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Em Pauta

Dia de Down: 50 mães, 50 filhos e um cromossomo a +

Mário Sérgio Lorenzetto | 21/03/2018 08:14
Dia de Down: 50 mães, 50 filhos e um cromossomo a +

São 50 mães em seus carros. São 50 filhos e um cromossomo a mais. As mulheres e seus filhos que aparecem neste vídeo conseguiram um efeito eclipsante - nada mais nos interessa ao vê-lo. Emociona até o mais gélido dos homens. Publicado em Youtube há uma semana, nasceu da iniciativa do galês Jamie McCallum. Decidiu que se encarregaria de unificar em um vídeo as dezenas de gravações feitas para esse projeto. As enviaram algumas das mães que fazem parte de um grupo de Facebook denominado "Designer Genes". Mães e filhos cantam junto o tema "A Thousand Years", de Christina Perri, e o fazem em "makaton", um sistema de comunicação que combina a linguagem de sinais com a voz falada. Muitas das mães do grupo aprenderam vendo vídeos de "Singing Hands", que aplica terapia musical para melhorar a comunicação com crianças que tenham a síndrome.
O Dia Mundial da Síndrome de Down tem a intenção de eliminar mitos e mostrar essa condição desde um ponto de vista positivo.

Dia de Down: 50 mães, 50 filhos e um cromossomo a +

Ter um filho com Síndrome de down me fez mais humano.

Às portas da paternidade nada indicava que minha existência fosse experimentar uma volta drástica. Intuía que ser pai de uma criança normal - os testes médicos apontavam nessa direção - me permitiriam, fraldas à parte, seguir alimentando os afazeres do dia a dia.
Me equivoquei.
Francisco nasceu em uma clínica no Natal de 2013. Talvez pela comoção de assistir pela primeira vez um parto, ou porque o levaram rapidamente, só recordo desse momento crucial as palavras do anestesista: "Que loiro!". Não seria moreno como previra.
Um par de horas depois do nascimento, a avó me pediu que fosse ao berçário. Ali me esperava uma doutora junto ao bebê. O gesto sombrio de seu rosto não augurava nada bom. Me disse que a criança tinha trisomia do 21, ou o que é o mesmo: Síndrome de Down. "Mas não estamos seguros. Só temos suspeitas". "Suspeitas...", pensei. Cortesia da parte de quem está completamente seguro.
Já não havia volta atrás. A trisomia do 21 repercutia em meu cérebro enquanto subia as escadas em direção ao apartamento onde deveria levar boas notícias. (E como dar semelhante notícia a uma mãe?). Esquecia que ela era, simplesmente uma mãe. e que com ela a trisomia teria uma batalha perdida. Só queria que trouxessem seu filho para abraçá-lo e beijá-lo pelo resto da vida. Todo o resto eram só circunstâncias do amor. Ela sabia.
Eu, todavia, tardei um pouco mais em compreendê-lo.
Passei uma semana chorando, desconsolado. e justo quando começavam secar minhas lágrimas, a primeira visita ao cardiologista me deu uma punhalada: o menino tinha uma cardiopatia severa. Tetralogia de Fallot. Sabem o que é isso? O doutor pegou um papel e desenhou um coração e, depois de uma lição que me soou a aramaico, sentenciou: "Tem de ser operado a coração aberto". A coração aberto...
Ao sair do hospital olhei no retrovisor. Dez dias sem dormir. Olheiras. Com olheiras e sem lágrimas para derramar. De repente, recordei as palavras de meu pai: "Quando cair, levante-se". Levantei-me. Comecei a escrever um diário , minha experiência com a Síndrome de Down.
Eu que pensava que enfrentaria uma série de lutas e renúncias constantes, fracassos como pai e rotinas hospitalares, se converteu em uma grandiosa revelação: a Síndrome de Down não só não te mata, não só te faz mais forte, te faz mais humano.
Descobri a bondade de uma criança que sangra pelo nariz e continua sorrindo. Descobri a amarga sensação de haver traído meu filho nos dois ou três primeiros dias de sua existência, quando eu era incapaz de baixar ao berço sozinho. Como se naquela pequena cama não estivesse o ser mais doce do mundo. Descobri que a paternidade têm sido para mim uma experiência tão dura quanto belíssima. Descobri que a Síndrome de Down não são mais que três palavras ocas, que meu filho não sofre nem mais nem menos que qualquer outra criança, que adora brincar no parque ou correr atrás de nossa cachorrinha, e que seu sorriso é ainda mais vivo e brilhante que de seu irmão Mário, o pequeno e terrível Mário, que chegou apenas alguns meses depois de Francisco, sem avisar e com os cromossomas comuns. E que também descobrirá um dia em Francisco o melhor irmão do mundo.
Aprendi a ver o mundo com os preciosos olhos azuis do meu Francisco. Quando olho para ele vejo a um pequeno grande arquiteto disposto a levantar um muro indestrutível. Um muro contra a adversidade, contra o medo e contra a desrazão. Compreendam que a vida de uma criança com a Síndrome de Down não vale menos e nem é menos digna que a de qualquer outro ser humano. Pelo contrário: uma criança com Síndrome de Down ensina e aporta tanto ou mais que a sociedade que a recebe que o que dela recebe.
Francisco Rodrigues.

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