Ser sábio sem cicuta ou perdido na cozinha
Quem estava certo: os gulosos romanos da Antiguidade e suas invencionices na cozinha ou os gregos que só se preocupavam em encher seus estômagos, ignorando os sabores de uma cozinha criativa? Maria Antonieta, a sempre mal afamada mandatária da França, poderia ter evitado a guilhotina se desistisse de sua paixão alucinada pela manteiga? Os primeiros restaurantes, tal como hoje os entendemos, surgem com a Revolução Francesa, quando já não havia pessoas passando fome.
Arte, politica e imigrantes.
Aqueles primeiros restaurantes parisinos ferviam de cultura: Balzac escrevia somente em cafés, Sartre e Beauvoir discutiam o existencialismo nas mesas de restaurantes. Hemingway tomava todas e mais algumas em restaurantes. A mesa dos restaurantes não era só para comer, era um lugar onde fervia pensamento, arte e politica. Mas o mundo do restaurante começa a mudar no tempo de George Orwell. Ele viveu em Paris esfregando pratos, para denunciar a situação precária em que trabalhavam e viviam os imigrantes nesse ramo da economia. Os imigrantes, desde Orwell, continuam sendo o motor invisível da gastronomia global. São eles que sustentam o come-come do bairro e os restaurantes com estrelas Michelin. Os chefs vestiram as roupas de artistas pop. O restaurante é um espelho das dinâmicas migratórias e de poder sem substância.
As refeições equilibradas.
Um das coisas mais absurdas que surgiram na cozinha dos últimos tempos é o mandamento de que cada uma das três refeições diárias deve ser “equilibrada”. A ciência vem nos explicando que a maioria dos corpos humanos escolhe suas próprias satisfações, tanto as da mesa como as da cama. Nem todas as pessoas querem ou precisam de três refeições por dia. Muitas delas se sentem melhor com duas, ou uma e meia, ou cinco. O “equilíbrio” é algo que depende inteiramente de cada individuo. Uma pessoa pode necessitar de muitas proteínas. Outro, mais nervoso, pode considerar carnes, ovos e queijos um veneno, e tem de viver com a graça que encontrar em saladas e abobrinhas. Excessos ou deficiências? Fama ou o suor do trabalho? Se a sabedoria de Sócrates termina em um copo de cicuta, uma planta venenosa que causa paralisia, prefiro a incompreensão.
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