fazer com que todos os vagões funcionassem, seria muito mais viável”.

Marina relembra como Luana iniciou com eventos ambulantes e quando ocupou o vagão, o local “passou a ser um ponto de cultura marginal”. “É é triste, o vagão consegue trazer muita vida para o espaço, estabelecemos uma vivência muito legal aqui. É bem resistência mesmo. Nunca tiveram problema com polícia”, detalha Marina.

A cantora Marina Peralta, irmã de Luana. (Foto: Izabela Sanchez)
A cantora Marina Peralta, irmã de Luana. (Foto: Izabela Sanchez)

A cantora ainda esclarece que entende a motivação da remoção dos vagões, por conta do abandono e destruição, mas destaca que a estrutura ocupada por Luana está em funcionamento. “Este é o único que está funcionando e estamos em um momento em que espaço para a cultura estão reduzidos”, defende.

O ator do grupo teatral Imaginário Maracangalha e professor de teatro, Renderson Valentim, de 37 anos, traça a linha do tempo em relação à história dos vagões. “Tinha esse espaço aqui e o objetivo era dar vida ao trem. Mudaram a lei na surdina, e retiraram o trem. Quando foram instalados (os vagões), o projeto trazer arte e cultura, só que as autorizações foram distribuídas para igrejas, não teve chamamento público. Hoje é o único vagão que cumpre propósito inicial”, diz sobre o Larica’s da Lu.

Larissa Mendes, de 23 anos, mães de um filho, conhece o projeto de Luana desde o começo. “O movimento começou fraco no vagão. Acho que nem ela esperava que fosse crescer tanto. É um espaço maravilhoso de ser ocupado. É um ponto estratégico, é uma pena que isso esteja acontecendo. É uma total repressão e Campo Grande é uma cidade de coronéis”, critica.

Luana se emocionou com o apoio. (Foto: Izabela Sanchez)
Luana se emocionou com o apoio. (Foto: Izabela Sanchez)

Quando Luana chegou ao local, já várias pessoas se reuniam e foi recebida com palmas. Emocionada, ela ressaltou como está tá fazendo arte e cultura de forma independente e com investimentos próprios para reforma, manutenção e limpeza do espaço.

Notificação emitida pela Prefeitura. (Foto: Izabela Sanchez)
Notificação emitida pela Prefeitura. (Foto: Izabela Sanchez)

A notificação foi recebida às 17h45 com prazo de 12 horas para desocupação. “Não faz sentido. Às 6 horas da manhã não tem nenhum órgão público aberto”, atenta ela. Apesar de trabalhar como funcionária pública, o vagão é meio de sobrevivência dela e seus 4 filhos. “Tenho vontade de largar a prefeitura, mas não largaria o vagão. É mais que um emprego”, define.

Além da tentativa de manter o projeto, Luana também busca assegurar a situação da ocupação do espaço, já que ela aluga o vagão de outra pessoa para a qual a estrutura está cedida.

Uma comissão foi criada para discutir a situação diante dos órgãos públicos responsáveis. A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande que informou que “vai analisar a questão contratual e, por enquanto, vai manter este vagão”.

Nos siga no Google Notícias