ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, SEXTA  29    CAMPO GRANDE 24º

Em Pauta

O envergonhado ódio à democracia brasileira

Mário Sérgio Lorenzetto | 18/11/2014 07:55
O envergonhado ódio à democracia brasileira

O envergonhado ódio à democracia brasileira

As manifestações públicas pós-eleições pleiteando o retorno à ditadura necessitam não só ser repudiadas, mas devem ser compreendidas. O mero repúdio pode ser contraproducente por ensejar ainda mais revolta. Por outro lado, é preciso evitar fazer do retorno às luzes das ruas da extrema-direita a causa da crise da democracia. Ao contrário, é justamente devido ao enfraquecimento e encarecimento da democracia que assistimos às manifestações em favor da ditadura.

Cada vez mais, aquilo que denominamos democracia representativa corresponde de fato a uma oligarquia com legitimação democrática. A nossa democracia repousa, em princípio, sobre o poder do povo, mas na prática está cada vez mais dominado por oligarquias burocráticas ligadas às grandes fortunas que dominam a quase totalidade dos partidos.

Há um claro predomínio de "experts" e toda a organização eleitoral deve ser objeto de cálculos como se a democracia fosse uma ciência. Consequentemente, há um distanciamento de toda ideia e de toda prática de um poder do povo. A reação mais espetacular a isso foi a escolha dos mandatários do município de Campo Grande. E foi uma errônea escolha. A reação popular que aspirava pelo aprofundamento da democracia, nela afogou e se envergonhou.

Aquela força subiu porque encontrou espaço para dizer "direita ou esquerda é a mesma coisa" ou "todos os políticos são iguais". O que está ocorrendo é uma confrontação com um sistema de confiscação do poder por uma pequena oligarquia burocrática.

Há um déficit de democracia cada vez mais importante, e infelizmente a parcela capaz de encarnar as aspirações de boa parte da população foi às ruas bradar, ainda que envergonhada, ainda que escondida sob as bandeiras tucanas, pelo retorno da ditadura.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
O envergonhado ódio à democracia brasileira

Dores do parto democrático

As dores do parto de uma sociedade democrática e igualitária tem sua melhor expressão na radicalização de alguns setores de classe média alta contra o PT. Pedidos de impeachment, gritos de "Fora Dilma" no dia da eleição, ataques dirigidos aos nordestinos, brigas de familiares em grupos de whatsapp, pessoas que romperam amizades no Facebook são sintomas do mesmo fenômeno. A pirâmide social está engordando e os que ocupam sua parte superior resistem, gritam, reclamam, manifestam-se. Ótimo, isso é democracia. As dores e os gritos do parto foram maiores neste ano por causa do baixo crescimento econômico. O parto nesta eleição foi sem anestesia. E surgiram gritos clamando por sua interrupção. Não existe política econômica neutra. Ela sempre implica em vencedores e perdedores em condições normais. Em condições excelentes há os que ganham mais e os que ganham menos.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
O envergonhado ódio à democracia brasileira

Pobres sagraram-se vencedores

A grande ganhadora da política econômica do PT é a base da pirâmide social, os mais pobres. Foram eles que repetiram seu voto. O eleitor do agreste ou do sertão nordestino é tão racional quanto o rico fazendeiro de Chapadão do Sul. A diferença entre eles é que os nordestinos pobres foram claramente beneficiados pelas políticas adotadas pelo PT e os fazendeiros ricos, apesar da imensa riqueza acumulada nos últimos anos, não se sentem beneficiados. Há uma forte dose de preconceito e ingenuidade nos dois. O nordestino sente-se injustiçado por todos os governantes brasileiros, à exceção dos petistas, e subestima sua capacidade intelectual e sua força de trabalho. O fazendeiro, pelo contrário, sente-se protegido por todos os governantes brasileiros à exceção do PT e superestima sua capacidade de trabalho e intelectual.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
O envergonhado ódio à democracia brasileira

Hora de governar e de fazer oposição

O Brasil seguirá em frente. Temos de aprofundar a democracia. Eleições existem para manter ou mudar governantes. As dores do parto vêm sendo ouvidas por todos. Dores que revelam sua crueza para alguns e justiça para outros. Passada a eleição, é hora de governar, de descer dos palanques, mas também é hora de fazer oposição. O sucesso da democracia depende de governo e de oposição. Todos falam dos erros do czar da economia Mantega, da corrupção e da dureza da Dilma. Raramente, falam da oposição sentada e preguiçosa dos tucanos. Espera-se que o governo apresente um programa econômico que nos devolva algum crescimento. E aguarda-se uma oposição eficaz, competente, que sue a camisa e nos apresente uma alternativa de governo que até hoje

não surgiu. Aliás, não temos nem mesmo um esboço de governo apresentado pela oposição. As dores do parto têm de existir, ou continuaremos a ter uma democracia que continuará comandada por uma oligarquia burocrática em quase todos os partidos.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
O envergonhado ódio à democracia brasileira

