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Em Pauta

Nasce o homem-abelha, e avança o agrotóxico

Mário Sérgio Lorenzetto | 27/06/2018 07:23
Nasce o homem-abelha, e avança o agrotóxico

O Brasil é hoje o maior consumidor mundial de agrotóxico. Muitos desses produtos estão banidos de seus países de origem por seus riscos à saúde. Mas encontram nas leis e no mercado brasileiro guarida e inconsciência. Só o lucro imediato interessa. Quase US$10 bilhões são gastos na aquisição brasileira desses produtos. Em 2001, essa cifra era de US$2 bilhões, um crescimento inigualável em qualquer parte do mundo.
Há três anos as abelhas da região de Glória de Dourados estão parando de produzir. Estão morrendo. A morte massiva de abelhas é um preocupante fenômeno mundial. Foi batizado de "Síndrome do Colapso das Colônias". Um dos principais fatores desse colapso é o uso massivo dos agrotóxicos neonicotinoides - um tipo de inseticida derivado da nicotina. Apenas no Brasil, mais de um bilhão de abelhas já foram mortas. São elas as responsáveis por cerca de 60% das culturas consumidas pelo homem. Se houver falta de abelhas, haverá falta de alimentos em geral para os humanos. Haverá falta de frutas e de amêndoas - 100% delas dependem da polinização. Nada menos de 85% das florestas, matas e campos dependem das abelhas.
O Brasil pode ter o mesmo destino de imensas áreas da China, dos Estados Unidos e da Europa, onde o uso intensivo de agrotóxicos levou ao nascimento do homem-abelha. São funcionários das fazendas que fazem a polinização manualmente. Colocam o pólen nas plantas com varetas. Uma atividade humana que dista da competência das abelhas. A União Europeia decidiu banir o uso dos neonicotinoides à partir de abril deste ano, eles só poderão ser usados em estufas. A pulverização aérea dos neonicotinoides foi proibida na União Europeia desde 2009. E mais, dos 504 agrotóxicos usados no Brasil, 149 estão proibidos na Europa.
Os limites desses produtos na água, mostram o abismo entre a legislação brasileira e a europeia. Só no caso do Glifosato, o agrotóxico mais vendido no Brasil, a legislação permite nacional permite a existência de resíduos até cinco vezes maior que o tolerado no bloco europeu. Eles nem mesmo são monitorados pelo governo. Dos 504 agrotóxicos permitidos no Brasil, tão somente 27 deles devem monitorados. O uso é tão abusivo que chega a um momento que os pesticidas e fungicidas não fazem mais efeito na dosagem original. Aumentam a dosagem. Criam um ciclo vicioso e destrutivo.
Os governantes ao invés de fiscalizarem esses produtos, os beneficiam com cargas tributárias baixíssimas. A maioria dos Estados reduz em 60% o ICMS deles e ainda há isenção total de PIS/Cofins e IPI. A procuradora-geral da República - Raquel Dodge - pediu a revisão desses benefícios. O processo está sob a relatoria do Ministro Fachin, membro da turma de Brasília que só se interessa por política partidária.

Nasce o homem-abelha, e avança o agrotóxico
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Nasce o homem-abelha, e avança o agrotóxico

A musa do campo limpo de pesticidas.

Era 1962. O mundo passou a conhecer Rachel Carson. Era a primeira vez que detalhavam os efeitos adversos da utilização dos pesticidas e inseticidas produzidos pela mesma indústria que levou venenos para humanos aos campos de batalha durante a Segunda Guerra Mundial. Se servem para matar humanos, podem matar insetos. Estava dado o pontapé inicial para o debate acerca das implicações sobre o custo ambiental dessa contaminação para os humanos. Se é verdade que esses "pozinhos" propiciam maiores e mais afortunadas colheitas, não resta a mais mísera dúvida que eles destroem os ecossistemas dos campos e intoxicam as pessoas que com eles trabalham e os consumidores.
"Nós permitimos que esses produtos químicos fossem utilizados com pouca ou nenhuma pesquisa prévia sobre seu efeito no solo, na água, animais selvagens e sobre o próprio homem", advertia Rachel Carson. A mensagem era diretamente dirigida para o uso indiscriminado do DDT, barato é fácil de aplicar e fazer. Foi aclamado como o pesticida universal. Mas ninguém ainda havia estudado seus efeitos ambientais e humanos.
O debate sobre agrotóxicos continuou pelo mundo. No Brasil foi o inverso. Os agricultores dessa época devem recordar da "Santa Aliança em prol dos Agrotóxicos". Indústria, governo e bancos uniram-se para disseminá-los pelos produtivos campos brasileiros. Todo agricultor que desejasse comprar dinheiro em um banco, tinha de, obrigatoriamente, apresentar a nota fiscal de aquisição dos agrotóxicos. O país passou a só plantar com esses pozinhos. Viciou-se. Já não vive sem eles. Pior, transformou-se o polo dos embates entre ruralistas e ambientalistas radicais. Entre uma direita raivosa é uma esquerda que bota espuma pela boca. Não querem admitir que há um meio termo, uma agricultura altamente rentável irmanada com os devidos cuidados ambientais. É um vale-tudo de ambos os lados. Mas a "Musa do Campo Limpo de Pesticidas" jamais será esquecida.

