Um casamento na Vacaria e o mascate sírio
Todo fazendeiro que se prezava fazia festa quando alguma filha se casava. Para aproveitar a chegada do juiz de paz e do escrivão, casavam-se diversos vizinhos. Dois dias antes e dois depois, eram cinco dias de festa. Não havia casório sem o sírio mascate. Chegava na véspera.
Não entendiam bem o português mas eram bons em matemática.
Os sírios mascates ficavam todos os dias de festa na fazenda. Vendiam suas especialidades e empanturravam-se com a comilança. As brincadeiras eram comuns por não entenderem bem o português. Começavam conduzindo um burrinho com toda espécie de bugigangas, desde as miudezas, armarinhos e roupas feitas para os peões e as moças. Pediam pasto para o cavalo e o burrinho e alimento, principalmente frutas, para eles. Os fazendeiros nada cobravam deles. Ao retirarem-se, deixavam uma lembrancinha: ora um sabonete, ou um par de meias. Os itens de maior valor eram transportados em uma valise de mão, da qual não se separavam. Não era raro algum contrabandozinho do Paraguai. Tratavam os fazendeiros de “compadre” e aos mais velhos de “titio”. Exímios matemáticos, nunca erravam a favor do freguês na hora do pagamento. Via de regra, levavam vida melhor que os fazendeiros.
A bicharada pagava a festa.
O açúcar era gasto em profusão. As frutas eram aproveitadas para os doces. Limão, figo, laranja-azeda, abóbora, batata-doce, eram doces obrigatórios. O leite era usado em enormes quantidades para os pudins. Às vésperas da festa, a bicharada é quem pagava. Matavam o capado, as leitoas, patos, frangos e bezerras gordas recém-desmamadas, para ver se os festeiros sabiam distingui-las das outras carnes. Ninguém bebia água nesses dias. A cerveja para matar a sede e a pinga para a alegria.
E dá-lhe tiro!
O velho trabuco era carregado até a boca e amarrado à cerca. No seu gatilho prendiam um arame para puxar de longe, devido ao perigo da arma voar pelos ares, tal a quantidade de pólvora. A pederneira do tempo da guerra aparecia, fazendo o mesmo efeito do trabuco. Os rojões eram tão importantes que só podiam ser guardados embaixo da cama, para não serem roubados até o dia da festa. Todos que iam chegando, era obrigatória uma fuzilaria em saudação e regozijo, fazendo tremer de medo o dono da festa por dar menos fogo que os visitantes. A “abastança” do fazendeiro festeiro era medida pela capacidade de dar tiro. As sanfonas de oito baixos, davam o ritmo da festa. Animadas até o amanhecer. Murchas com o sol chegando. Os xotes e polcas paraguaias não deixavam a moçada sossegar.
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