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Interior

Morte de Veron completa 16 anos com processo em aberto e réu centenário

Segundo MPF, autor da ação na Justiça Federal, o processo tramita normalmente

Aline dos Santos | 11/01/2019 15:08
Veron foi morto em janeiro de 2003 na fazenda Brasília do Sul, em Juti.
Veron foi morto em janeiro de 2003 na fazenda Brasília do Sul, em Juti.

Dezesseis anos depois do assassinato do líder indígena Marcos Veron, esse 13 de janeiro de 2019 chega com processo em aberto, um réu centenário e a certeza da família de que a Justiça demora, principalmente para índio.

Num retorno ao passado, janeiro de 2003 foi de violência na fazenda Brasília do Sul, em Juti, reivindicada como Tekohá Takuara pelos índios guarani-kaiowá.

Os ataques foram em 12 e 13 de janeiro: um grupo de trinta a quarenta homens armados foram contratados para expulsá-los. Conforme denuncia o MPF (Ministério Público Federal), no dia 12, um veículo dos indígenas com duas mulheres, um rapaz de 14 anos e três crianças (6,7 e 11 anos) foi perseguido por oito quilômetros, sob tiros.

Na madrugada do dia 13, os agressores atacaram o acampamento a tiros. Com 72 anos, Marcos Veron foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu por traumatismo craniano.

No mesmo ataque, sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma caminhonete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por sessão de tortura. Um dos filhos de Veron quase foi queimado vivo. E uma filha, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Foi determinada perícia em projéteis de armas de diversos calibres: 20, 12, 44, 38, 9 milímetros, 22 e 32.

Veron foi sepultado na fazenda, num cortejo de 40 quilômetros, como narra matéria do Estadão: “O cortejo percorreu 40 quilômetros até o local, a partir do acampamento montado há um ano na periferia de Dourados, nas margens da rodovia MS-116, onde Veron foi velado. Oito carros da Polícia Federal (PF) o acompanharam. Os procuradores da República Charles Stevan da Motta Pessoa e Ramiro Rockenbach da Silva também acompanharam de perto o sepultamento”. Os ataques se tornaram dois processos na Justiça Federal. 

Local onde Marcos Veron foi sepultado
Local onde Marcos Veron foi sepultado

Mandante – O fazendeiro Jacintho Onório da Silva Filho, hoje com 102 anos, é apontado como mentor intelectual e financeiro dos crimes. Com contratação de pessoas, fornecimento de veículos, alimentação, armas e munições.

Ele chegou a responder pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, tentativa de homicídio qualificado (sete vezes), tortura, sequestro (sete vezes), formação de quadrilha armada e dano qualificado. 

Em 2004, o processo foi distribuído para 1ª Vara da Justiça Federal de Naviraí. No ano de 2007, depois que um impasse resolvido pelo TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), acabou transferido para a 1ªVara da Justiça Federal de Dourados. Em 2010, a Justiça Federal recebeu a denúncia contra Jacintho. Em 2012, o processo inicial foi desmembrado em três devido à grande quantidade de réus: 24 pessoas.

No ano de 2017, a Justiça declarou extinta a punibilidade de Jacintho em reação aos crimes de sequestro e cárcere privado, dano, associação criminosa e tortura. O crime com maior pena era de 12 anos.

“Considerando a data do fato em 13/01/2003, e ainda ser o acusado maior de 70 (setenta anos) nesta data (sentença), tem-se o prazo prescricional de 12 (doze) anos reduzido em metade, o que alcança o patamar de 6 anos, suficiente à configuração do instituto da prescrição, caracterizado entre a data do fato e o recebimento da denúncia em 25/01/2010”, informa o processo.

Um ano antes, em 2016, Jacintho Onório comemorou o centenário em festa black tie. Em 2014, conforme informa a Justiça Eleitoral, fez doações para dois candidatos: Tereza Cristina Correa da Costa Dias (DEM), atual ministra da Agricultura, e Ronaldo Caiado, atual governador de Goiás. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Jacintho Onório da Silva Filho.

Demora mesmo - Conforme o TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), o processo, que tramita em Dourados, está em fase de instrução (produção de provas), com as testemunhas da defesa e acusação sendo intimadas para prestar depoimentos.

Segundo MPF, autor da ação, o processo tramita normalmente. “Atualmente, encontra-se em fase de encerramento de instrução. Depois, virá para o MPF fazer as alegações finais e, aí sim, estará concluso para julgamento”.

A reportagem entrevistou um familiar de Marcos Veron, que pediu para não ter o nome divulgado. “A gente aguarda e está nessa situação há bastante tempo. A Justiça demora mesmo, principalmente quando se trata do indígena. Para nós, não cicatrizou ainda”.

Julgamento em São Paulo - Em março de 2011, Jorge Insabralde, Carlos Roberto dos Santos e Estevão Romero foram condenados a 12 anos e 3 meses de prisão em regime fechado por sequestro, tortura e lesão corporal a seis indígenas, além de formação de quadrilha armada e fraude processual. O julgamento ocorreu em São Paulo, a pedido do Ministério Público, e durou cinco dias.

As justificativas da procuradoria foram o poder econômico e a influência social do proprietário da fazenda, que teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos.

Festa de cem anos de Jacintho Onório em 2016. (Foto: Paulo Freitas)
Festa de cem anos de Jacintho Onório em 2016. (Foto: Paulo Freitas)
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