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Finanças & Investimentos

Qual a ideologia do mecanismo que governa o país

Emanuel Steffen | 08/11/2018 08:42

Este artigo foi originalmente publicado no início de abril de 2018. Com as recentes reviravoltas eleitorais, políticas e judiciárias, será interessante conferir se haverá algum ataque ao Mecanismo e, principalmente, qual será a resistência que ele oferecerá. Em fevereiro de 2017, o cineasta José Padilha escreveu um artigo para O Globo explicando como funciona aquilo que ele rotulou de "Mecanismo".

Alguns pontos valem ser destacados:

*Na base do sistema político brasileiro opera um mecanismo de exploração da sociedade por quadrilhas formadas por fornecedores do estado e grandes partidos políticos.
*O mecanismo opera em todas as esferas do setor público: no legislativo, no executivo, no governo federal, nos estados e nos municípios.
*No executivo, ele opera via o superfaturamento de obras e de serviços prestados ao estado e a empresas estatais.
*No legislativo, ele opera via formulação de legislações que dão vantagens indevidas a grupos empresariais dispostos a pagar por elas.
*A administração pública brasileira se constitui a partir de acordos relativos à repartição dos recursos desviados pelo mecanismo. Um político que chega ao poder pode fazer mudanças administrativas no país, mas somente quando estas mudanças não colocam em cheque o funcionamento do mecanismo.
*A eficiência e a transparência estão em contradição com o mecanismo.
*Resulta daí que, na vigência do mecanismo, o estado brasileiro jamais poderá ser eficiente no controle dos gastos públicos.
*As políticas econômicas e as práticas administrativas que levam ao crescimento econômico sustentável são incompatíveis com o mecanismo, o qual tende a gerar um estado cronicamente deficitário.
*Embora o mecanismo não possa conviver com um estado eficiente, ele também não pode deixar o estado falir. Se o estado falir o mecanismo morre.
*A combinação destes dois fatores faz com que a economia brasileira tenha períodos de crescimento baixo, seguidos de crise fiscal, seguidos de ajustes que visam a conter os gastos públicos, seguidos de novos períodos de crescimento baixo, seguidos de nova crise fiscal.

Tudo isso está correto e o autor merece aplausos por saber identificar o problema.
No entanto, Padilha, talvez por querer posar de isento, comete um erro básico e crucial.

Segundo ele:

*O mecanismo existe à revelia da ideologia.
*O mecanismo viabilizou a eleição de todos os governos brasileiros desde a retomada das eleições diretas, sejam eles de esquerda ou de direita (PMDB, DEM, PSDB e PT).
*No sistema político brasileiro, a ideologia está limitada pelo mecanismo: ela pode balizar políticas públicas, mas somente quando estas políticas não interferem com o funcionamento do mecanismo.
Eis o erro de Padilha: o Mecanismo não existe à revelia da ideologia. Muito pelo contrário: o que possibilita a existência e a robustez do Mecanismo é exatamente a ideologia.

E que ideologia é esta?

Foi Nivaldo Cordeiro quem explicou da maneira mais direta:

O Mecanismo é real e existe porque o Brasil nas últimas décadas se permitiu os experimentos esquerdistas os mais funestos. E sua característica fundamental é adotar o modus operandi fascista, qual seja, de concentrar o poder político e econômico nas mãos de quem controla o Estado.

A elevação avassaladora da carga tributária é a expressão desse mecanismo e, para sobreviver, toda a gente precisa ter um "negócio" com o Estado, seja um emprego, uma aposentadoria, um contrato de serviços ou fornecimento, um depósito bancário. Tudo depende do Estado e é por ele intermediado. Nada existe fora do Estado. [...] A grande massa de tributos arrecadados garante que a subsistência de cada um dependa da boa vontade da burocracia e da "vontade política". Só é possível enriquecer e manter-se rico quem tem acesso ao grande 'excedente' retido nas mãos do Estado.[...]

E continua:

O Mecanismo existe e é retroalimentado pela ideologia "inclusiva". Todo o discurso de esquerda é uma promessa para que toda a gente seja incluída como sócia do Tesouro, um absurdo lógico, pois aí não existiria pagador em última instância, uma mentira econômica. O Estado é apenas o instrumento repartidor da renda, não gerador. Para alguém receber algo, alguém tem que pagar.

Nada fora do Estado, é essa a lógica do sistema.

Perfeita a constatação.

O Mecanismo só existe porque há uma ideologia explícita que o sustenta: a defesa de um estado grande, onipresente, intervencionista, ultra-regulador, que em tudo intervém e de todos cuida.

Estado corporativista, protecionista, que tudo abrange e a tudo controla é exatamente a ideologia por trás do Mecanismo.

A lógica é direta: enquanto houver, de um lado, um governo grande, com um farto orçamento público repleto de emendas e brechas, sempre haverá, do outro lado, grupos de interesse poderosos e bem organizados, que irão se beneficiar deste orçamento público. Mais: esses grupos terão todo o interesse em fazer com que este orçamento cresça cada vez mais, pois são os beneficiários diretos deste aumento dos gastos. E quem realmente bancará todos esses gastos do governo que irão privilegiar os grupos de interesse são os pagadores de impostos.

Os incentivos do Mecanismo

O óbvio sempre deve ser repetido: o principal motivo para se fazer lobby junto a um estado inchado é a elevada recompensa que isto traz. Quanto maior for o governo, quanto maiores forem seus gastos, maior será o bolo a ser repartido. (No Brasil, como mostra este gráfico, o gasto público nas três esferas de governo chegou a estar em 10% do PIB na década de 1920, e fechou em 43% do PIB em 2016.)