Nasce o homem-abelha, e avança o agrotóxico
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Vertumno e Pomona. Proteção dos campos.

A pauta sobre proteção dos campos é mais antiga do que alguns imaginam. Os romanos tinham entre seus deuses Vertumno e Pomona. Ela era a deusa que presidia a floração. Seu maior prazer era fazer a guarda e proteger as árvores. Seu bosque, no entanto, vivia fechado à entrada de seus inumeráveis, e incansáveis, cortejadores. Eram faunos e sátiros que, tomados pela mais ardente paixão, queriam por todo modo possuí-la. De fato, alimentada apenas pelos mais tenros frutos, a deusa dos pomares tinha um corpo invejável e a pele perfeita. Pomona andava só por entre os troncos de suas adoradas árvores, o que excitava ainda mais o desejo de seus pretendentes.
Dentre todos pretendentes, o mais apaixonado, sem dúvida, era Vertumno, o deus cujas atribuições mais se assemelhavam às de Pomona. Vertumno era o protetor dos frutos e dos legumes.
"Nós temos tudo em comum", dizia Vertumno a Pomona, mas a deusa continuava a fugir. Vertumno, porém, era mestre em disfarces e, por diversas vezes, apresentou-se a Pomona, mas esta estava sempre ocupada em podar ou fazer enxertos. Certa vez apareceu como um ceifador, pôs a foice no chão e deitou-se aos pés de Pomona, que permaneceu absorta, totalmente envolvida no corte de galhos e a retirar fungos acumulados. Não deu a mínima atenção ao galanteador.
"Suas árvores estão cada vez mais belas", disse-lhe o deus, sem arrancar dela nenhuma expressão. Com os braços erguidos, seguia sua faina.
Em outra ocasião, Vertumno apareceu como pescador. Um disfarce infeliz. A mais bela deusa da mitologia romana não queria nada com pescadores. Detestava essa atividade. Expulsou o deus, com um ar de enfado. Outra vez, surgiu munido de uma escada, disfarçado com um longo bigode, típico de quem colhia maçãs. Pomona tentava alcançar alguns frutos. O bigodudo se propôs a apanhá-los. Colocando a escada no tronco, Vertumno começou a escalar os degraus, quando sentiu a mão da deusa tomar-lhe o pulso e dizer: "Deixe que eu as alcanço". Depois de arrancar as maçãs dos galhos, Pomona as atirava na cabeça de Vertumno, ocasionando-lhe um pouco de dor. E reclamava: "O que há com você, não está enxergando direito?" Era mais uma derrota para Vertumno. Quanto mais ele persistia em seus estratagemas, mais a deusa se mantinha irredutível.
Um belo dia, uma velhinha encarquilhada apareceu diante de Pomona. A velha - que outro não era se não o próprio Vertumno - aproximou-se lentamente. Mancava e tinha um passo senil. Sentou-se aos pés da deusa. E travou um diálogo que relacionava galhos que envolviam e protegiam as árvores, metáfora para a proteção das mulheres. "Está vendo como os galhos da vinha se enroscam no tronco?", disse o conquistador. E continuo o flerte disfarçado: "Bem, a vinha não cresce jamais se não puder enroscar-se a um tronco forte e viril". Mas Pomona rebateu: "Ora, são todos uns boçais". Mas o deu não desistia nunca. "Existe alguém que está muito acima de todos os demais pretendentes". Não houve convencimento.
Vertumno procurara diversas formas para enganar. Não imaginava que poderia convencê-la apenas aparecendo com sua forma real. Quando o fez, conquistou-a imediatamente.
Era tudo que os romanos podiam pensar sobre a agricultura. Proteção, persistência e um mundo natural, verdadeiro.

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