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Meio Ambiente

Expedição mostra a harmonia entre natureza e o homem pantaneiro

Paula Maciulevicius | 16/08/2011 09:52

Durante três dias Campo Grande News acompanhou a vida de ribeirinhos e o trabalho que realça a sustentabilidade

A planície pantaneira mistura a morraria do Amolar e realça o cenário exuberante de belezas e carente de conservação. (Foto: Paula Maciulevicius)
A planície pantaneira mistura a morraria do Amolar e realça o cenário exuberante de belezas e carente de conservação. (Foto: Paula Maciulevicius)

O IHP (Instituto Homem Pantaneiro), ONG que trabalha pela preservação do Pantanal e afirmação da cultura pantaneira, promoveu expedição no Pantanal da Serra do Amolar, para mostrar ações voltadas à proteção e à valorização da diversidade cultural, ambiental e histórica, mas, também, revelar a fragilidade de um dos principais biomas do mundo e como o povo pantaneiro contribui para o desenvolvimento sócioeconômico da região, numa perfeita coexistência pacífica.

Durante três dias de expedição, o Campo Grande News acompanhou de perto, as ações do Instituto, o dia-a-dia de famílias ribeirinhas que sobrevivem da venda de isca e das cheias do Pantanal, como estudam crianças pantaneiras, em escolas que funcionam em regime de internato e aproveitam as riquezas do cenário como sala de aula.

Entre os dias de expedição, os expedicionários aportaram no Parque Nacional, coração do Pantanal, na divisa entre os dois estados, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O Parque Nacional está sendo preparado para receber turistas que virão ao Brasil para os jogos da Copa do Mundo de 2014.

Na quinta-feira, 11 de agosto, a primeira escala aconteceu por volta das 10h30, duas horas depois da partida de barco do Porto Geral em Corumbá. Na escola Jatobazinho, os 42 alunos estavam ainda em aula.

O material de estudo, lousa, giz, livros e cadernos, parecem de uma escola normal, mas da janela os alunos têm a visão de um pátio bem maior. É só virar que se está cara a cara com a beleza da paisagem pantaneira. Se eles não fossem acostumados com os encantos, era fácil se distrair da aula.

O projeto que garante a permanência das crianças na escola completa três anos agora, em 2011. Os 42 alunos que ali estudam também moram na escola, passam em média dois meses em aula, vão para casa por duas semanas, depois retornam. Uma espécie de férias a cada final de bimestre, para encontrar a família.

Ao contrário da chamada para início das aulas das escolas tradicionais, em que o sinal é que determina os horários, o fator regulador da escola pantaneira é o próprio rio. Se enche acima do normal, é ele quem decide a hora de voltar às aulas. Este começo de bimestre retardou em uma semana, por conta da cheia do rio Paraguai.

A estudante Débora narra em sala de aula o dia-a-dia com a cheia do Pantanal dentro de casa. (Foto: Paula Maciulevicius)
A estudante Débora narra em sala de aula o dia-a-dia com a cheia do Pantanal dentro de casa. (Foto: Paula Maciulevicius)

O tema virou aula, na sala, a professora que ministra a oficina de Comunicação escuta das crianças, relatos escritos de como foi a cheia dentro de casa. "De maio a julho não tivemos para onde ir, os pais nossos tiveram que colocar uma istiva, morreram plantas, animais", conta a estudante Débora Rocha, de 11 anos.

Perto do meio-dia, as crianças almoçavam. Comida pantaneira, de dar água na boca, arroz, feijão, carne e mandioca. No cantinho, quase esquecida uma salada, de repolho e tomate que passava quase que despercebida pelas crianças.

A viagem segue até a casa do "seo" Aluísio Rodrigues. De começo, ele já explica, está registrado Alísio, mas se chama Aluísio. E o registro é de muito tempo, mais de 30 anos, conta o pescador de iscas, de 62 anos.

Com o sotaque pantaneiro, ele responde de "chapa e cruz", o que quer dizer que nasceu e foi criado ali e que pretende morrer na região. Sorridente, ele abre a casa para a equipe de reportagem, mostra até onde a água chegou, altura de mais de 1 metro na cheia deste ano. Na casa de "seo" Aluísio moram 10 pessoas. Ele e a esposa, dona Enaurina, seis filhos e dois genros.

Com muita história para contar, a família logo vem trazer um cafezinho, passado na hora. As mulheres da casa com os olhos vidrados na novela que passava na televisão, a energia para isso vem de um gerador, movido a combustível.