Esta é a prática conhecida como rent seeking (ou "busca pela renda"): é a atividade de conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência política. Na prática, 

Na prática, é a captura das instituições regulatórias, de políticos e de burocratas com o objetivo de obter privilégios em prol de grupos interesses.

Os privilégios variam. As mais prosaicas e corriqueiras são crédito subsidiado, patrocínios estatais, tarifas de importação que as protegem contra concorrentes estrangeiros, agências reguladoras que cartelizam o mercado e dificultam a entrada de novos concorrentes, e regulamentações profissionais que aumentam a barreira de entrada de novos concorrentes.

No entanto, a modalidade de rent-seeking que atingiu o estado da arte no Brasil é a dos contratos superfaturados. Neste arranjo, empreiteiras pagam propina a políticos e burocratas que estão no comando de estatais e ministérios para que elas sejam as escolhidas em licitações de obras. Ato contínuo, esses políticos e burocratas subornados escolhem essa empreiteira. No final, em troca da propina, a empreiteira faz uma obra superfaturada, a qual será pago pelos impostos da população trabalhadora. Empresa, burocratas e políticos ganharam, e a população trabalhadora perdeu.

Em todos os casos de rent-seeking, ocorre o mesmo padrão: um estado grande sempre acaba se convertendo em um instrumento de redistribuição de riqueza. A riqueza é confiscada dos grupos sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e direcionada para os grupos sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com conexões políticas).

A crescente concentração de poder nas mãos do estado faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado. Lobistas e grupos de interesse são a consequência natural de um estado agigantado e com gastos crescentes. E são também a essência do Mecanismo. Mas não só.

Os cinco elementos do Mecanismo

No Brasil, o Mecanismo é composto majoritariamente por cinco classes principais: os grandes empresários que querem reserva de mercado, subsídios e nenhuma concorrência; as empreiteiras que querem se fartar em dinheiro de impostos por meio de obras públicas; os sindicatos que se opõem à produtividade; os reguladores e burocratas que impingem as legislações; e os políticos que visam apenas ao curto prazo.

Estes são os cinco grupos de poder que formam o Mecanismo.

Sempre que se cria um ambiente de relações estreitas entre, de um lado, os membros do governo (políticos, burocratas e reguladores) e, de outro, grupos de interesse política e economicamente favorecidos pelo governo (empresários anti-concorrência, empreiteiras de olho em obras públicas, e sindicatos), ocorre um fenômeno inevitável: todas as relações políticas passam a ser pautadas pelo famoso lema do "quem quer rir tem de fazer rir".

Para que políticos, burocratas e reguladores favoreçam grupos de interesse, estes têm de dar agrados em troca. Ao exigir agrados, os agentes do governo estão apenas exigindo sua fatia do bolo: já que o governo está utilizando dinheiro de impostos para beneficiar grupos de interesse, então os agentes do governo que supervisionam esse processo também querem se dar bem nesse arranjo. E aí cobram seus "agrados". Estes agrados normalmente se dão na forma de malas de dinheiro, dinheiro em offshores, doação de imóveis, reformas de apartamentos e sítios, doações de campanha etc.

E assim o Mecanismo se mantém.

A Lava-Jato nada mais foi do que a revelação dessa associação entre, de um lado, as grandes empreiteiras e os grandes grupos empresariais e, de outro, os integrantes de toda a esfera regulatória do estado: o que envolve desde burocratas de secretarias até membros do governo executivo (inclusive a presidência da república), passando pelos integrantes do parlamento, legisladores, integrantes da magistratura, partidos políticos, e órgãos de fiscalização e polícia.

Para acabar com o Mecanismo

O Mecanismo, no final, é simplesmente uma atitude lógica adotado por grupos de interesse bem organizados e com grande poder de lobby: tentar cooptar os governantes para que implantem políticas públicas em seu benefício. Enquanto a mentalidade dominante no Brasil for a da defesa de um estado agigantado e onipresente, que em tudo intervém e de todos cuida, o Mecanismo permanecerá robusto.

Só há uma única maneira de abolir, em definitivo, o Mecanismo e toda a corrupção, os grupos de interesse e os lobbies empresariais que ele fomenta: reduzir ao máximo o tamanho do estado, limitando enormemente (ou até mesmo eliminando) a autoridade política que socialmente concedemos e reconhecemos ao estado. Se o estado perde seu poder de conceder privilégios àqueles grupos que o capturam, estes não irão adquirir autoridade política para obter privilégios à custa da sociedade. Nenhum empresário ou sindicato pode comprar favores de um burocrata que não tenha favores para vender. A defesa de um estado grande, intervencionista e ultra-regulador é a ideologia que sustenta o Mecanismo.

Disclaimer\Fonte:Leandro Narloch e Leandro Roque \ Instituto Mises Brasil. A informação contida nestes artigos, ou em qualquer outra publicação relacionada com o nome do autor, não constitui orientação direta ou indicação de produtos de investimentos. Antes de começar a operar no SFN - Sistema Financeiro Nacional o leitor deverá aprofundar seus conhecimentos, buscando auxílio de profissionais habilitados para análise de seu perfil específico. Portanto, fica o autor isento de qualquer responsabilidade pelos atos cometidos de terceiros e suas consequências.

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