Justiça absolve médicos e servidora do Samu por morte de adolescente indígena
Caso ficou conhecido por suposta recusa de socorristas em entrar na reserva de Dourados, em 2019
A Justiça Federal inocentou nesta quarta-feira (16) os três ex-coordenadores do Samu (Serviço Móvel de Urgência) e a auxiliar de regulação médica da unidade, acusados de homicídio culposo e racismo no episódio envolvendo a morte da adolescente indígena Joice Quevedo Arce, 17. O caso ocorreu em Dourados, a 251 km de Campo Grande.
RESUMO
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Justiça Federal absolve médicos e servidora do Samu acusados de homicídio culposo e racismo na morte de adolescente indígena em Dourados (MS). A jovem Joice Quevedo Arce, de 17 anos, sofreu parada cardíaca durante evento na Aldeia Jaguapiru em 2019. O Ministério Público Federal alegava que houve atraso no atendimento devido à discriminação étnica, acusando os médicos e a auxiliar de regulação de se recusarem a enviar ambulâncias para a reserva indígena. O juiz federal Vitor Henrique Fernandez rejeitou a denúncia, afirmando que não havia provas de discriminação ou de que a conduta dos acusados tivesse causado a morte da adolescente. A sentença destaca que a decisão sobre o envio de ambulâncias cabia ao médico regulador e que não houve recusa de atendimento por motivos étnicos, mas sim por questões de segurança e acesso à aldeia. A falta de laudo que comprovasse a causa da morte também foi apontada na decisão.
Em 16 de abril de 2019, a estudante sofreu parada cardíaca quando participava de comemorações pelo Dia dos Povos Indígenas na Aldeia Jaguapiru. Houve jogo de “empurra-empurra” por parte do Samu e do Corpo de Bombeiros no socorro à adolescente, o que provocou atraso no atendimento.
Em dezembro do mesmo ano, o MPF (Ministério Público Federal) denunciou os médicos Eduardo Antonio da Silveira, Jony Alisson Bispo de Sant’Ana e Renato Oliveira Garcez Vidigal; a auxiliar de regulação médica Greicy Kelly Barbieri Mendonça; e o sargento do Corpo de Bombeiros Ayrton Oliveira Motta por racismo e homicídio culposo (quando uma pessoa tira a vida de outra sem a intenção, por negligência, imprudência ou imperícia).
Em julho de 2020, a Justiça Federal acatou a denúncia e transformou os cinco acusados em réus por racismo. Renato Vidigal – que na época coordenava o Samu –, a atendente Greicy Kelly e Ayrton Mota também passaram a responder por homicídio culposo. Em fevereiro de 2022, a Justiça Militar inocentou o bombeiro por unanimidade.
Eduardo Antonio da Silveira, Jony Alisson Bispo de Sant’Ana e Renato Vidigal coordenaram o Samu de 2012 a 2019. Foram acusados pelo MPF por discriminação étnica da população da Aldeia Indígena de Dourados, “pois determinaram/ratificaram o não atendimento de ocorrências emergenciais dentro dos limites do local”. Já a técnica de regulação e o bombeiro foram os responsáveis pelo atendimento das chamadas no dia da morte.
Para o MPF, a atendente do Samu, “dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou discriminação étnica da população da Aldeia Indígena, pois não acolheu os atendimentos emergenciais solicitados pelo telefone 192”.
Quanto ao bombeiro, a denúncia afirmava que ele “dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, praticou discriminação étnica da população da Aldeia Indígena, pois negou o atendimento emergencial prestado pelo Corpo de Bombeiros”.
Trazida ao hospital em Dourados pelos próprios indígenas e acompanhada pela médica do posto de saúde local, a adolescente chegou morta ao Hospital da Vida.
O MPF acusou Eduardo Antonio da Silveira de determinar que a aldeia indígena não recebesse atendimento de urgência do órgão “sob o pretexto de não existir segurança para as equipes que lá entrassem para prestar os primeiros socorros”.
“Os demais coordenadores gerais que o sucederam [Jony Alisson Bispo de Sant’Ana e Renato Vidigal) continuaram adotando tais práticas sem se preocupar em averiguar se possuíam respaldo jurídico quando a isso”, dizia trecho da denúncia.
Inocentes – Na sentença assinada hoje, o juiz federal Vitor Henrique Fernandez rejeitou todos os argumentos apresentados na denúncia pelo procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida e absolveu os médicos e a atendente. Ayrton Mota foi excluído da sentença por já ter sido inocentado na Justiça Militar.
A defesa dos acusados foi feita pelos advogados Romulo Almeida Carneiro, Felipe Cazuo Azuma, Vitor Kruger Giurizatto, Marília Bachi Comerlato Paschoalick e Renan Souza Pompeu.
“É importante ressaltar não ter sido demonstrado que essa orientação [sobre entrada de ambulâncias do Samu nas aldeias] foi imposta como obrigatória, já que todos os ouvidos em juízo que manifestaram sobre esse tema confirmaram que o médico regulador do atendimento é quem tinha e continua tendo a autoridade de decidir como se dará o encaminhamento da ocorrência”, afirma trecho da sentença.
O juiz federal continua: “não há menção à recusa de atendimento em razão da condição étnica, mas em função de requisitos de localização, acesso e segurança”. Ele citou também depoimento de testemunha afirmando que “nunca ouviu equipe do Samu se recusar a atender alguém por ser indígena”.
Entre as testemunhas arroladas pela defesa, para corroborar a tese de limitação de acesso à reserva por questão de segurança, estavam o delegado da Polícia Federal Denis Colares de Araújo e a desembargadora do Tribunal de Justiça Dileta Terezinha Souza Thomaz.
Tendo atuado como juíza em Dourados por vários anos, Dileta relatou ser “pública e notória” a dificuldade de entrar nas aldeias para cumprimento de mandados.
Também arrolado como testemunha de defesa, o promotor João Linhares citou dificuldade de forças policiais e oficiais de Justiça em entrar nas aldeias e casos de violência, inclusive assassinato de um policial.
“Não há provas para afirmar o ato discriminatório descrito na denúncia. Ademais, não se pode ignorar a realidade complexa sobre a entrada e intervenção de agentes externos em comunidades indígenas e a garantia de sua autonomia. Essa intervenção, muitas vezes não é aceita pela localidade, por conflitos com a cultura e os direitos das comunidades”, afirmou o juiz federal.
Vitor Henrique Fernandez continua: “somente haveria crime se as ações dos acusados tivessem se dado em razão de preconceito de etnia, com vontade de discriminar, o que não ficou demonstrado. Além disso, nenhuma testemunha apontou a prática de qualquer ato específico de discriminação dos réus em prejuízo da comunidade indígena. Pelo contrário, houve diversas declarações de que esses atos não ocorreram”.
Sobre a denúncia de homicídio, o juiz federal citou que não foi produzido laudo médico ou outra prova técnica atestando a causa da morte da adolescente, o que torna impossível a responsabilização penal. “Sequer foi verificada nos autos a certidão de óbito da vítima nos documentos que acompanharam a denúncia”, afirmou.
“Com base apenas nos depoimentos colhidos, únicas provas trazidas pelo MPF quanto a este ponto, não é possível atribuir responsabilidade penal por ausência de nexo de causalidade entre a conduta dos réus Renato e Greice Kelly e o resultado. Não há prova, mesmo testemunhal, afirmando que a conduta dos réus causou o resultado [morte]”, citou o magistrado.
“Não é possível eliminar o resultado decorrente da parada cardiorrespiratória sofrida pela vítima, não podendo ser realizado juízo de probabilidade em desfavor dos réus”, encerrou.
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