Parte da família do pescador Aluísio, ribeirinha de chapa e cruz. (Foto: Paula Maciulevicius)
Parte da família do pescador Aluísio, ribeirinha de chapa e cruz. (Foto: Paula Maciulevicius)

Lenda do Minhocão - De onça a sucuri, "seo" Aluísio também pode contar da experiência de ver o "minhocão", que segundo ele tem focinho de porco é preto e passa rodando pelo rio. "Ele faz assim na água, já vi ele rodando aí, ele não come gente, mas mata chupando o sangue, já sumiu muita gente com isso", relata.

E ai de quem não concordar com a história de que o minhocão existe, é uma cultura que passa de pai para filho pantaneiro.

Por volta das 15h, a chegada na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Engenheiro Eliezer Batista, gerida pelo Instituto Homem Pantaneiro, para ações de pesquisa e conservação da natureza. O cenário pode-se definir como de beleza incomparável, é o misto entre a planície pantaneira e os morros da Serra do Amolar.

Da reserva, o Campo Grande News segue por uma trilha, onde se pode ver o habitat natural dos animais do Pantanal. Mesmo estando só no primeiro dia de expedição, a vontade de ver uma onça pintada crescia como o passar das horas. O percurso pela trilha sob um trator e os olhos fixos na mata não foram suficientes para flagrar o animal símbolo do Pantanal.

Na volta, uma aula sobre as ações do IHP, no combate a incêndios florestais, manutenção da reserva, expedições científicas, coleções biológicas e a fiscalização ambiental junto à Polícia Militar Ambiental. Até então, a coleção biológica da reserva conta com 454 espécies identificadas.

O nascer do sol visto da RPPN Eliezer Batista, no Pantanal da Serra do Amolar. (Foto: Paula Maciulevicius)
O nascer do sol visto da RPPN Eliezer Batista, no Pantanal da Serra do Amolar. (Foto: Paula Maciulevicius)

Manejo e conservação - No segundo dia, que começa bem cedo por sinal. Com o nascer do sol por volta das 6h da manhã. O reflexo surgindo no rio Paraguai consegue deixar o cenário ainda mais bonito. Depois do café-da-manhã a expedição segue até a barra do São Lourenço. Outra família ribeirinha que tem como característica marcante, a matriarca de 89 anos, lúcida, simpática e cheia de histórias para contar.

Dona Joana Íris de Souza, corrige a filha na hora de falar a idade, é que ela acabou de completar 89 anos no último dia 04. Nascida em Cuiabá, ela conta que viu a família se desenvolver no Pantanal, ali mesmo na Comunidade de São Lourenço.

No currículo, além dos saudáveis quase 90 anos, a senhora traz também 52 partos. A parteira colocou no mundo 52 crianças "e sem nenhum problema. Pedia para Deus e Nossa Senhora e assim tirei perfeitamente", completa.

Com netos e bisnetos no local, o último é o pequeno Alisson de 1 aninho, ela diz para não deixar dúvida "daqui eu não saio não. É toda vida e a vida toda". Características de ribeirinhos que nascem e tiram o sustento do lugar em que vivem. Hoje ela conta que não faz mais partos porque não aguenta, e também pelas dores das gestantes. "Agora gemeu, vai pra Corumbá. Acabou a força das mulheres", afirma.

O peixe, comida nativa dos ribeirinhos na casa da dona Joana ganha um acréscimo especial, cuiabana de registro e pantaneira de coração, ela admite que não pode faltar o maxixe. "Eu gosto é de peixe com maxixe", fala rindo.

Para o almoço a expedição chega no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, já no estado vizinho, na cidade de Poconé. O chefe do parque, José Augusto Ferraz de Lima tem metade da vida passada ali no Pantanal.

Com 60 anos, pelo menos 35 dedicados ao estudo da biodiversidade pantaneira. Um mineiro que ganhou o jeito pantaneiro e que defende a preservação do lugar com unhas e dentes.

O parque funciona quase no completo por energia solar, é cercado por três onças que são monitoradas e que não deram às caras para os visitantes da expedição.

O local abriga o último reduto pesqueiro conservado da região e é um dos 23 parques que abrirão as portas para visitas turísticas na Copa de 2014. A estruturação está seguindo os passos e quer seguir o ecoturismo como forma de preservação da natureza.

Para fechar a expedição, nada mais justo do que ver do alto toda a beleza transcorrida pelas águas do rio Paraguai. A equipe de reportagem do Campo Grande News segue da reserva Acurizal até a Cidade Branca de avião. São 40 minutos de voo, passando pela Serra do Amolar, morro Cará-Cará, até ver surgir Corumbá e Ladário, em uma das curvas do rio Paraguai.

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