Agronegócio e sua relação com o governo federal

No período democrático, os empresários do agronegócio sempre estiveram na linha de frente da oposição. Fechavam agências do Banco do Brasil, queimavam produções, doavam alimentos, organizavam caravanas barulhentas para Brasília, enfim, muitas manifestações contrárias a todos os governantes foram realizadas pelo setor.

Também é verdade que a produção de grãos nos últimos anos cresceu à taxa de 6,7% ao ano, com a área plantada aumentando 4,6%, e a produtividade por hectare à taxa de 2%. Nos tornamos um dos mais importantes produtores e exportadores de produtos agropecuários do mundo. Sabemos que entre 10 importantes produtos do agronegócio, somos o primeiro em seis deles.

É difícil duvidar que tão colossal avanço não tenha ocorrido pelo trabalho dos agricultores, somado ao apoio do crédito subsidiado e dos planos de safra governamentais que passaram a incluir o setor de floresta, o seguro rural e o armazenamento. Todos ainda insuficientes, mas produzindo bons resultados.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
O envergonhado ódio à democracia brasileira

Fortalecer a confiança entre produtores rurais e governantes

Há outro fator a ser comemorado pelo setor - o aumento do valor real da terra. Um hectare, em média, custava, em 2002, R$ 2.800, e hoje custa, novamente em média, R$ 6.300. Uma valorização ativa entre 7% e 8% anual do principal patrimônio do agronegócio.

Todavia alguns graves problemas obscureceram as relações entre governantes federais e empresários da agropecuária. O mais importante e letal foi o uso abusivo do controle dos preços da gasolina. Isso prejudicou sobremaneira o setor da cana e produziu efeitos colaterais, desvalorizando as ações da Petrobrás. Há outros problemas que não vão morrer de velhice: a insegurança sobre a demarcação de terras, que deveria ter terminado em 1993, um atraso de mais de 20 anos, e as dificuldades de entendimento das implicações do Cadastro Ambiental Rural, bem como de debates francos e abertos entre governantes e fazendeiros que proporcionasse o surgimento de espaços de confiança.

Sem solução razoável e definitiva dessas questões remanescerão nuvens plúmbeas.

O que falta fazer não é muito. Está ao alcance dos governantes, os mesmos homens e mulheres que se esfolam de tanto trabalhar em prol da viciada indústria automotiva instalada em território brasileiro.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
O envergonhado ódio à democracia brasileira

O papa Francisco deu um pontapé no formigueiro

É assim que o estudioso francês do Vaticano Jean Marie Guénois definiu a iniciativa de colocar em discussão temas capazes de levar a mudanças no rumo da Igreja Católica. Seja ou não bem sucedido, passará para a História como o pontífice que convocou um sínodo de bispos sobre a família para o debate de questões absolutamente polêmicas tanto para católicos ou para ateus: homossexualidade e a comunhão para os casais de divorciados que se casaram novamente e não podem receber o sacramento. A ação do papa de fato sacudiu a igreja e pode ser o prenúncio de mudanças, ainda que elas demorem muito tempo para ser praticadas.

Para Paul Freston, professor de religião e cultura na Universidade Wilfrid Laurier, em Waterloo, Canadá, "a maioria das religiões protestantes aceita realidades contemporâneas, como a contracepção e o divórcio, as vezes tapando o nariz. Já com relação aos homossexuais, algumas aceitam, outras estão um pouco hesitantes e outras ainda são muito mais resistentes do que a católica".

O brasileiro Frei Betto diz que embora nos últimos 50 anos tenha evoluído em várias outras dimensões, com relação à sexualidade, por exemplo, a Igreja Católica permanece com as mesmas posições estabelecidas pelo Concílio de Trento, concluído em 1563. Frei Betto também afirma que o papa Francisco teve a ousadia de pôr o dedo na ferida. Ele abriu o debate, e agora esse debate vai durar um ano. A palavra final sairá no sínodo ordinário, em outubro do ano que vem.

O envergonhado ódio à democracia brasileira
Nos siga no Google Notícias