ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 31º

Corredor Azul

Em tragédia no Pantanal, fogo terminou o que a seca iniciou

Aline Lira, da Wetlands International Brasil | 21/02/2022 09:00
Incêndio no Pantanal em 2020 (Foto: Jeferson Prado)
Incêndio no Pantanal em 2020 (Foto: Jeferson Prado)

“Agir pelas áreas úmidas é agir para a humanidade e para a natureza”, é o lema do Dia Mundial das Áreas Úmidas que resume bem a urgência em prevenir desastres no Pantanal.

“Em 2020, o fogo terminou o que a seca começou”, é em tom de alerta que uma das maiores especialistas sobre o Pantanal, a pesquisadora Drª Cátia Nunes da Cunha, evidencia os perigos enfrentados pelo bioma nos últimos dois anos. Ao contrário do que muitos pensam, o risco de chamas continua a assombrar a biodiversidade local, mesmo que “no final de 2021, com a chegada das chuvas, a vegetação dessa área úmida tenha ficado verde novamente, o que pode dar uma falsa impressão de que o pesadelo dos incêndios florestais seja assunto do passado. Isso é uma forma equivocada de ver o problema”, complementa.

Incêndio destruiu vegetação às margens de rio no ano de 2020 (Foto: Jeferson Prado)
Incêndio destruiu vegetação às margens de rio no ano de 2020 (Foto: Jeferson Prado)

É mediante a este complexo cenário que, em alusão ao Dia Mundial das Áreas Úmidas, celebrado no dia 2 de fevereiro, a Wetlands International Brasil convidou a estudiosa para ser a entrevistada que abrirá a série de textos da Coluna Corredor Azul deste ano.

A doutora Cátia Nunes é pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas úmidas (INAU-CNPq/ UFMT) e nossa importante parceira em trabalhos, com destaque aos projetos: Programa Corredor Azul (PCA) e, mais recentemente, ao Aquarela Pantanal¹.

Há décadas se debruçando sobre as áreas úmidas, Cátia destaca a importância da conservação desses ecossistemas que podem armazenar até quatro vezes mais carbono que as florestas. No entanto, estimativas apontam que, desde 1900, o planeta tenha perdido mais da metade das suas áreas úmidas, isso significa que elas estão desaparecendo até três vezes mais rápido que as florestas.

No Pantanal, a pesquisadora chama a atenção da sociedade para a construção do porto de Cáceres (MT), fruto de um projeto que deseja ampliar o escoamento de grãos e insumos pela hidrovia Paraná-Paraguai até a cidade de Corumbá (MS). “Em termos ambientais, é preciso evitar ao máximo a perturbação dos ecossistemas. A hidrovia pode mudar todo o sistema dentro do Pantanal, porque força a água correr mais coisas dentro do rio, e muitas áreas poderão ficar mais susceptíveis à seca, bancos de areias. São um conjunto de fatores que podem drenar rapidamente o Pantanal”.

Pesquisadora Drª Cátia Nunes da Cunha em trabalho de campo (Foto: Jeferson Prado)
Pesquisadora Drª Cátia Nunes da Cunha em trabalho de campo (Foto: Jeferson Prado)

Não é à toa que, no dia 10 de fevereiro, mais de 160 entidades apresentaram uma carta aberta que trata dos riscos da construção do porto, em Cáceres, e da aprovação do Projeto de Lei Estadual nº 03/2022, a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, que altera a Política Estadual de Gestão e Proteção do Alto Paraguai, permitindo o exercício de atividades econômicas na bacia do Pantanal.

Daí que o lema “Agir pelas áreas úmidas é agir para a humanidade e para a natureza”, escolhido para o Dia Mundial das Áreas Úmidas, de 2022, soa também como um apelo às pessoas para que não deixem apenas a cargo das ONGs - Organizações Não Governamentais - a missão de conservar as áreas úmidas. E, que não acreditem que o poder natural de resiliência desses ecossistemas é o suficiente para conservar as riquezas desses habitats que prestam grandes serviços ecossistêmicos à humanidade.

É preciso destacar que dentro dos acordos climáticos internacionais não temos metas globais para as áreas úmidas. Situação que justifica evidenciar ainda mais fevereiro como o mês dedicado às áreas úmidas, a fim de lembrar a população o quão essencial é a existência desses habitats (mangues, turfeiras, recifes de corais, pântanos, etc) para o bem-estar dos grandes centros urbanos.

Ainda que representem apenas 6% da superfície terrestre, elas abrigam cerca de 40% da biodiversidade do planeta. Logo preservá-las é sinônimo de abastecimento de água, oferta de alimentos, sequestro de carbono da atmosfera - serviços ambientais imprescindíveis em tempos de aquecimento global - o que possibilita a proteção de muitas cidades de eventos climáticos severos como tufões, tempestades, aumento do nível do mar e até evitar o surgimento de novas pandemias.

Por isso, a pesquisadora Cátia Nunes faz questão de reforçar que o problema do fogo no Pantanal ainda não foi apagado. Há muito trabalho a ser feito para evitar que novos incêndios como os vistos em 2020 voltem a assolar o bioma. Ação preventiva que começa pelo entendimento da dinâmica das vazantes e secas do Pantanal até chegar ao problema que tem tirado o sono da humanidade: o aquecimento global.

“Toda produção de conhecimento científico sobre o Pantanal vem de 1900 para cá, ou seja, um período predominantemente úmido. As secas nas atuais proporções é algo relativamente novo, das últimas três décadas, que tem muita sinergia com as mudanças climáticas”, avalia a estudiosa que vê como alternativa ao problema a criação de infraestrutura ao longo da Estrada Parque Transpantaneira, para garantir a disponibilidade de água em caso de incêndios, tanto para bombeiros como para os animais silvestres e empreendimentos de turismo.

“Um dos problemas principais encontrados durante o combate foi a falta de água, em ocasião de que todos os tanques, corixos e riachos ao longo da estrada estavam secos. Apesar da contratação de caminhões pipa, estes tiveram de percorrer longos trajetos da fonte de água até a estrada e fazendas onde se fazia necessário o uso de água para um combate mais eficaz. Todo esse processo era demorado e reduziu dramaticamente a eficiência no combate aos incêndios”, pontua.

Bioma em seu estado natural de conservação. (Foto: Jeferson Prado)
Bioma em seu estado natural de conservação. (Foto: Jeferson Prado)

_¹. O projeto “Recuperação de Florestas Ribeirinhas Pantaneiras: beneficiando água, solo, peixes e populações do entorno da RPPN Sesc Pantanal”, também chamado de “Aquarela Pantanal”, é coexecutado em uma parceria do Polo Socioambiental Sesc Pantanal, Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), Wetlands International, Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Áreas Úmidas (INAU). Conta com o financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) por meio do Projeto Estratégias de Conservação, Recuperação e Manejo para a Biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal (GEF Terrestre), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), com as agências Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como implementador e o Fundo Brasileiro de Biodiversidade (FUNBIO) como executor e, também, contempla o trabalho realizado pelo Programa Corredor Azul (PCA) da Wetlands International, com o financiamento da DOB Ecology. _

Nos siga no Google Notícias